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CAPÍTULO 3: A Sociabilidade norteando interpretações e caminhos

4.3. Sociabilidade de classe média na segunda residência

4.3.2. Relações inter-gerações

4.3.2.1 Relações familiares no espaço da casa

O termo lazer familiar vem sendo objeto de muitas discussões no campo dos estudos

sobre lazer, principalmente na sociedade norte- americana, onde é bastante utilizado para se

referir ao tempo que pais e filhos passam juntos no tempo livre e nas atividades recreativas

(KELLY, 1983; 1993; SHAW, 1997). A adoção do termo lazer familiar reflete o crescente

reconhecimento pelos acadêmicos de que o lazer não é um aspecto isolado da vida, mas está

intimamente relacionado ao contexto social e às experiências da vida cotidiana, principalmente

da família. Estudos da mesma natureza também foram realizados em outros países e, portanto,

do lazer familiar na França, Te Klose (1993) examinou o mesmo fenômeno na Holanda (1993)

e Mccabe, (1993) no Reino Unido.

Apesar de grandemente utilizado, não existe muito consenso sobre o uso do termo

devido às mudanças ocorridas nas últimas décadas na forma de organização da família.

Entretanto, “parece haver uma concordância em relação ao fato de que o conceito de lazer

familiar é aplicável apenas às famílias com crianças” (SHAW, 1997). Ressalte-se também que

as diversas pesquisas sobre esse tipo de lazer focalizam, na sua grande maioria, a família como

sistema de interação social. Nesse caso, as atividades de lazer na família são associadas de

forma positiva ao desenvolvimento psicosocial das crianças e adolescentes e à estabilidade do

casal.

No presente estudo, realizado com proprietários de segunda residência em Gravatá,

considera-se lazer familiar não só aquele que integra a família nuclear, mas também a família

mais ampla como avós, tios e sobrinhos. Os resultados da pesquisa demonstram que o lazer é

sempre percebido de forma positiva, como uma atividade que congrega, desenvolve

habilidades, estreita laços de afetividade entre os membros da família.

Para os netos é uma coisa maravilhosa. Porque agora eles têm a liberdade de sair, de andar, de subir em árvore, de ver bicho que eles não conheciam, pra eles é uma coisa muito interessante [...]. Hoje em dia estou convivendo mais com meus netos, coisa que eu não tinha tanta oportunidade antes, agora eu os vejo. Todo final de semana estão ali comigo. Aí eu acho isso extremamente positivo; pra eles e pra mim (entrevistada n.3).

Acho que primeiro, a questão de hoje você morar muito em apartamento, na cidade você sente um pouco falta do campo, da vida ao ar livre e depois a necessidade de reunir mais a família, você tem condição de num condomínio assim, manter todo mundo tendo o mesmo lazer numa mesma área; agrega mais (entrevistada n.6).

Percebe-se também, nas falas dos entrevistados, que é forte a necessidade de afiliação,

definida por Pisani (1994) como “o desejo de estar junto a outras pessoas numa relação de

amizade e de afeto”. O lazer como afiliação refere-se à interação e partilha de si com os outros

(Cf. FREISINGER, 2001).

De forma semelhante, sente-se essa partilha no cuidado com que se prepara a casa para

viver a experiência de lazer com a família nos feriados e fins de semana, ou ainda para receber

a família mais ampla que ali vai durante os períodos de festividades.

Em Gravatá, apesar de eu ter uma ótima caseira, eu gosto de mexer nas coisas de casa, mexer, arrumar, botar um enfeitezinho, de olhar um guarda- roupa, de ver se falta alguma coisa, de cuidar da roupa de cama e mesa porque na época de São João os hóspedes são muitos [...].Coisas que eu não faço em Recife, então é diferente [...] (entrevistada n.7).

Acaba que une mais, você tem um referencial, a gente tem um lugar, vamos se encontrar, vamos pra lá, vamos passar um final de semana, então, sempre a casa está cheia. Aí junta minha sogra com minha mãe, aí tem o contato né, junta as duas famílias, um sobrinho, um cunhado, irmão, irmã e tem contato com Vinícius, com os primos, a gente sempre convida, o pessoal ta sempre indo lá. Fortalece (entrevistada n.4).

