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Na publicidade televisiva, encontramos esta tão falada crise da adolescência? De fato, a publicidade não toca nenhum problema realmente sério para ninguém e nada fala sobre as questões problemáticas da adolescência e da juventude, dos quais se ocupam detalhadamente os psicólogos e os sociólogos, entre outros produtores do saber. A publicidade não apenas deixa de tocar em assuntos aversivos, negativos ou simplesmente complicados. Ela os omite ativamente e cuidadosamente das situações que apresenta, das falas de suas personagens e dos sentidos que podem ser pensados a partir de suas trilhas sonoras e até mesmo a partir do conjunto de suas imagens e sons.

O máximo que podemos encontrar, como demonstra 15% da amostra produzida, são algumas insinuações acerca de uma insegurança, de um pequeno problema que, por ser insignificante ou divertido pode ser tangenciado de alguma forma. A maior insegurança apontada para pela fantasia da publicidade televisiva, tomada em seu conjunto, é a questão da sexualidade (como podemos compreender a partir das publicidades 23 – Cepacol Teen, 44 – Termômetro do Amor e 17 – Claro Teste). No entanto, o jogo sinuoso que é a paquera e a descoberta da sexualidade não seria tão comercializável sem um final feliz, sem a descoberta dessa confiança ou sem estar acompanhada de alguma piada, capaz de quebrar o tom problemático. Além da sexualidade, também a aparência de modo geral é outra fonte de insegurança apontada para o jovem (como nas publicidades 35 – Vodol e 39 – Ortoplan). Outra insegurança encontrada, essa mostrada claramente como desafio, é o enfrentamento do mundo profissional e do sério mundo adulto (publicidade 41 – Aprendiz Univesitário).

Da mesma forma que o processo de territorialização dos saberes produz um adolescente problemático, os vetores de subjetivação selecionados na publicidade vão produzindo uma territorialidade necessariamente feliz. O sujeito adolescente escapa de um campo de problemas e chega a um campo verdejante de felicidade, onde encontra apenas outros jovens tão felizes quanto ele. Nesse sentido, as imagens finais da publicidade do FISK (publicidade 26) serve perfeitamente como metáfora para essa territorialidade que vem se expandido fortemente nas últimas duas décadas, mais que, por mais feliz que aparente, não parece conduzir a processos de singularização, mas a um território fechado em si mesmo, na medida em que a felicidade se reduz a certos ritornelos fixos.

Mesmo sem jamais falar que há algum problema na vida dos adolescentes, paradoxalmente, a publicidade parece propor soluções para os mesmos. O tempo todo, sugere o que vestir e quais produtos usar para ser belo e desejado (como vemos nas publicidades 02,

05, 07, 14, 15, 23, 29, 33, 43 etc). Também ensina o que consumir para ser reconhecido ou invejado (publicidades 03, 08, 20, 28, 30, 34, 38 etc). E, enfim, está sempre propondo novas experiências do mundo, das pessoas e de seus próprios limites para viver a vida da melhor maneira possível (publicidades 12, 16, 27, 41, 45 etc).

Mais do que isso, a publicidade parece direcionar-se a essa virtual fragilidade do sujeito adolescente, dando-lhes artifícios para construir sua própria identidade que inclui segurança de si e reconhecimento dos outros. E, para tanto, ressalta quase sempre a imagem de uma marca, que passaria a agir como um ritornelo desse território de beleza, reconhecimento e reinvenção. No entanto, essa proposta aparece quase sempre revestida de uma “atitude” que deve partir do indivíduo, implicando que seria dele a responsabilidade por ser feliz.

Vejamos a publicidade do produto de higiene bucal Cepacol Teen (publicidade 23). Nele, uma garota bonitinha vai andando pelo corredor da sua escola e nos apresentando o “novo Cepacol Teen”. Ela anda e fala de um jeito “teen”, enquanto descreve propriedades ditas objetivas do produto (é novo, sem álcool, com flúor, sem corante etc). No entanto, quando vai chegando ao fim do corredor, lança seguinte provocação: “e sabe por que você sempre tem que ter um na bolsa?” Então esbarra propositalmente num garoto também bonito e, olhando-o nos olhos, fala cinicamente: “Vitor, que coincidência!” No fim, fala o slongan “mais que refrescante, apaixonante.”

Além de informar sobre o produto, a peça usa outra estratégia para produzir o consumo: mostra o quanto Cepacol Teen confere segurança para a garota paquerar e falar de pertinho com o rapazote. No entanto, nada é dito explicitamente, nem mesmo a palavra “hálito” é mencionada, mas é apenas insinuada através da palavra “refrescante”. Mas, se antes ela tinha insegurança quanto ao mau hálito ou que quer que seja, não o terá depois de usar o produto, que deve sempre estar com ela onde vá, como é bem ensinado. Através da omissão dessa insegurança, a adolescência é territoralizada enquanto período de autoconfiança, de paquera, de afloramento da sexualidade. No entanto reside nessa omissão também a necessidade implicita de cuidar de si mesmo e de consumir.

Uma peça, em particular, mostra-se emblemática quanto a essa questão, a publicidade do serviço Claro Teste (publicidade 17). Nela, vemos uma série de adolescentes, jovens e até mesmo pré-adolescentes em situações de indecisão, algumas bem comuns e cotidianas, outras extremas e até mesmo tragicômicas. Um menino hesita em pular do trampolim. Uma garota hesita em cortar o cabelo. Outra, vestida de noiva, hesita em entrar na igreja. Um rapaz hesita em fazer uma tatuagem, outro em andar de skate e outro de pular de paraquedas. E até mesmo um outro menino, de seus 12 ou 13 anos, hesita em chamar uma menina para dança. Durante

toda a publicidade, uma toca música que diz, em inglês: “devo ir ou devo ficar?” No, fim, o narrador nos dá a questão: “não seria melhor se você podesse testar antes de escolher?”. E também a solução: “Claro Teste, você traz seu número, aparelho e testa a Claro sem compromisso”.

Trata-se da publicidade de um serviço de telecomunicação portátil. No, entanto, não vemos ninguém indeciso em falar ou não falar ao celular, nem nada parecido. O objetivo como sempre é divertir, mostrando cenas inusitadas e com as quais é possível se identificar. No entanto, qualquer um poderia ter um celular. Então porque usar cena com tantos adolescentes, jovens e até meninos que ainda estão chegando à adolescência? Ao mostrar jovens, a publicidade se põe em condições de produzir identificações nos jovens, mas também de “psicanalisar” o adulto, no sentido de evocar a insegurança e indecisão que sentira nessa “fase” de sua vida.

Enfim, nenhuma das publicidades investigadas mostra seus jovens passando por uma crise de identidade propriamente dita. No entanto, algumas delas mostram situações de indecisão e de insegurança, sempre com a proposta de solução através do produto publicizado. Dessa maneira, vemos o quanto a adolescência tem sido territorializada enquanto fase de indefinição, de virtualidades e, portanto, de decisões a serem tomadas e o quanto a publicidade sutilmente se apropria desse vetor de subjetivação para produzir o consumo.