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CAPÍTULO 1: Do urbano ao rural: em busca de um estilo de vida

1.4. Segunda residência e estilo de vida

Segunda residência, ou residência secundária são vocábulos já consagrados pela

literatura específica do turismo. A idéia de residência secundária contrapõe-se à de residência

permanente, também denominada principal, normal ou primária. Sua ocupação se dá por

períodos mais ou menos prolongados em função do tempo livre, da disponibilidade financeira

e da distância do domicílio principal (Cf. TULIK, 1995).

É importante fazer aqui uma breve alusão à categoria classe social, uma vez que não se

pode pensar a posse de uma segunda residência sem que se associe, de imediato, o

pertencimento dos seus proprietários a uma classe socialcomum poder aquisitivo que permita

o acesso a esse bem e a um estilo de vida específico.

O primeiro sociólogo a formular uma teoria estabelecendo um elo entre lazer e

consumo foi o norueguês radicado nos Estados Unidos, Thorstein Veblen, em 1899, ao

demonstrar em A teoria da classe ociosa: um estudo econômico das instituições, 6 que o

consumo do ócio além de ser um símbolo de pertencimento a uma categoria social é, ao

6 A teoria da classe ociosa trata extensivamente de mecanismos não econômicos de distinção de classe [...]. Do

ponto de vista filosófico, Veblen investe contra o consumo conspícuo e o emprego improdutivo do tempo, dinheiro e esforço realizado com o propósito de distinguir as classes superiores do restante da sociedade. Esse comportamento conspícuo não tem o objetivo de trazer o bem-estar físico à classe ociosa, mas sim um papel meramente emulativo (isto é, exibicionista), cuja função é simbolizar a situação de classe dos indivíduos ociosos (Cf. MEDEIROS, M. 2003).

mesmo tempo, um sinal de afirmação pessoal em relação a outros, pelo consumo do

“conspícuo”.

São dessa espécie, por exemplo, [...] o conhecimento das línguas mortas e das ciências ocultas, da ortografia correta [...] das várias formas de música doméstica e de outras artes caseiras, dos últimos refinamentos do vestuário, da mobília e da equipagem, de jogos, esportes e animais de raça como cães e cavalos de corrida (VEBLEN, 1988, p.25).

Vale salientar que os hábitos de consumo da classe ociosa, não correspondiam aos

associados ao lazer dos dias de hoje, uma vez que não significavam, necessariamente,

diversão, prazer, descanso, curtição. Correspondiam a um estilo de vida ostentatório, que

reforçava a distinção social, idéia presente também nos estudos de Pierre Bourdieu ( 1983 ).

Erick Olin Wright (apud SANTOS, 2002, p.29) “considera que a análise de classes não

pressupõe obrigatoriamente o reconhecimento da primazia de classe como um princípio

explicativo generalizado, mas reafirma a idéia de que a classe persiste como um determinante

significativo e, às vezes, poderoso, de muitos aspectos da vida social”.

É mister ressaltar que, embora reconhecendo a importância que a noção de classe

social tem na tradição sociológica vinculada às obras de Marx e Weber enquanto conceito-

chave na compreensão da sociedade moderna, o tema não apresenta um caráter de centralidade

neste trabalho7. Na realidade, tal conceito tem cunho instrumental, sendo utilizado como

ferramenta que permite identificar as pessoas e suas práticas no espaço social. Este espaço se

estende como uma rede constituída pelas relações entre as diferentes posições que os agentes

7 De acordo com Wacquant (1998), Bourdieu também elabora uma teoria de classe que une a insistência

marxiana na determinação econômica com o reconhecimento da distinção de ordem cultural weberiana e o interesse de Durkheim pela classificação.

ocupam na distribuição ou posse diferencial de certos bens que dão poder no mundo social dos

agentes. A idéia de espaço social é que dá conta do caráter estrutural do todo.

Como disse Bourdieu (2004, p.67) :

Eu quis romper com a representação realista de classe como grupo bem delimitado, existente na realidade como realidade compacta, bem recortada [...] meu trabalho consistiu em dizer que as pessoas estão situadas num espaço social, que elas não estão num lugar qualquer, [...] e que, em função da posição que elas ocupam nesse espaço muito complexo, pode-se compreender a lógica de suas práticas e determinar, entre outras coisas, como elas vão classificar e se classificar, e, se for o caso, se pensar como membros de uma ‘classe’.

A partir dessa citação, pinçada da vasta obra de Bourdieu, pode-se ressaltar a

necessidade de entender a prática dos agentes a partir da posição que ocupam no espaço social.

É preciso entender também que tal espaço é cada vez mais complexo e diversificado nas

sociedades, como conseqüência, inclusive, dos diferentes graus de desenvolvimento que cada

uma delas consegue atingir.

Um estudo sobre as residências secundárias, publicado em 2002, relata que em 1990

havia dois milhões, quatrocentos e quatorze mil residências secundárias na França que

representavam mais de 10% do total de alojamentos (Cf. PERROT; LA SOUDIÈRE, 2002).

Os autores destacam que o caso francês é “quase único na Europa” tendo sofrido grande

influência do desenvolvimento dos meios de transporte, sobretudo do trem de grande

velocidade (TGV), que permite o aparecimento de novas mobilidades. Outro dado que chama

a atenção refere-se ao fato de que 19% das residências secundárias pertencem a trabalhadores

e se localizam, sobretudo, no campo.

Diferentemente dos dados apresentados acima o presente estudo realizado em Gravatá,

na França, no que se refere ao acesso a esse tipo de bem, fato que poderá ser constatado mais

adiante na composição da amostra que está estruturada no capítulo 4.

Isso porque, o processo de desenvolvimento brasileiro foi, e continua sendo

excludente, embora permita uma ascensão social moderada de pequena parcela da população.

Conforme se pode observar, o processo de mudanças que fez com que a população

brasileira se transformasse em predominantemente urbana, num espaço de tempo

relativamente curto, trouxe profundas modificações nos modos de vida e nos valores que os

orientam. A ocupação desordenada do solo produziu cidades não planejadas que se espraiaram

pelas mais diferentes áreas, principalmente naquelas onde havia alguma possibilidade de tirar

o sustento da família. A conseqüência mais visível, no decorrer dos anos, dessa forma de

ocupação do solo é a degradação do meio ambiente e das condições de vida nas cidades.

A violência torna-se, doravante, companheira indesejável da população de todos os

níveis sociais. O que a distingue, nesse caso, são as formas de se proteger desse tormento. As

pessoas de classe média e alta, por exemplo, buscam a segurança a todo custo, cercam os

locais de moradia com altos muros, contratam milícias privadas. Nem sempre se consegue o

resultado desejado.

O medo, aliado ao estresse decorrente de todas as tensões da vida cotidiana, inclusive

do trabalho, impede que muitos cidadãos freqüentem com tranqüilidade os espaços públicos,

lugares propícios ao desenvolvimento da sociabilidade, sobretudo nos momentos de lazer. Daí

a busca de alternativas, como o espaço de segunda residência, neste estudo configurado como