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CAPÍTULO 1: Do urbano ao rural: em busca de um estilo de vida

1.3. O meio urbano

1.3.1. O isolamento das pessoas nas cidades

A necessidade de viver em um mundo de estranhos traduz – se na adequação, cada vez

maior, a um modo de vida privado e à conseqüente perda paulatina da importância dos espaços

públicos, como as ruas e praças. O desenvolvimento dos meios técnicos e informacionais abre

espaço para que no ambiente privado da residência se possa “obter notícias do mundo,

conectar amigos e familiares” sem necessidade ou obrigação de ir buscar a informação no

Como o acesso aos diversos tipos de bens é bastante desigual na sociedade, gera-se

uma polarização e uma segregação cada vez mais intensa, inclusive na ocupação dos espaços.

[...] o aumento da diferença entre ricos e pobres e dos problemas sociais que advêm disso faz com que a diferenciação social na cidade contemporânea assuma contornos totalmente novos, com uma separação física e simbólica cada vez mais clara dos espaços ocupados pelas populações que podem ou não consumir (FONSECA, op.cit., p. 380).

Como diz Rolnik (2000), instala-se na sociedade em relação à cidade e ao espaço

público, uma espécie de agorafobia coletiva [...]. Permanece na rua apenas aquele grupo ao

qual só resta o espaço público como moradia, como trabalho, como refúgio de sobrevivência.

As pessoas estão assustadas, com medo do outro e por isso, cercam suas residências,

isolam-se em apartamentos e condomínios fechados, privam-se do exercício da convivência ao

restringirem os espaços e ocasiões de lazer. Dessa forma, a cidade deixa de cumprir uma das

principais funções que lhe foi atribuída pelo urbanismo moderno: propiciar o lazer aos que

nela vivem.

O trecho reproduzido a seguir de uma das entrevistas realizadas exprime bem o

sentimento que predomina em muitos habitantes da cidade.

Eu não tinha nada disso. Eu tava lá em Recife, com medo da violência [...], como eu disse a você, sem lazer e isso é péssimo. Não dá para ter lazer na cidade. Porque eu gosto muito de conversar. E para conversar tenho que sair e aí tem a violência. As minhas irmãs, uma mora em Olinda e a outra em Candeias. Assim para sair e voltar de madrugada, eu estava me restringindo enormemente. Durante o dia era impossível sair e à noite eu ficava receosa.Então eu ficava sem sair. E lá não. Vai uma das irmãs e fica comigo lá, uma prima, outra vez é uma amiga [...] vai fica lá, porque eu aumentei a casa justamente pra poder receber quem eu quero, no momento que eu quero, aí eu acho isso muito bom. Seu lazer hoje se resume a Gravatá? É, um pouco de cinema, teatro eu quase nunca vou porque é mais difícil se arranjar companhia, e cinema você vai sozinha, entra, assiste e tudo o mais. Um aniversário assim na família, uma coisa extraordinária como foi minha irmã fez sessenta anos outro dia, fez uma festa, mas a não ser isso, não.[...].

Quando eu era mais jovem, eu ia, saía de noite, não tava nem aí. Saía, ia pra casa de uma, de outra, ia pra festa, ia pra reunião, depois, comecei a ficar medrosa. Porque também, a violência aumentou bastante, não é? Porque se não fosse a violência [...]. Sair à noite e voltar dirigindo, eu nunca tive problema, mas acontece que com essa coisa da violência, a gente acaba ficando covarde (entrevistada n.3).

Por isso, refém da violência que campeia em muitas cidades brasileiras, o cidadão que

consegue ter uma certa estabilidade econômica procura se deslocar nos finais de semana em

direção a um espaço que lhe permita usufruir uma qualidade de vida que deseja incorporar ao

seu dia–a-dia. Esse é o caso de significativo número de pessoas que adquire uma segunda

residência em Gravatá, município situado no agreste pernambucano.

Segundo Lins (1993, p.204):

Foi em 1966 que teve início o processo de avanço social e econômico e crescimento imobiliário sem paralelos na História gravataense. Forasteiros ricos, interessados em lugar aprazível e tranqüilo, não muito distante do Recife, onde pudessem empregar dinheiro na construção de vilas de descanso, começaram a chegar.

É no contexto do crescimento econômico por que passa a sociedade brasileira a partir,

sobretudo, de meados da década de 1960, que se busca explicar as mudanças que começavam

a ocorrer em Gravatá. Veja-se a esse respeito o depoimento dado por um dos entrevistados

cujo imóvel, hoje reformado, faz parte das casas construídas pelo Governo para a população

mais carente.

Olha, a Vila da Cohab, ela foi criada, para atender justamente a população, digamos assim, de baixa renda. Mas aqui no Brasil sabe como são as coisas, não é? Esse povo não se conforma com e nem procura produzir e sai negociando as casas. Essa casa foi negociada já de terceiros. Já a encontrei reformada. Existem 20 ou 30 casas, se houver, que não foram reformadas. Todas as outras foram. Então, a população de Recife, classe média, adquiriu esses bens por lá. Meus vizinhos são amigos e tenho amigos em outras ruas (entrevistado n.19).

Para Bresser Pereira (1987), o governo de militares e tecnocratas que esteve no

comando do Brasil a partir de 1964, era um governo de classe média que vinha consciente ou

inconscientemente realizando uma política que beneficiava especialmente essa classe. O

Programa do Banco Nacional de Habitação foi um exemplo.

O condomínio na realidade tem um diferencial em relação aos demais de Gravatá. Os terrenos são muito grandes, as casas são separadas umas das outras, mas também tem uma dificuldade: não existe uma área de lazer comum, porque não foi feito exatamente para ser condomínio. É uma área da COHAB, chamada COHAB Nova, que é um conjunto diferenciado com chalés.[...] O atrativo na época era a facilidade de pagamento e também ser financiado pela Caixa. Era uma coisa bem acessível pra gente na época (1989) (entrevistado n.28).

O Plano Nacional de Habitação - formalmente estabelecido para a construção de casas

populares - transformou-se, na prática, em um meio de financiamento para casas de classe

média. Essa, tanto quanto a classe alta correspondiam, na época, a cerca de 30% da população

brasileira sendo consumidoras, sobretudo, de bens de luxo: automóveis, bens de consumo

duráveis e serviços – produzidos pelo setor moderno tecnologicamente de ponta.

A demanda por estes bens e serviços promove um desenvolvimento, ainda maior, das

grandes empresas capitalistas que por serem “altamente capital-intensivas e tecnologicamente

sofisticadas, aumentam sua procura de pessoal especializado e de pessoal administrativo [...].

Aumenta, assim, o emprego para a classe média, enquanto acentua-se a marginalização da

classe baixa” (PEREIRA, 1987, p.210).

A desigualdade social que se acentuara no Brasil confirmava-se em 1970, através do

censo. “Verificou-se então que, enquanto em 1960, os 5% mais ricos da população recebiam

37% da renda, em 1970 essa porcentagem havia subido para 45%” (PEREIRA, 1987, p.200-

também seus padrões de consumo, possibilitando –lhe a busca de uma melhor qualidade de

vida, como é o caso daquelas pessoas que procuraram Gravatá.

Portanto, desde a década de 1960 quando a violência ainda não era tão gritante nas

grandes cidades, as famílias buscavam um lugar mais tranqüilo para descanso e, para isso,

investiam na aquisição de uma segunda residência.