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E como a família do jovem aparece na publicidade televisiva, hoje? Em comparação com outros territórios, essa família é pouco valorizada, como é bem fácil observar. Uma aproximação pode ser inferida da amostra produzida: apenas 8% da amostra analisada possuem famílias como personagens (publicidade 03 – Caixa Econômica, publicidade 10 – Dermacyd, publicidde 11 – UOL Banda Larga, e publicidade 22 – Parque Del Sol Residence). Não há muitas publicidades que exploram a questão da família e um dos motivos para tanto é bem simples: a publicidade se volta para um alvo e apresenta apenas personagens com os quais ele possa se identificar. Produtos juvenis são feitos para jovens e para qualquer um que queira sentir-se jovem – logo, apresentam quase exclusivamente pessoas jovens –, mas raros são os produtos feitos para todos, desde os filhos pequenos até o pai, a mãe e os avós. Apenas na venda de produtos não segmentados por idade, como internet, ou voltados para a dona de casa, como a própria casa, encontramos a família da publicidade reunida. E, nela, o adolescente encontra um lugar especial.

Vejamos a publicidade da Caixa Econômica (publicidade 03). Ela poderia ser resumida da seguinte forma: uma família, composta por pai, mãe e filhas adolescentes, entra numa agência da Caixa, enquanto conversa animadamente sobre comprar um computador, até que se encontra com o gerente, que a cumprimenta amistosamente.18 Todo o jogo de sentidos e sentimentos se dá nessa breve caminhada por dentro da agência. O mais importante é, na verdade, um fato corriqueiro: quem lidera as discussões, quem entende sobre computador, quem fez as contas, quem sabe a melhor forma de lidar com o dinheiro e quem decidiu ir para a Caixa são as garotas – com destaque para uma delas.

Há um fato interessante sobre a escolha dos personagens dessa publicidade. Não foram selecionados atores para compor uma família idealizada. Pelo contrário, os “Amorim”, uma família carioca, composta de um sócio de oficina mecânica, sua mulher, duas filhas, uma sobrinha e três cachorros, foram contratados para publicizar o sistema de crédito popular da

18 A transcrição completa de cada publicidade se encontra nos anexos. Seria proveitosa à compreensão, naquilo

Caixa. Essa família, como se sabe, ficou conhecida nacionalmente por sua recente participação no quadro “Manda quem Pode, Obedece Quem Tem Juízo”, no programa Fantástico, da Rede Globo, em janeiro do presente ano.19

Na família Amorim, enquanto realidade publicitária, não encontramos um sentimento de proteção com relação às filhas. Muito pelo contrário, as três garotas, que têm de 13 a 17 anos, aproximadamente, sabem muito bem o que querem e parecem se virar muito bem sozinhas. Uma das três filhas é quem toma a frente em todas as falas, esbanjando segurança em si e conhecimento sobre o adulto mundo dos valores. “É só fazer as contas”, desdenha ela. Há um século atrás, essa autonomia das adolescentes escandalizaria qualquer um. Mas, nesses breves trinta segundos, não parece preocupar a mãe da publicidade e parece ser indiferente também para o patriarca Amorim, que apenas complementa o que elas dizem.

É claro que essa confiança em si e essa liderança impetuosa para o consumo que as meninas adolescentes exibem procura divertir o espectador, chamar-lhe a atenção para um discurso que, tradicionalmente, estaria relegado a fontes sérias, adultas e, portanto, confiáveis. No entanto, não há qualquer exagero no quadro pintado pela peça, pois as convenções sociais são inclusive observadas quando o pai (e não alguma das filhas) aperta a mão do gerente do banco, por exemplo. Trata-se de um fato amplamente reconhecido: os filhos adolescentes tendem, hoje, a ter uma influência decisiva nos hábitos de consumo de uma família nuclear, como observa, por exemplo, a recente reportagem de Buchalla (2009).

Vejamos outra publicidade, do serviço de internet UOL Banda Larga (publicidade 11). Ela também é bem fácil de resumir. Somos convidados à sala de estar de uma família, onde o pai, a mãe, o filhinho e o avô estão sentados no grande sofá. Apenas a filha adolescente não aparece no começo da peça e, enquanto essa família “publicitária” faz a propaganda das propriedades objetivas e sentimentais do produto, não dá uma única palavra e se senta afrente do computador no fundo da sala, o qual usa com destreza.

