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A família Alencar e a trajetória de José de Alencar no espaço social: posições, colocações e deslocamentos

Durante a fase de formação de Alencar (1844-1850), de seu ingresso numa escola de instrução até à conclusão do curso de Direito, em São Paulo, o Império viveu o que Capistrano de Abreu(1963) chamou de “consolidação”. A fase adulta de Alencar (1851-1877), do seu primeiro emprego até a sua morte, se daria durante o que Abreu chamou de “apogeu do Império”.Na primeira fase, o grande protagonista, tanto em termos locais (Ceará), quanto no cenário nacional, foi o Senador José Martiniano de Alencar. Dele, José de Alencar herdou o nome, o que não é pouco: para Bourdieu trata-se de um “designador rígido”,uma vez que

[...] a forma da imposição arbitrária feita pelos ritos institucionais, a nominação e a classificação, introduzem divisões nítidas, absolutas, indiferenciadas, nas particularidades circunstanciais e nos acidentes individuais, no fluxo e na fluidez das relações biológicas e sociais (BOURDIEU, 1996. p. 79).

Do pai recebeu também capital político que lhe abriu as portas para sua carreira tumultuada. E, finalmente, o Senador Alencar proporcionou ao filho um grande capital social, já que Alencar foi educado nas conceituadas escolas superiores de Direito do país (as duas únicas existentes, Olinda e São Paulo), convivendo desde muito cedo com a reduzida e privilegiada elite política, econômica e cultural do Império. De forma que a dialética entre pai e filho, mais que um mero registro biográfico, tem profunda significação para a análise aqui apresentada. Além de tudo o que a origem de elite lhe propiciou, a filiação revela duas séries de determinações, uma positiva e uma negativa. A primeira decorre do fato de ser primogênito e carregar o nome do pai, o chamado “padre rebelde” que se dedicou a

lutar contra a dominação portuguesa e teve a astúcia de criar o Clube da Maioridade, que permitiu a D. Pedro II assumir o trono antecipadamente, garantindo a Alencar trunfos definitivos na carreira intelectual.

Por outro lado,como será visto, o casamento do Senador e padre Alencar com uma prima – a mãe de Alencar - conferiu a este um estigma que o transformou em uma pessoa de temperamento arredio, difícil.Tais características associadas ao físico mirrado e doentio, valeram-lhe remoques para o resto da vida, como o apelido, que lhe foi dado pela imprensa e por adversários, de “fanadinho”.

Não por acaso, no romance Ex-Homem, que deixou inacabado Alencar defende a abolição do celibato clerical e critica o preconceito da época.

A história da família Alencar, embora faça parte de uma historiografia eminentemente regional, tem implicações capazes de iluminar aspectos importantes do Brasil Imperial. Capistrano de Abreu, em seu clássico Caminhos antigos e o

povoamento do Brasil (1963), mostrou que o sertão nordestino foi desbravado no

ciclo do pastoreio a partir de duas entradas: a do sertão de dentro, dominada pelos baianos, e a do sertão de fora, operada pelos pernambucanos.

Nessa caminhada, dois tipos diversos de colonização geraram duas maneiras de se radicar no Ceará. Os do sertão de dentro, formada por elementos vindos da Casa da Torre, da Bahia, que passaram a explorar as boas terras para o açúcar, fixando-se em fazendas de base agrícola. Curiosamente, esta elite passou a enviar alguns de seus filhos para seguirem uma formação superior em Olinda, de onde voltavam com afinidades familiares e pensamentos nascidos da divulgação das ideias iluministas, capitaneadas por Rodrigo de Sousa Coutinho. O pastoreio não se desenvolveu naquele vale com a mesma força do restante do território cearense. Ali prevaleceu a agricultura baseada no cultivo da cana de açúcar. Os baianos e os sergipanos, seus primeiros povoadores, buscavam jazidas de metais preciosos, e para isto, trouxeram mão-de-obra negra para exploração das minas. Tendo falhado o objetivo inicial, observaram que terra e clima eram propícios para a atividade agrícola, utilizando-se mão-de-obra escrava. Ali funcionou a Companhia do Ouro das Minas de São José dos Cariris, onde se deu a entrada dos primeiros escravos negros. A companhia foi extinta em 1758, desenvolvendo-se a seguir, o plantio da cana e estabelecendo-se o comércio com Pernambuco.

