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4 GESTÃO PEDAGÓGICA DAS COOPERAÇÕES INTERNACIONAIS:

4.3 SOBREPOSIÇÃO DE CULTURAS NA GESTÃO DO CONHECIMENTO E

4.3.1 Atritos culturais que inibem o compartilhamento do conhecimento em

4.3.1.3 Falta de tempo e de locais de encontro; ideia estreita de trabalho produtivo

Pensamentos edificantes, sempre dão conta de que não são salutares as antinomias: Capital X Trabalho; Aprendizagem X Lazer; Amor X Religião etc. Estas polarizações antinômicas, advém das lógicas laborais pré-industriais e industriais que conferem ao trabalho um caráter de sofrido fazer, pelo qual se deve trilhar o caminho para o seu sustento. Domenico de Masi (2000, p. 241) reforça que organizações virtuosas, visando construir e compartilhar conhecimento significativo, sem vilipendiar a qualidade de vida dos sujeitos, devem:

[...] redesenhar a organização para adequá-la aos nossos biorritmos e as nossas necessidades de amizade, jogo e convívio, em vez de obrigá-los à atual competitividade agressiva com que milhões de pessoas disputam o poder, a posse e o dinheiro.

Sustenta-se, pois, que, numa organização pós-industrial, as fronteiras entre trabalho, tempo livre e aprendizagem, devem ser reduzidas em termos conceituais e as relações, para além da rigidez espaço-temporal que se tem hoje, devem possibilitar uma interação constitutiva de um novo fazer, dentro e fora dos escritórios convencionais. Ao se querer gerir conhecimento como locus do desenvolvimento humano integral, deve-se imbricar corpo e mente, trabalho e ludicidade59, educação

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Ao refletir sobre o sentido do trabalho na sociedade pós-industrial e da aprendizagem, mesmo os teóricos mais progressistas tendem a usar a expressão “tempo livre” como o antônimo de trabalho. Reduz-se assim o sentido construtivista do próprio trabalho, que estes defendem, ao associar-se,

e recreação, amor e religião60, perseguindo a excelência humana em tudo o que faz e a qualquer momento demonstrando grande integridade, que vem a ser justamente a inteireza entre o sentir-pensar-agir coerente, deixando para o alheio a análise acerca de se estar “trabalhando ou vivendo”, simplesmente por não conceber esta separação em nenhum ato ou fato da vida.

Trabalhar é, pois, a práxis61 que agrega valor ao sujeito e à coletividade, independentemente do local onde esta se processe e da contrapartida a esta relacionada. Organizações e pessoas que não são coerentes entre o discurso retórico dos espaços tradicionais de sua construção e as atitudes, gestos ou palavras de seus membros, em tantos espaços alternativos quantos a sua vida alcance, perdem uma grande oportunidade de constituírem-se como integras e efetivas agências de transformação social pelo bem cumprir da gestão do conhecimento para o desenvolvimento humano, que deve ser o mister de qualquer organização.

Tem-se, no caso da AID em Timor-Leste, um claro descompasso entre o discurso oficial dos técnicos da ONU, que sustentam veementemente a total imersão na cultura local e respeito a esta em todos os espaços onde se manifeste e as verdadeiras práticas cotidianas na interação com o povo timorense, dentro e, principalmente, fora dos escritórios nos quais se relacionam, compulsoriamente, com os locais.

Normalmente, os conselheiros começam a trabalhar entre as 8h e 9h da manhã. A maioria dos advisors chega ao seu local de trabalho utilizando os carros fornecidos pela missão. Saem de suas casas ou hotéis climatizados para entrar em seus veículos com ar- condicionado. Deixam-nos para tomar suas salas, em muitas das quais a temperatura também é controlada. Depois do primeiro período de trabalho, saem para almoçar, momento em que encontram amigos nas diversas opções de restaurantes que há em Díli [...]. A maioria dos timorenses almoça em casa. Alguns, contudo, não almoçam pelo simples fato de não terem dinheiro para tanto.

então, trabalho a “tempo não livre”, reforçando um caráter compulsório e reducionista. Neste ínterim, “ludicidade” substitui a expressão “tempo livre”, com vistas a esta correção conceitual, e tem o significado de “alternativo”, para além de jogos ou brincadeiras, como se convencionou no senso comum.

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Aqui se entende religião numa perspectiva etimológica: religare ligação homem divindade, pelas suas ações edificantes nos campos físico, psíquico, social e espiritual. Religião é, pois, o AMOR na

práxis.

