• Nenhum resultado encontrado

1 INTRODUÇÃO

1.3 PANORAMA METODOLÓGICO

Qual o lugar da "metodologia", em um trabalho cuja espinha dorsal é epistemologia e suas nuances, em cenários específicos?

A resposta para esta questão não é simples, mas pode-se asseverar, com alguma segurança, que a metodologia "não cabe", nem estará como

tradicionalmente, apenas, em um capítulo específico. Tampouco, deixará de figurar em toda a extensão desta tese. Isto porque, aqui não se entende verdadeira a percepção de metodologia "como procedimento" ou sequência operacional de "coleta e tratamento de dados". Ao contrário, a metodologia está imbricada na posição política que se assume aqui, diante do ato de conhecer e interagir com "o externo", a partir de referências próprias. É basilar na relação dialógica entre sujeito e objeto, sem necessariamente evocar precedência ou hierarquia, de parte a parte.

É um dos desideratos desta tese, a reflexão acerca de uma metodologia, epistemologicamente progressista e pautada em um "etnoconhecimento". Questiona-se, pois, o paradigma clássico de "ciência", praticado a mancheias no campo das cooperações técnicas internacionais, pautado, via de regra, no modelo de gestão vigente na contemporaneidade, a partir do devir de um paradigma sócio- antropológico de uma "etnociência". (STURTEVANT, 1974)

A perspectiva clássica, distingue-se facilmente, nesta tese e em outros espaços de observação empírica, pela prescrição reducionista de discursos e fórmulas exógenas, dualistas, fomentadoras de dependência e aculturação. Já a afirmação da pessoa humana, dialógica, holística, holonômica, não dual e fomentadora de autonomia epistêmica genuína, devem ser as características fundantes do "etnoparadigma" que esta tese defende para uma nova gestão, bem como da concepção metodológica de sua autoria. (TYLER, 1969; STURTEVANT, 1974; GEERTZ, 1983)

A abordagem é qualitativa, pois, conforme ficará evidenciado ao logo de toda a tese, não seria possível dar conta da complexidade e das nuances de tal objeto intersubjetivo, tão somente, com as métricas da pesquisa quantitativa. O que não significa dizer, que a racionalidade científica e a análise objetiva de informações que validam este feito, não devam estar presentes diante de todo o processo de pesquisa. (GAMBOA, 2007; CHIZZOTTI, 2006)

Metodologicamente, adota-se, numa perspectiva sócio-histórica, uma abordagem qualitativa, descritiva e exploratória que, para Freitas (2002, p. 8) “consiste numa preocupação em compreender os eventos investigados, descrevendo-os e procurando as suas possíveis relações, interagindo o indivíduo com o social.” A compreensão da natureza, eminentemente dialética, dos fenômenos sociais, faz desta opção metodológica caminho natural para trabalhos

desta envergadura, no campo das ciências sociais e humanas, pois afasta a possibilidade de reificação, somativa e classificatória, das informações obtidas no campo, pois nela o pesquisador contesta e confronta a propalada neutralidade, utopia da pesquisa positivista, e considera as nuances ética, política e social, que naturalmente mantém pesquisador e objeto imbricados na mesma teia relacional. (CHIZZOTTI, 2006)

A estratégia escolhida fora a pesquisa teórica, por estar-se avaliando e contestando abordagens teóricas (CELLARD, 2008). Neste caso, especificamente, as abordagens atinentes à administração clássica e educação positivista, analisando-se seus efeitos práticos no campo das cooperações técnicas internacionais, já sabidamente fomentador de um quadro de suboportunidades, produtivismo, subordinação e inconsistência, que se pretende superar. (SANTOS, 2010)

O que também caracteriza esta pesquisa como "de base teórica" é o fato de, não somente contestar uma teoria e seus modelos, como propor e pugnar por um novo modelo, com seus respectivos caminhos operacionais, arrimado em outras abordagens, estas aqui entendidas como progressistas e emancipatórias que, tratadas conjuntamente, podem ensejar o cumprimento do mister deste esforço investigativo.

Faz-se necessário diferenciar a pesquisa teórica da pesquisa, simplesmente, bibliográfica, já que esta estará, em alguma medida em todos os esforços investigativos, enquanto aquela tem especificidades que a distinguem, notadamente, no campo das ciências humanas e sociais (GIL, 2002; GAMBOA, 2007). Vale salientar que, a estratégia metodológica deve-se, também, ao amplo material disponível, a partir de diversos desvelamentos empíricos anteriores neste campo, inclusive do próprio autor, o que confere adequação e guinda a práxis ao cerne deste esforço.