Uma primeira impressão poderia ser a de que a adolescente ocupa um lugar de pouca importância nessa família, pois é a única que não tem voz. O pai está safisfeito porque pode ver os jogos de futebol na internet, o filho, feliz com os jogos, a mãe, tranqüila com a segurança do antivirus do UOL, e o avô adorou a atenção que recebeu do atendimento. E o

19 O reality show mostrava como a família tinha poucos recursos e gastava muito mais do que realmente podia

pagar. Para solucionar o problema, o programa designou Ingryd, a filha adolescente de 15 anos, quem mais gastava, como responsável por todo orçamento da casa. O entretenimento estava em ver como essa menina adolescente “consumista” lidaria com compras, orçamentos e as contas a pagar. É claro que, além de entreter, o quadro possuía uma função pedagógica – como ressalta Fischer (2005) –, na medida em que serve de exemplo para adolescentes e famílias com o mesmo problema.

que a garota pensa e sente? De fato, não importa, pois usar a internet é como habilidade natural para ela. A peça pauta-se no dado do senso comum de que o adolescente não apenas adora a internet, mas sabe exatamente o que fazer e o que quer. E nesse sentido, ela pode ser vista como um modelo para os outros personagens individuais que, dentro da família, possuem seus interesses próprios de consumo, mas não sua confiança ou sua habilidade.

Tomemos agora outra peça publicitária, uma que apresenta uma família nuclear clássica. Na publicidade do Parque Del Sol Residence, em Fortaleza (publicidade 22), somos convidados a conhecer um condonímio de apartamentos do qual se exaltam diversas qualidades: natureza, segurança, lazer, ótima localização. A publicidade, no entanto, não se contenta em afirmar essas qualidades ditas objetivas. Ela mostra o sorriso extasiado da mãe que traz seus filhos adolescentes para morar no Parque Del Sol e também a felicidade desses garotos ao viver nesse local, jogando nas quadras, assistindo televisão na sala e até fazendo um lual ao som do violão. Vemos também o pai, a mãe e até pessoas idosas em outras situações cotidianas, sempre felizes.

O fato de que as cenas com uma família nuclear (composta por pai, mãe e filhos) possam servir de depositário de projeções e identificações para qualquer um que deseje comprar um apartamento mostra o quanto esse sentimento coletivo de família ainda é importante. Ele forma um ritornelo mesmo crucial na organização da vida em sociedade, como demonstra, por exemplo, a outra publicidade, que fala na “família Amorim” (publicidade 03). É interessante notar nessa mesma publicidade, a da Caixa Econômica, que um modelo de família muito diferente se tem difundido, no qual os filhos adolescentes possuem grande autonomia de consumo (mas não necessariamente em outros campos).

Enfim, na publicidade de Dermacyd (publicidade 10), somos novamente levados ao destaque da relação da mãe com os filhos na família nuclear, como ocorre com o começo da publicidade dos apartamentos (publicidade 32). A recorrência com a qual os filhos adolescentes e a mãe são ressaltados nessas publicidades parece delimitar um papel secundário ao pai, e, portanto ao patriarcalismo autoritário de outrora. Ao mesmo tempo, é interessante notar, como ficará claro mais adiante, como esse sentimento de autonomia está quase que invariavelmente relacionado ao consumo.

Outra questão muito importante que não pode ser encontrada no conteúdo dessas duas publicidades, mas sim nas outras, é que o jovem aparece muito mais na relação com outros jovens (onde pode consumir o produto segmentado para ele) e na relação consigo mesmo (onde igualmente pode consumir para seu usufruto personalíssimo) que em relação a sua família. Por exemplo, mesmo em campanhas de conscientização não se têm utilizado a família

como fonte de respaldo e respeitabilidade, mas sim a fama de ídolos adolescentes como conselheiro a ser ouvido e não como autoridade a ser obedecida.

Nesse sentido, essas publicidades não devem ser compreendidas como a representação de uma realidade pré-existente. Ela não encontra um sujeito pronto para ser retratado, como se fosse possível não dar certos retoques. De fato, encontramos subsídios na subjetividade coletiva para que essa peça venha a existir da forma como a encontramos, mas, ao ser veiculada e assumida pelas famílias e adolescentes que se identificam com ela, vai-se constituindo um território no qual o adolescente pode se sentir respaldado para ser mais autônomo, para sentir-se “ele mesmo” dono do seu próprio nariz. É assim que, ao pautar-se em termos do desejável e do consumível, a publicidade vai, progressivamente, produzindo novas formas de viver. Não é apenas reflexo, é uma produção de existência.