• Nenhum resultado encontrado

A história dos museus no Brasil teve início com os de história natural. Este foi o modelo seguido durante o século XIX, com o qual outras disciplinas estiveram enredadas, como a antropologia e a história. O museu histórico, por sua vez, tornou-se uma categoria distinta no Brasil apenas na década de 1920 (MENESES, 2005, p. 22). Sendo assim, o museu de história natural deu origem aos que se encarregariam de “[...] musealizar e institucionalizar a História oficial do país”, como o Museu Histórico Nacional (RJ) e o Museu Paulista (SP) (LOPES, 2009, p. 328). Nos museus de história natural, explicitar os princípios de organização das coleções e exposições era norma:

Mais ainda, é no museu de História Natural oitocentista que se encontra, como se disse, a articulação mais íntima e fecunda entre museus e produção de conhecimento. Na realidade, é o único modelo (com seu derivado antropológico) que funcionou plenamente como instrumento institucional da contribuição museológica à atividade científica (MENESES, 2005, p. 33).

O Museu Nacional do Rio de Janeiro é tomado como o exemplo mais ajustado a esse modelo no Brasil. A primeira fase da trajetória dos museus no território nacional se estende do final do século XVIII – com a Casa dos Pássaros e, depois, em 1818, com o Museu Nacional31 –, até os anos 1860, período em que as duas instituições atuaram quase que sozinhas. A segunda fase tem início no final de 1860 e se estende até o começo do século XX,

31 A Casa dos Pássaros, nome popular da Casa de História Natural, foi criada em 1784. Em 1818, foi criado o Museu Real, que incorporou a coleção mineralógica da antiga casa (LOPES, 2009, p. 25/27). Com a Independência, em 1822, seu nome mudou para Museu Imperial, sendo chamado de Museu Nacional a partir do período republicano, iniciado em 1889.

com os novos museus organizados nas províncias, reunindo coleções de ciências naturais, inclusive históricas e artísticas (LOPES, 2009, p. 323).

A Casa dos Pássaros estava inserida no contexto da dinamização da atividade científica em Portugal, compondo o projeto de funcionamento dos museus portugueses. Enquanto ela foi um “entreposto colonial”, servindo à metrópole, o Museu Nacional foi “um Museu Metropolitano de caráter enciclopédico e universal”, não podendo ser visto como uma continuidade natural do primeiro (LOPES, 2009, p. 324).

A Casa dos Pássaros “[...] por mais de vinte anos colecionou, armazenou e preparou produtos naturais e adornos indígenas para enviar a Lisboa” (LOPES, 2009, p. 25-26).

Nesse período era costume dos Vice-Reis o envio de “objetos” da natureza do Brasil para a metrópole a fim de divulgar e tornar conhecido o que existia na terra, expor o exótico, apresentar à corte de Lisboa as belezas e riquezas naturais da colônia. Eram enviados exemplares de animais, plantas, minerais e adornos indígenas, coletados no Brasil por viajantes e colonizadores (SILY, 2008, p. 2).

Até meados do século XIX, predominou aqui o modelo dos museus portugueses e europeus, vistos como “escolas demonstrativas da natureza” (LOPES, 2009, p. 324). Já na segunda fase, principalmente a partir de 1890, rompeu-se com esse modelo de museu geral, enciclopédico, preferindo-se os especializados das províncias (LOPES, 2009, p. 324-325).

Cada um, a seu modo, contribuiu com a institucionalização das ciências naturais no País. O Museu Nacional, por exemplo, funcionou “[...] como órgão consultor governamental para assuntos de Geologia, mineração e recursos naturais” (LOPES, 2009, p. 327). Ao lado da prestação de serviço, por meio de análises químicas, especialmente do carvão mineral, esses museus ocupavam-se de estudos paleontológicos, além da implantação de outras disciplinas, como a antropologia, pelo estudo dos crânios da “raça” brasileira (LOPES, 2009, p. 327-328). As coleções do museu passaram por várias mudanças em conformidade com os princípios dos diretores, sendo muitas vezes reorganizadas. O catálogo mais completo e antigo do museu, de 1838, informa que os objetos obedeciam à seguinte divisão: produtos zoológicos, botânicos, orictognósticos, produtos das belas-artes, e objetos relativos às artes, usos e costumes de diversos povos (LOPES, 2009, p. 68).

Tornou-se preocupação constante dos museus divulgar pesquisas por meio de revistas científicas, do mesmo modo que já era uma preocupação a educação em ciências naturais. Tal empreendimento ocorria com a oferta de cursos e conferências, além do empréstimo de coleções para estudo. O acervo do Museu Nacional fora utilizado pelos alunos da Escola Militar do RJ, pela Faculdade de Medicina, pelas Escolas Normais da Sociedade Auxiliadora

da Indústria Nacional e pelo Colégio Pedro II. Não apenas o acervo foi compartilhado, como também professores (funcionários), salas, laboratórios, coleções e instrumentos (LOPES, 2009, p. 329).

O uso dos acervos do museu pelas instituições de ensino indica, de algum modo, uma adaptação à falta de estrutura própria. Se na reforma da Universidade de Coimbra (1772) a Faculdade de Filosofia e História Natural ganhou um gabinete de física, um laboratório de química, um museu de história natural e um jardim botânico (para uso comum com a Faculdade de Medicina), a fim de observar e fazer demonstrações a partir dos três reinos da natureza (LOPES, 2009, p. 31), essa não foi a realidade vivida pela maioria das instituições de ensino existentes no Brasil no século seguinte.