Todo o período como assessor direto da Ministra da Educação e prestando assessoria ad hoc aos principais líderes do Timor-Leste, além de organismos multilaterais, no triênio 2005/2007, conferiram uma "memória etnográfica" de grande valia, que fora tangibilizada em apontamentos, entrevistas com atores sociais diversos, relatórios, artigos e, mais recentemente, em trabalho de dissertação, supramencionado. Esta trajetória pôde conferir um verniz teórico-prático baseado na

experiência vivida no ambiente, acerca do qual discorre-se, com todas as suas idiossincrasias reais, não somente, pois, no âmbito da teoria "distante" e de uma suposta neutralidade de observador externo, que nunca se pretendeu para este caminho investigativo. Afinal, como exorta BONDIA (2002, p. 25 e 26), a experiência não é tão somente o que ocorre conosco, mas o que ocorre em nós a partir do que nos passa, sendo componente fundamental para a metodologia, como processo epistemológico.

Este recorte específico, aliás, apesar de não limitar a pesquisa a um "estudo de caso", tem a preponderante contribuição de guindar ao entendimento, acerca de "como se efetiva na prática as relações de saber-poder, ensejadas pelas abordagens tradicionais de administração e instrução, culminando em modelos tradicionalistas de Política e Estratégia." Sem a experiência pregressa e um recorte espaço-temporal tão rico, quanto a cooperação técnica internacional, em um de seus momentos mais marcante no Timor-Leste, que, por sua vez, ainda é um dos universos de análise interdisciplinar mais desafiantes da contemporaneidade, ter-se- ia muita dificuldade para a compreensão do estado de coisas, sob o qual esta pesquisa de base teórica esteve, está e estará assentada.

1.3.1 Categorias de Análise

Para o cumprimento dos objetivos da pesquisa, foram quatro as categorias de análise que envolvem, respectivamente, histórico, contextualização e práxis da relação entre cooperação internacional; gestão; qualificação e (in) formação integral dos sujeitos; e desenvolvimento humano.

 A primeira categoria é A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL, SEUS PARADOXOS, LACUNAS E AUSÊNCIAS, analisada a partir de Timor-Leste, dos seus processos sócio-históricos e relações com diversos elementos constitutivos, ante a experiência na práxis, em quase três anos de campo e em diálogo permanente com os diversos atores sociais, a ele relacionados, até os dias de hoje;

 Como segunda categoria de análise tem-se O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO, DIFUSÃO E GESTÃO DO CONHECIMENTO NA

SOCIEDADE DA APRENDIZAGEM, bem como sua relação com as políticas e estratégias da educação e do desenvolvimento de recursos (dos) humanos;

 A terceira categoria trará os PRESSUPOSTOS DE UMA ETNOGESTÃO, como nova abordagem de política e estratégia, transdisciplinar e complexa, para (re)sincronização cognitiva de grupos sociais e organizações, alternativa ao modelo convencional, observado e contestado nesta pesquisa pela ação dos operadores do desenvolvimento em Timor-Leste;

 A quarta e última categoria, reflete à culminância dos esforços de pesquisa, com a análise da ESTRUTURA TEÓRICO-PRÁTICA, ORGANIZACIONAL E SÓCIO-PEDAGÓGICA DE GESTÃO, alternativa ao modelo vigente, no campo da AID.

Além deste capítulo introdutório, o trabalho apresenta, em seu segundo capítulo, os paradoxos, lacunas e ausências presentes nas cooperações técnicas internacionais pelo mundo, com olhares a partir de experiências em Timor-Leste, principalmente, bem como em África, como discriminantes do modo de pensar/agir dos "peritos" que, na esmagadora maioria das organizações, se pautam pelo modelo de gestão vigente, aqui questionado.

No terceiro e quarto capítulos, têm-se, respectivamente, o devir de uma gestão com pessoas, em consonância com os ditames de uma sociedade da aprendizagem, em que a epistemologia das organizações irá determinar qual o modelo de desenvolvimento que estas adotarão e quais consequências tendem a colher; e um panorama da gestão pedagógica empreendida no ambiente das cooperações técnicas internacionais, através dos seus modelos de gestão, educação e difusão do conhecimento.

Constatados os indícios que apontam para o esgotamento do modelo vigente de gestão, a partir das teorias de administração e educação, que o fundamentam, bem como desvelados os seus reflexos para os sujeitos e comunidades alvo, o quinto capítulo traz as características e os elementos constitutivos de uma etnogestão, calcada numa práxis a partir do cerne de sujeitos e grupos.

As aproximações conclusivas sumarizam a alternativa conceitual e os caminhos operacionais deste novo saber-fazer.

2

A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL: PARADOXOS, LACUNAS