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Edgar Morin é um sociólogo e epistemólogo que tenta despertar as ciências humanas para a unidade com os aspectos físicos e biológicos. Para ele, as ciências naturais não estão conscientes de pertencer a uma cultura, a uma sociedade, a uma história. Morin (1998) defende a complexidade da realidade – física, biológica, social e política. A maneira de se fazer ciência de forma clássica, racionalista e redutora nos conduziu a impasses que ele considera perigosos. A pergunta: “O que é a ciência?” não tem resposta científica. O último ponto de vista da epistemologia anglo-saxônica é que o científico é aquilo que se reconhece como tal pela maioria dos cientistas.

Morin (1998) diz que a hiper-especialização dos saberes disciplinares fragmentou o saber científico; que estes só podem estar unificados em níveis de formalização muito altos, incluídas aí todas as ciências antropo-sociais que têm todos os vícios da super-especialização, sem ter suas vantagens. Assim, todos os conceitos são triturados e não são reconstituídos em absoluto pelas tentativas interdisciplinares. O resultado é que hoje é quase impossível incorporar o indivíduo, o homem, a sociedade.

Para Morin (1998) os ingredientes da complexidade são tudo o que a ciência clássica desdenhou como desordem, ruído, indeterminismo, acaso. A partir de agora, o problema do conhecimento é de não rechaçar fora de seu reino o incerto, o imprevisível, a desordem, o antagonismo, e buscar o diálogo entre eles. O programa de Morin (1998) consiste em reaprender a pensar interligando os saberes; rearticular sujeito e objeto com a unificação do conhecimento natural ao conhecimento antroposocial, e reintregar o mistério, lutando contra a exclusão do acaso e dos pontos cegos da imaginação no conhecimento.

A chamada epistemologia complexa de Morin insiste em lutar contra as teorias que pretendem compreender cortando os elementos para simplificá-los. Três princípios guiam o seu método de reflexão:

1. Princípio Dialógico: a relação dialógica é uma instância complementar e antagônica. Exemplo: o universo não é um cosmo, nem um caos; ele é os dois ao mesmo tempo. E o mais importante: os dois conceitos não são somente antagônicos e contraditórios, eles se alimentam um ao outro. Assim, o universo se alimenta de entropia (energia degradada) e a vida é feita por acaso;

2. Princípio da Recursividade: generalização da ideia de feed-back, da cibernética de Wiener. Os produtos e efeitos gerados por um processo recursivo são ao mesmo tempo causadores desse processo;

3. Princípio Hologramático: as partes contêm o todo, ao mesmo tempo em que o todo contém as partes. Assim, sociedade e a cultura estão presentes enquanto “todo” no conhecimento e nos espíritos cognoscentes. Por isso, a consciência local é capaz de compreender o universal.

Quanto aos aspectos específicos dos determinismos culturais, Morin (1998) discute em seu livro O método: as ideias que um determinismo formidável pesa sobre o conhecimento. Ele nos impõe o que se precisa conhecer, como se deve conhecer, o que não se deve conhecer. Comanda, proíbe, traça os rumos, estabelece os limites, ergue cercas de arame farpado e conduz-nos ao ponto aonde devemos ir (Ibidem, p. 33).

Para ele há um imprinting cultural matriz que estrutura o conformismo. Como disse Feyerabend (apud MORIN, 1998, p. 45): “[...] a aparência da verdade absoluta nada mais é do que o resultado de um conformismo absoluto.”

Como conseqüência, a sociologia do conhecimento não pode apenas detectar as limitações sociais, culturais, históricas que imobilizam e aprisionam o conhecimento. Ela deve também considerar as condições que a mobilizam ou liberam, isto é, as condições que permitem a autonomia do pensamento e, correlativamente, as condições sociais, culturais, históricas das possibilidades de objetividade, de inovação e de evolução no domínio pleno do conhecimento. Para vencer este imprinting, considera três fatores:

– a existência de vida cultural e intelectual dialógica;

– o calor cultural;

No capítulo quatro deste livro intitulado Complexidade da sociologia do

conhecimento, Morin (op. critica a concepção idealista para a qual as ideias são

independentes, ou mesmo soberanas, e a concepção sociológica, que faz delas produtos de uma sociedade hic et nunc. Morin vai combater Bourdieu quando diz que não há apenas condições históricas-sociais-culturais prescritivas para a ideia e para o conhecimento; há também condições permissivas, que cedem lugar às autonomias individuais, à ideia nova, ao pensamento criativo.

Morin (1998) bate firme na ideia de um espaço relacional, que ele chama de hiperdeterminante:

O principal vício que ameaça a sociologia do conhecimento é a simplificação determinista, para a qual o conhecimento é um produto trivial, de uma máquina social trivial. Depois do determinismo da situação da sociedade (num tempo, num lugar, num clima), reina hoje o determinismo da situação na sociedade, situação de classe, que o marxismo dogmático pretendeu hiper-determinante, situação de casta (intelligentsia), espaço sócio-profissional (sociologismo trivial) ou, ainda, habitus, noção forjada por Panovski e tornada concreto armado em Bourdieu (MORIN, 1998).

Morin (1998) enfatiza que, se por um lado, há formidáveis processos de trivialização agindo sobre/contra os indivíduos, há também, a partir da inderteminação, polideterminações, desvios, autonomias, inovações e criações individuais, novos desenvolvimentos que terminam por arruinar a cultura onde se originam. Para o autor, não se pode reduzir prestígio à sede de conhecimento, à sede de poder.

Isto é certamente verdadeiro para alguns, parcialmente verdadeiro para muitos e deve ser integrado numa sociologia complexa da ciência. Assim, a cegueira sobre tudo que não é ambição, interesse e vaidade, nos esclarece apenas sobre as motivações e os comportamento dos que semeiam a cegueira (MORIN, 1998).

Como se pode notar, o pessimismo de Bourdieu (1996), que enxerga longe a coisificação mercantilizada da vida espiritual, da cultura simbólica e das interações lingüísticas, é contraposta ao otimismo de um autor como Mannheim, que encontrou na situação sociológica mais ou menos desenraizada da inteligência, a fonte da

autonomia do conhecimento e das ideias em relação à sociedade da qual são oriundos. Em outras palavras, a visão do intelectual total, um ser que paira acima de todos os interesses.

Para Morin (1998), “[...] a abertura de Mannhein se opõe hoje ao reducionismo bourdivino”. A intelligentsia “sem raízes” cede lugar a uma estrita compartimentalização sociocultural dos intelectuais, na qual cada um é submetido ao determinismo de seu habitus.

O que Morin (1998) se pergunta – e esta é a questão-chave nessa pesquisa– é: se é possível pensar, longe do emancipacionismo ingênuo, em determinados momentos e dentro de determinadas condições, numa certa autonomização e numa relativa emancipação do conhecimento e da ideia, embora reconhecendo o enraizamento do conhecimento no contexto cultural, social e histórico.