O museu de história natural e o jardim botânico da universidade ficaram a cargo de Domingos Vandelli, cuja coleção particular deu início ao acervo. As coleções eram compostas por minerais e plantas enviados de Portugal, do Brasil, da Ásia e da África (LOPES, 2009, p. 32). A Academia Real de Ciências, de Lisboa, também possuía um gabinete de história natural, que funcionava como apoio às atividades pedagógicas. “Essas primeiras coleções, caracterizam, para o caso português, a transição de gabinetes a museus que se verifica no século XVIII, por toda a Europa” (LOPES, 2009, p. 34).

Com a transferência da Corte para o Rio de Janeiro, ampliaram-se as instituições ligadas ao projeto modernizador, tal como a Biblioteca Nacional e o Museu Real. No projeto de criação de uma Academia Real do Rio de Janeiro, o museu já estaria garantido, pois, D. João VI mandou organizá-lo a partir de coisas vindas de Lisboa, relacionadas a física e história natural (LOPES, 2009, p. 39). Meses antes da criação do Museu Real, foi criado, na Academia Militar, um gabinete dos produtos da mineralogia e história natural, destinando-se a organizar materiais para as aulas (LOPES, 2009, p. 29).

Por um longo tempo, desde 1830, o Museu Nacional travou debates sobre a criação de cursos superiores de ciências naturais no País. Essa tentativa foi abandonada no final do século XIX, priorizando as atividades de pesquisa. Contudo, seu espaço foi um dos mais importantes na formação prática de naturalistas. Na reforma efetuada em 1911, o regulamento do Museu Nacional previa a criação de um museu escolar. Uma aproximação maior da escolarização ocorrerá com o regulamento de 1916, tendo esse museu passado a funcionar como serviço de atendimento às escolas em nível nacional, serviço que daria origem, na década de 1930, ao educativo (LOPES, 2009, p. 229-231).

Em síntese, a principal característica deste museu e dos outros que foram sendo criados no Brasil no século XIX era a vinculação com a pesquisa. Os museus brasileiros, mesmo com suas dificuldades:

[...] desempenharam especificamente suas funções de centros de pesquisa, não se restringindo apenas a atuarem como repositórios de objetos, mas buscando firmarem-se pela relevância de sua produção científica e de sua pesquisa experimental, ao lado das funções de catalogação e classificação das coleções (LOPES, 2009, p. 335).

Sua prática científica aos poucos foi perdendo espaço para os laboratórios. Do período de 1892 às primeiras décadas do século XX, o Museu Nacional perde a sua hegemonia científica, ao disputar com novas instituições, como o Museu Paraense Emílio Goeldi e o Museu Paulista. Esse período é também o do fim da era dos museus, deslocando-se “[...] para os laboratórios a prioridade dos estudos experimentais” (LOPES, 2009, p. 24).

Criados na Europa nos séculos XVII e XVIII e espalhados pelo mundo no século XIX, os museus de história natural foram responsáveis pela mobilização que forjou as ciências naturais, entusiasmados pela classificação e pelo conhecimento enciclopédico (LOPES, 2009, p. 14). A tese defendida por Lopes (2009) é de que antes do século XX existia produção científica no Brasil, ao contrário do que parte da literatura afirma, estando essa produção localizada nos museus de história natural.

“Reunir coleções foi a razão de ser dos museus, uma vez que estas materializavam os próprios objetivos centrais da História Natural da época: mobilizar o mundo, classificá-lo e ordená-lo, nos espaços institucionais especialmente concebidos para tal fim, os museus” (LOPES, 2009, p. 22).

O problema da cessão de espaço, de laboratórios, coleções, instrumentos e mesmo pesquisadores para ministrar aulas em instituições de ensino superior, militares, científicas e culturais, de algum modo foi resolvido com a criação de gabinetes, museus de história natural ou escolares dentro das instituições de ensino. Mas, se os museus escolares podem ser considerados uma invenção genuína dos pedagogos e da escola (FELGUEIRAS, 2011, p. 83), sua inspiração parece ter vindo dos de história natural, a começar pelo princípio de classificação decorrente dos reinos da natureza. Tanto é que haverá um esforço por parte dos intelectuais da educação em expandir sua ação, tentando, de certo modo, retirar-lhes a aura das ciências naturais, tornando-os um objeto didático a serviço de todas as disciplinas escolares (cf. capítulo 2).

Para Vidal (2012), o campo pedagógico e etnográfico estavam muito próximos no século XIX, considerando que, para a nova inteligibilidade que desenhava a ciência, decifrar a natureza permitiria decifrar também o humano. O método intuitivo32 não se distanciava dessa vertente, pois “o conhecimento da natureza e as lições de coisas preparavam o escolar para uma concepção evolucionista da ciência e do homem” (VIDAL, 2012, p. 203).

Embora possamos considerar que os museus escolares estejam muito próximos aos de história natural no quesito composição material e organização das coleções, bem como se relacionavam ao método intuitivo, possibilitando a aprendizagem por meio dos objetos, o impulso de sua criação e disseminação parece ter-se dado em decorrência dos pedagógicos e, em alguns casos, concomitantemente a eles. Afinal o que teriam sido os museus pedagógicos criados em meio à efervescência das ciências no século XIX?

1.3 DAS EXPOSIÇÕES UNIVERSAIS À INSTITUCIONALIZAÇÃO DE MUSEUS