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Fazem apenas duas refeições por dia: o mata-bicho e o jantar. No ambiente de trabalho, os advisors estão expostos ao contato com colegas das mais diferenciadas nacionalidades. Nesse contexto, o inglês é tomado como língua de comunicação. Finalizado o expediente, ou mesmo durante seu intervalo, os assessores dão vazão a suas preferências de convívio, relacionando-se sobretudo com aqueles com quem podem conversar em suas línguas maternas. Dessa forma, das mesas dos restaurantes frequentados pela comunidade internacional ecoam várias línguas, configurando uma verdadeira torre de babel. (SILVA, 2004, p. 233-234)

Sendo justamente os espaços “extraescritório”, fontes voluntárias e espontâneas de um possível movimento de interação e integração entre a comunidade internacional e o povo timorense, constituindo-se potencialmente naquilo que Nonaka e Takeushi (2008) definem como espaços “Ba”, os consultores internacionais perdem uma grande oportunidade de construir conhecimento significativo, bem como de dar vazão a uma efetiva e moderna perspectiva acerca da construção e compartilhamento do conhecimento organizacional, ao adotar uma postura de distanciamento, preconceito e pouco envolvimento, limitando sua relação aos espaços “obrigatórios” de co-habitação e, mesmo assim, eivando-os de vícios coorporativos que culminam em um clima organizacional absolutamente nocivo ao desenvolvimento das pessoas e da organização-governo como um todo.

Silva (2004, p. 234) reflete, ainda, que “a ausência de timorenses desses [sic] ambientes é, entre outras coisas, reflexo da diferença salarial entre locais e internacionais no país”. O que constitui-se, de persi, em outro óbice ao compartilhamento do conhecimento entre eles, em processos de cooperação.

4.3.1.4 Status e recompensas vão para os possuidores de conhecimento

Segundo Chiavenato (1999, p. 220):

as pessoas trabalham nas organizações em função de expectativas e resultados. Elas estão dispostas a se dedicarem ao trabalho e às metas e objetivos da organização desde que isto lhes traga algum retorno significativo pelo seu esforço e dedicação.

Assim, as pessoas estarão imbuídas em determinadas funções e no cumprimento de um propósito organizacional se, e somente se, perceberem que o resultado deste esforço é diretamente proporcional ao reconhecimento da organização.

Tal reconhecimento se dá, não somente pela contrapartida financeira, em forma de salários, benefícios e incentivos, mas também, e principalmente, através de aspectos subjetivos que denotam respeito e reconhecimento no seu ambiente de trabalho e fora dele (DAVEL e VERGARA, 2001). Aqui evoca-se a dimensão financeira da recompensa como um recorte e reflexo visível, na tessitura de uma análise acerca das práticas discriminatórias e míope de percepção, que marcam as discrepâncias no campo da AID, em Timor-Leste.

O salário mínimo dos conselheiros internacionais é de 4.000 USD ao mês, enquanto dos timorenses é de 120 USD. Além do salário, todos aqueles contratados como profissionais pela UNMISET, isto é, não- voluntários, recebem ainda uma ajuda de custo de 3.000 USD ao mês. A maior remuneração de um advisor da ONU gira em torno de 12.000 USD ao mês, tendo os ministros timorenses o salário médio de 400 USD. Além disso, como apontei em outro momento, poucos são os estrangeiros portadores de habilidades linguísticas que os capacitem a se comunicar com os timorenses, fato que revela e reforça a separação entre espaços locais e internacionais em Díli. (SILVA, 2004, p. 234)

O quadro acima permaneceu inalterado durante o período da UNOTIL e, até mesmo, se agravou em alguns campos de sua atuação. Como consequência, os consultores estrangeiros utilizam-se daquilo que sabem e supõem ser útil para a organização governamental, como forma de garantir os seus empregos e perpetuar um ciclo de dependência, pois compreendem que, caso os contrapartes timorenses “aprendam a aprender”, seus altos salários estariam em risco. Para Davenport e Prusak (1998), há um risco grande ao compartilhamento dos conhecimentos se os colaboradores associarem sua valorização e permanência na organização à retenção dos conhecimentos que possuem. Já as organizações internacionais como a ONU, responsáveis pelos salários dos estrangeiros, disputam vorazmente a inclusão e permanência dos “seus” consultores em posições-chave, reforçando este cenário. (SILVA, 2004)

Enquanto isso, os funcionários timorenses vêm-se, por motivos óbvios, desestimulados a compartilhar conhecimentos e impingir energia em seu fazer junto

a profissionais de outros países que, não obstante terem formalmente a função de

staff, como definido por CHIAVENATO (1999), em assessoria à atividade fim da

organização, que caberia, na teoria, exclusivamente aos funcionários locais, durante a UNOTIL sempre desfrutaram de situação financeira privilegiada e desfilaram diante dos filhos do Timor todos os símbolos possíveis de status quo e poder. A este respeito, Foucault (1982) elabora, com propriedade, as relações entre subjetividade, conhecimento e poder, que permeiam as relações de troca e sujeição entre os indivíduos e organizações.

Têm-se, marcadamente, a presença deste conflito cultural, como mais um obstáculo à gestão do conhecimento no processo de cooperação internacional em Timor. Tal cenário apenas reforça, a perspectiva da dádiva (MAUSS, 1974) e a lógica do homo economicus (CHIAVENATO, 1999), além de marcar a incompatibilidade de objetivos entre os atores sociais da cooperação no país.