O gado foi, através destas correntes migratórias, adaptado à caatinga, em extensa área disponível. Com um pequeno capital era possível comprar algumas reses. O rebanho criado solto facilitou a adaptação do índio, que desta forma, foi integrado ao trabalho pastoril. Os homens de posse, recebendo as sesmarias por doação ou compra, tornaram-se senhores de extensas áreas as quais formariam os latifúndios, ainda hoje existentes no sertão. Muitos deles nem chegaram a tomar posse, confiando a tarefa a vaqueiros, que com o boi se afastavam da faixa costeira, embrenhado-se pelo sertão adentro.

Esses processos de colonização que se desenvolveram de formas díspares produziram elites diferenciadas e deram origem posteriormente, a interpretações também diferenciadas sobre o Ceará, representadas, no caso do sul do Estado, por Antonio Brígido e, no caso dos sertões, por Antônio Bezerra e o grupo que fundaria o Instituto Histórico e Antropológico do Ceará.

Em 1817, o Império português tinha sua corte estabelecida no Rio de Janeiro e enfrentava tensões crescentes. Do outro lado do Atlântico, havia dificuldades para conciliar os dois hemisférios. No Brasil, em março, eclodiu a Revolta de Pernambuco. Em Lisboa, uma conspiração liberal idealizada por uma sociedade secreta maçônica defendia a criação de um governo constitucional. João Brígido (2001) narra que:

Achava-se a esse tempo, fazendo o curso de Retórica no Seminário de Olinda, o subdiácono José Martiniano de Alencar [...] moço de inteligência e ardente partidista da liberdade, que já pelo seu ardor e entusiasmo e intrepidez, já pela amizade que tributava ao mestre, o padre João Ribeiro Pessoa de Melo Monte Negro, membro do governo provisório, não recusaria ir ao Ceará promover a revolta. Alencar [...] pertencia a uma numerosa e muito importante família das estremas(sic) do Ceará e Pernambuco e podia contar com a influência de sua mãe, mulher varonil e muito popular e com todo ascendente e crédito do vigário do Crato, Miguel Carlos da Silva Façanha, de quem era amado ao extremo (BRÍGIDO, 2001, P.187).

Apesar de propagarem-se pela Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas, além do Cariri cearense, as discordâncias internas e o receio dos proprietários de ver abolida a escravidão enfraqueceram o movimento. Além disso, as cartas dos

insurretos, que buscavam apoio em Washington e em Londres, não tiveram resposta. Contidos pelo bloqueio marítimo, estabelecido em 15 de abril, os rebeldes não resistiram às forças enviadas por terra da Bahia, rendendo-se em 19 de maio; seguiu-se assim, uma impiedosa devassa que condenou somente no Ceará, 25 pessoas ao cárcere.

A família Alencar e outros líderes, além de terem seus bens confiscados, foram presos e enviados à cidade de Icó e dali para Fortaleza onde foram agrilhoados e torturados em pequenas celas subterrâneas do antigo Forte de Nossa Senhora da Assunção. Posteriormente, foram levados para Recife e depois para Salvador, onde esperavam para ser executados. Em 1821 a anistia os libertou; em 1824, depois da dissolução da Constituinte, por D. Pedro I, José Martiniano de Alencar vai para Recife, onde assistiu à eleição, pelo Grande Conselho de Pernambuco, do liberal Paes de Andrade.

Novamente incumbido de propagar ideias separatistas e republicanas, José Martiniano de Alencar vem para o Ceará, junto com o irmão Tristão Gonçalves21. Em abril, liderados por Pereira Filgueiras e Tristão Gonçalves, os revoltosos depuseram o governador Costa Barros. Em agosto, Tristão é escolhido presidente da província, deliberando-se pela anexação do Ceará à Confederação. Esta foi uma das últimas províncias a render-se após a traição de José Felix de Azevedo e Sá. Com e rendição, Tristão Gonçalves e Pereira Filgueiras acabaram executados. O Padre José Martiniano de Alencar foi preso e levado do Ceará para a Bahia.