Um outro tipo de abordagem que igualmente vem se desenvolvendo nos estudos sobre

lazer familiar localiza a família no sistema patriarcal; a ênfase é então colocada na forma

como as relações de gênero afetam a expressão e a experiência do lazer na família. Esse tipo

de estudo geralmente focaliza o papel da mulher no lar. As expectativas de comportamento

geradas em relação aos papéis de mãe, esposa e dona de casa, fazem com que muitas mulheres

se sintam prejudicadas na sua vivência de lazer com a família, uma vez que as possibilidades

de ter lazer voltado para si própria são escassas (HORNA, 1989; FREYSINGER, 1994;

Os resultados da pesquisa realizada com os proprietários de segunda residência em

Gravatá, não sinalizam para essa situação de insatisfação da mulher no lazer. O que se pode

perceber é que tanto o pai quanto a mãe participam do lazer dos filhos menores, uma vez que

sentem a necessidade de estarem mais presentes no cotidiano dos filhos porque trabalham

durante toda a semana e não acompanham, como gostariam, seu desenvolvimento.

Meu esposo mesmo brinca de pião, brinca de badoque, hoje em dia mesmo na cidade ninguém sabe o que é isso, as brincadeiras são o que, os game

station, aqueles jogos eletrônicos que [...] É só o que tem. Se vai no shopping, vai no Mcdonald [...] Mesmo aqui em Recife o lazer está sempre

na dependência do filho. Porque eu e ele já trabalha a semana inteira, né viaja muito, vai muito pra congresso agora mesmo eu e ele vamos viajar ( a trabalho ) então ficamos muito ausentes na vida dele, então a gente tenta suprir essa ausência no final de semana. Nunca a gente vai pensar em uma viagem de lazer se não for com ele, uma programação se não for com ele. Apesar de que a gente até peca um pouco porque fica muito centralizado na diversão dele e se esquece um pouco da gente. Nunca mais a gente parou para, estando aqui em Recife, ir num barzinho à noite, se vai pra algum restaurante a gente procura um lugar que tenha um parquinho, alguma coisa que ele goste pra suprir essa necessidade da ausência da gente (entrevistada n.4).

Pode-se destacar então que, de modo geral, o estar com os filhos no lazer em Gravatá é

uma atividade que dá prazer, não se tendo registro nas falas de alguma atividade que destaque

o “trabalho” que as crianças dão, ou que a atividade seja representada como um fardo, ou algo

semelhante. Ao contrário, esse espaço de sociabilidade, de contato com a natureza parece

permitir que a dimensão lúdica do lazer se mostre nas suas mais variadas formas, inclusive

entre os adultos que passam a brincar, jogar e se divertir com e como as crianças. Há nesse

lugar a possibilidade de se resgatar um pouco as brincadeiras que fazem parte da cultura

conhecem por causa dos avanços tecnológicos, dos brinquedos eletrônicos e da influência da

indústria cultural.

Embora para Dumazedier (op.cit., p.127) o lazer na família tenha se instalado no

momento em que aparelhos como a televisão se integraram ao mobiliário doméstico,

determinando “a mais importante revolução nas atividades domésticas e nas relações

intrafamiliares”, é importante ressaltar que a TV não ocupa um lugar significativo como meio

de divertimento para as crianças em Gravatá, com exceção dos dias de chuva em que não se

pode estar ao ar livre.

[...] eles não dão bola pra televisão - isso pra mim é uma coisa extraordinária, a televisão vive desligada; pelo contrário, gostam de escutar música. [...] em Recife os meninos vivem ligados na televisão, vivem ligados (entrevistada n.3).

Outro aspecto a ser destacado é o educativo. Como na natureza o novo sempre surge e

se renova com freqüência as crianças são chamadas a participar de atividades com as quais

não são familiarizadas tais como, remexer a terra, plantar, colher flores no jardim, conhecer a

natureza para gostando dela, preservá-la.

Por exemplo, quando meus filhos vão andando ali por dentro, naquelas áreas em que ainda não têm condomínio, então a gente vai vendo cabra, passarinhos, tudo o que é bicho. E vai vendo as plantas e eu vou dizendo o nome das plantas pra minha filha, pro meu filho [...] aí a gente vai andando. Anda de bicicleta, coisa que aqui é impossível de fazer. Então, eu tive a necessidade de levar meus filhos pra uma convivência que eu acho mais saudável, mais pura com as pessoas de uma índole boa do interior, que ainda não têm tanta coisa ruim na cabeça (entrevistada n.52).

A família, instituição social básica da sociedade, aparece nas entrevistas como sendo o