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4 NO INTERIOR DAS ESCOLAS: O COTIDIANO DOS MUSEUS ENTRE

4.2 O MUSEU NA PRÁTICA E A PRÁTICA NO MUSEU

4.2.1 O que faria parte dos museus e para quê

Tendo estas questões em mente, buscou-se compreender o lugar ocupado pelo museu no currículo escolar, ou seja, a que disciplinas ele esteve vinculado; para tanto, fez-se um recorte de passagens que indicam a sugestão de coisas e/ou objetos que poderiam compor os acervos e sua função. Em certa medida, tal processo mostrou algumas limitações ao dar informações genéricas, tais como: “falou-nos o prof. encarregado que devíamos cooperar trazendo insetos, pedras, em fim qualquer novidade” (GE José Bonifácio, Blumenau) (ARQUIVO..., 1950b, p. 112, grifo meu).

Ou ainda, diversas coisas que interessem ao museu, como “objetos de significação” (Escola Mista Estadual de Pedra Branca, Bom Retiro) (ARQUIVO..., 1949a, p. 26-28), “enfim tudo que serve para o museu escolar” (Escola Mista Municipal de Linha Ferreira Pontes, Urussanga) (ARQUIVO..., 1949a, p. 386), ou, ainda, “não só pedras e sim animais e outras cousas interessantes” (GE Carlos Gomes, Imaruí) (ARQUIVO..., 1949a, p. 114). Respostas como estas indicam de algum modo que o conhecimento do que deveria compor o museu é implícito, consensual e compartilhado, seja entre professora e alunos, seja entre os sujeitos escolares em geral.

Se, num primeiro momento, esse tipo de registro sintético pareça omissão de informação, obscurecimento de um princípio que não estava claro no momento, ou seja, nem os professores sabiam ao certo o que era e o que fazer com um museu, por outro lado, Bucaille e Pesez (1989) sinalizam que aquilo que faz parte do cotidiano e que é de conhecimento geral, poucas vezes é escrito, afinal, lhes é familiar. Neste sentido, questionam: “E o que há de mais familiar, conhecido e cotidiano que a cultura material dos objetos, dos gestos, dos hábitos de todos os dias?” (BUCAILLE; PESEZ, 1989, p. 18).

Outros museus fornecem exemplos do que os alunos poderiam arrecadar, como “objetos velhos, bichos, conchas, etc.” (GE José Bonifácio, Blumenau) (ARQUIVO..., 1949a, p. 20); ou “objetos antigos e raros” (GE Castro Alves, Araranguá) (ARQUIVO..., 1946a, p.

69). São esses os únicos casos em que se mencionam objetos velhos como componentes deste tipo de museu.

Se estas passagens não auxiliam muito a entender a que este espaço se destinaria, outras são mais evidentes. Boa parte dos museus menciona os três reinos da natureza como parâmetro da recolha de objetos, bem como de sua classificação. Há ainda documentos que replicam o discurso autorizado do estado, constante em documentos normativos, tal como já foi visto no conteúdo das reuniões pedagógicas (cf. capítulo 3, item 3.2). Este é o caso do GE Roberto Trompowsky, de Joaçaba. Na primeira reunião do ano:

a professora orientadora expôs a finalidade do museu escolar, explicando que tudo

quanto fosse capaz de oferecer motivo para estudo deverá fazer parte do museu.

Assim, por exemplo: selos, dinheiros, insetos, borboletas, aves empalhadas, minerais, produtos agrícolas e industriais, etc. (ARQUIVO..., 1950b, p. 77, grifo meu).

O grifo reproduz textualmente parte do mencionado no Decreto nº 2.991 (citado na página 133 da dissertação, item 3.3). Este excerto será reproduzido ainda em atas de outros museus.

Em 1949, em reunião do museu do GE Teresa Ramos de Jaraguá do Sul, a diretora repete as orientações do referido decreto, sem, contudo, citá-lo nominalmente. Entre as orientações estão:

[o museu] tem a finalidade de preparar ambiente para estudo e observação da vida histórica, da fauna, flora e das riquezas de uma determinada zona [...] não é só isto que faz parte de um museu, mais sim tudo quanto possa oferecer motivo para o estudo [...] disse-nos ainda que poderíamos conseguir estas coleções por meio de correspondências com nossas colegas de outros estabelecimentos propondo-lhes a troca de espécimes exdenticos por outro que lhe faltam (ARQUIVO..., 1949c, p. 74).

A vinculação a uma disciplina específica ocorre por parte da Escola Mista Estadual Desdobrada da Estrada do sul, km 10, Joinville, cuja documentação aponta que “todos os objetos nos ajudam no ensino das aulas de ciências, tornando-as concretas” (ARQUIVO..., 1945b, p. 104, grifo meu). O museu tem por fim ainda possibilitar a criança “observar e conhecer as riquezas de sua Pátria e tudo quanto a natureza produz” (Escola Mista Municipal Cometa, Joinville) (ARQUIVO..., 1951, p. 214).

Ele ainda é considerado “uma interessante instituição, puramente educativa e um poderoso auxiliar no ensino de historia natural” (Escola Estadual de Batêas de Cima, Campo Alegre) (ARQUIVO..., 1946c, p. 406-407). Ao contrário do que se esperava, a correlação direta com a história natural pouco apareceu, como será visto mais adiante.

Em relação à dimensão educativa mais ampla, encontrou-se o seguinte registro: o museu “é uma instituição que certas vezes serve para explicação de certas cousas naturais, homens de idade chegam [a] ver cousas que nunca tinham visto” (Escola Estadual Mista de Rio Cachorrinhos, Orleans) (ARQUIVO..., 1946a, p. 186). Esta passagem evidencia uma dimensão sensorial e perceptiva à qual o museu se prestaria, que é a de sensibilização até mesmo dos adultos que frequentavam a escola, mostrando-lhes aspectos aos quais ainda não haviam prestado atenção.

A fim de estabelecer um paralelo entre as pretensas funções de um museu escolar e dos demais tipos de museus, selecionou-se a reflexão de Meneses (2011) acerca dos museus históricos. No entendimento do autor, o objetivo destes não é ensinar história, tal qual um manual. Sua função está em “mostrar a historicidade das coisas [...] ensinar a historicidade do mundo material em que estamos mergulhados” (MENESES, 2011, p. 418). Nessa perspectiva, as séries de artefatos não servem para dizer “olha, os artefatos de cozinha conhecidos eram esses e esses”; os artefatos são o “ponto de partida para você trabalhar problemas históricos” (MENESES, 2011, p. 418). Portanto, para o autor, um museu de história deve ser um museu de problemas e não de coisas históricas.

Corre-se o risco de cometer um anacronismo fazendo um comparativo entre essa concepção contemporânea de museu, e a proposta de museu escolar do século XX. Ainda assim, a partir dessa aproximação, pode-se afirmar que o intuito dos museus escolares se distancia dos demais justamente porque pretende utilizar os objetos para estudo. Esta é sua função: possibilitar o conhecimento das ciências, da região onde a escola está inserida, ou o que quer que seja, numa perspectiva de museu laboratório (próximo dos museus de história natural do século XIX; cf. item 1.2).

Portanto, o que distingue o museu escolar dos outros tipos de museu é justamente a função educativa direta; afinal, os objetos são utilizados para e como estudo, podendo, inclusive, se degradar e ser substituídos. Todavia, o posicionamento de Meneses (2011) não é consensual, nem garante que seja a realidade dos museus; afinal, muitos museus de arte e de história acabam pretendendo ensinar arte e história, bem como inúmeros museus escolares acabaram não ensinando conteúdos escolares diretamente.