A influente participação do Padre Alencar na revolta de 1824 , no Ceará, acabou por leva-lo preso à Bahia e à Minas onde mais precisamente em Ouro Preto, o Padre escreveu uma famosa “Súplica” a D. Pedro I, pedindo a liberdade e negando que tivesse incitado à revolta. O Padre Alencar, depois chamado de Senador Alencar, para distinguir-se do filho, foi durante toda sua vida a maior liderança liberal no Ceará, tendo desde 1817, quando abandonou o Seminário de Olinda, para lutar no Crato pela revolução, até quando morreu (em 1860), participado praticamente de todas as revoltas liberais no país – encerradas com a “Praieira”. Foi duas vezes Presidente da Província do Ceará, pertencia ao grupo de

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A matriarca da família era Bárbara de Alencar, mãe de Tristão Gonçalves e de José Martiniano de Alencar.Para melhor compreensão da estrutura familiar de Alencar ver o apêndice “Arvore geneológica”.

Antonio Carlos de Andrada Machado e de Feijó, que depois da decretação da Maioridade teria poder e influência. Chegou, inclusive, a ser bem votado para ser o primeiro Regente, superando em dez provincias a votação dada a figuras como os três Andradas – José Bonifácio, Antônio Carlos e Martins Francisco –, o ex-regente Nicolau Campos Vergueiro, Limpo de Abreu, Miguel Calmon, Aureliano Coutinho, Paranaguá e Honório Hermeto.

Mas a participação de sua mãe, Bárbara de Alencar na revolta de 1817, tendo sido presa e sobrevivido durante dois anos em condições humilhantes, a morte do filho, Tristão Gonçalves, nas lutas de 1824, marcaram profundamente a família Alencar. A oposição, formada pelos chamados “Caranguejos”, escreveu uma história paralela da família, que até hoje é motivo de polêmica: Bárbara seria amásia do Padre Miguel Saldanha, vigário do Crato, e Alencar e Tristão seriam filhos deste. A “Súplica” que salvou Padre Alencar teria sido uma traição ao irmão morto em circunstâncias heróicas: o almirante Cochrane ofereceu anistia aos rebeldes, citando especialmente Tristão. Ele recusou. E aos oficiais que o aconselhavam a fugir respondeu: “Jamais deixá-los-ei. Correrei todos os riscos até a morte.” Finalmente, a oposição insistia na tese de que o Padre José Martiniano de Alencar não tinha compromissos com os liberais cearenses que foram traídos seguidamente nas escolhas para o senado em favor de articulações nacionais.

Interessa-me mostrar sucintamente, no caso de Alencar, como o pai deslizou na superfície social, marcando presença em pontos constantes que lhe conferiram poder e visibilidade na elite imperial. O filho, ao se colocar em campo oposto, no partido conservador, optou por uma desvinculação do espaço do pai, como será visto mais adiante, sem prejuízo de herdar todo seu capital social. A análise deste deslocamento, sua assunção no campo político, após a morte do pai, e sua clara tentativa de se manter autônomo em relação a este campo, valendo-se do capital simbólico adquirido no campo literário, são temas que só podem ser decifrados configurando-se o conjunto de posições simultaneamente ocupadas, que permitem enxergar o conjunto das possibilidades possíveis e os atributos e atribuições de nosso agente, dado os diferentes capitais que estavam no jogo.

Joaquim Pereira de Alencar Teodora Rodrigues da Conceição Barbara Pereira de Alencar Leonel Pereira de Alencar José Gonçalves dos Santos Maria Silva Carva Leonel Martiniano de Alencar (Barão) José Martiniano de Alencar M Al Tristão de Alencar Araripe Argentina F. de Alencar Lima Tristão de Alencar Araripe Júnior Tristão Gonçalves de Alencar Araripe José Martiniano Pereira de Alencar Ana Josefina de Alencar Ana Porcina Ferreira de Lima