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CAPÍTULO 3: A Sociabilidade norteando interpretações e caminhos

4.3. Sociabilidade de classe média na segunda residência

4.3.2. Relações inter-gerações

4.3.2.2. A família

Nada parece mais natural do que a família. Entretanto, para Bourdieu (2001, p. 127), a

família é não só um princípio de construção social, como defende a etnometodologia, mas é

ele próprio socialmente construído, sendo comum a todos os agentes socializados de uma certa

maneira. Ou seja, ele é um

princípio comum de visão e de divisão, um nomos, que todos temos no espírito, porque ele nos foi inculcado por meio de um trabalho de socialização concretizado em um universo que era ele próprio realmente organizado de acordo com a divisão em famílias. Esse princípio de construção é um dos elementos constitutivos de nosso habitus, uma estrutura mental que, tendo sido inculcada em todas as mentes socializadas de uma certa maneira, é ao mesmo tempo individual e coletiva, uma lei tácita (nomos) da percepção e da prática que fundamenta o consenso sobre o sentido do mundo social (e da palavra família em particular), fundamenta o senso comum (ibidem).

Para que a família mantenha sua unidade, sua integração, o sentimento de ser família é

necessário “um verdadeiro trabalho de institucionalização” ritual e técnico, ao mesmo tempo

em que visa instituir de maneira duradoura em cada um de seus membros, os sentimentos

adequados à integração que é a condição de existência e persistência dessa unidade (Cf.

BOURDIEU, op.cit., p.129).

Na família começa a entrar essa questão do amor [...] agora [...] é muito difícil associar de pronto família com amor. Porque eu costumo dizer que os familiares, por acaso, são parentes da gente. Eu posso ter ou não aproximação. Aqueles que me são mais próximos, eu diria, amor. (entrevistado n.15)

Faz-se necessário, portanto, um trabalho simbólico com a finalidade de fazer brotar em

cada um dos membros da família um “espírito de família” capaz de gerar dedicação,

Acho que a família é o apoio, é o que você pode contar em qualquer situação, a pessoa certa, errada, bem ou mal, é família. O que se tem que valorizar é essa incondicionalidade, você tem que estar unido, tem que dar um jeito de estar junto mesmo (entrevistada n.6).

Na família (o importante é) “essa ligação, essa união, estar sempre presente nos

momentos de lazer e de não lazer, nos momentos difíceis” (entrevistada n.8).

“Na família, o fundamental é que você possa compartilhar tudo: bens, alegrias”

(entrevistada n.48).

A família é também o “lugar da confiança (trusting) e da doação (giving) - por

oposição ao mercado e à dádiva retribuída [...]; o lugar onde se suspende o interesse no sentido

estrito do termo, isto é a procura da equivalência nas trocas” (BOURDIEU, op.cit, p.126).

“Importante na família é o amor, estar com as pessoas, poder contar em qualquer

situação” (entrevistada n.33).

Pode-se dizer que o lazer em Gravatá, por sua característica de lazer familiar, tem esse

caráter integrativo e de consolidação dos laços familiares através dos encontros que promove e

das oportunidades de estar junto que oferece. As refeições em família e com amigos são

momentos de integração, como expressa uma entrevistada:

No condomínio [...] as famílias sempre são amigas, se confraternizam, estão sempre conversando, estão sempre fazendo refeições juntas, exatamente para ter esse convívio (entrevistada n.33).

Identifica-se a seguir, na tabela 5, que valores na família são essenciais para os

Tabela 5. Valores da família

Valores da família Percentual de respostas (%) união 25,9 amor 24 respeito 14,8 apoio incondicional 13 solidariedade 3,7 sinceridade 3,7 confiança 3,7 compreensão 3,7 diálogo 3,7 honestidade 1,9 integridade 1,9 Total 100

A figura a seguir permite visualizar melhor que valores devem estar presentes e serem

cultivados nas famílias, de acordo com sua importância para os entrevistados.

Valores da família união amor respeito apoio incondicional solidariedade sinceridade confiança compreensão diálogo honestidade integridade

Sabendo-se que são os valores que motivam as práticas das pessoas e podendo-se

perceber nas entrevistas o valor que é dado à família pelos proprietários de segunda residência,

entende-se, então, porque ela é a motivação maior das suas práticas.

A família está sempre associada a uma residência como lugar estável, que permanece.

Bourdin (2001) chama a atenção para o fato de que as sociedades contemporâneas oferecem

[...] uma afirmação sistemática do entre-si que influi na construção de sistemas residenciais.

Essa procura do entre – si passa igualmente pela valorização de uma afetividade fundada nas

relações primárias, como as encontradas na família. Parece ser justamente essa busca do estar

junto, de conviver e partilhar, como quando se está em comunidade, que leva as pessoas a

Gravatá.

O crescimento dos centros urbanos induz, muitas vezes, as pessoas a se distanciarem

umas das outras, como decorrência de uma série de fatores. Grande parte do seu tempo é gasto

entre o trabalho e o consumo. A violência que habita os centros urbanos faz com que muitos

dos seus habitantes restrinjam suas relações interpessoais e se isolem no espaço privado da

residência. A especulação imobiliária determina a ocupação das áreas mais valorizadas da

cidade com grandes construções verticais de alto valor de mercado. As áreas verdes vão

escasseando, os espaços de convivência se tornam cada vez mais restritos. Percebe-se uma

tendência de busca de espaços mais amplos, onde se possa viver de forma mais livre e

saudável com a família e os amigos. Esse tipo de comportamento predomina, sobretudo, nas

pessoas adultas que já têm seus filhos adolescentes ou jovens, mas também é encontrado nos

jovens casais que têm crianças e que por isso, sentem a necessidade de lhes propiciar um