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2.4 Teoria cíclica da autorregulação

2.4.1 Fase prévia

A fase prévia ou de planejamento refere-se ao momento de análise da tarefa e abarca ações anteriores a sua realização, de forma a ter um melhor desempenho e resume-se de forma esquemática na figura abaixo:

Figura 3 - Fase de planejamento

Elaborado pelo autor.

Essa fase caracteriza-se a partir de duas categorias: (1) estabelecimento de objetivos e (2) planejamento estratégico. A forma como o aluno executa essas ações sofre influência de suas crenças automotivacionais (ZIMMERMAN e KITSANTAS, 2005).

O estabelecimento de objetivos relaciona-se com os resultados que o estudante espera obter. Segundo Zimmerman (2008), objetivos estabelecidos por eles mesmos os ajuda na escolha e a atenção às tarefas relevantes para a execução da atividade, os motiva a produzirem maiores esforços para a aprendizagem, ajuda em uma maior persistência ao longo do tempo além de influenciar o aprendizado dos alunos indiretamente por meio do aumento do estímulo e de outras reações afetivas, como a autossatisfação ou menor sentimento de defesa.

Os sistemas de objetivos de indivíduos altamente autorregulados são organizados hierarquicamente, de modo que os objetivos do processo operem como reguladores proximais para os resultados de objetivos mais distantes. Esses subjetivos não são pontos de verificação meramente mecânicos no caminho para atingir resultados altamente valorizados; em vez disso, eles são

investidos de significado pessoal porque eles transmitem evidências de progresso (ZIMMERMAN, 2005, p. 17)21.

O aluno altamente autorregulado, ao analisar a tarefa, a subdivide em tarefas menores, como etapas a serem executadas para se chegar ao final do objetivo. Pode-se, a título de exemplificação, imaginar um aluno de espanhol que estabelece como objetivo realizar uma tarefa proposta por seu professor dentro do prazo de uma hora de estudo. A tarefa consiste em escrever uma redação que este aluno relate um acontecimento que ele considere importante em sua infância.

Um aluno autorregulado poderia, antes de escrever a redação, pensar nas partes que a compõem, selecionar as lembranças as quais deseja incluir no texto e pensar na forma em que devem ser apresentadas. Sendo essas ações criadas pelo próprio aluno, sua realização de maneira satisfatória o motiva a seguir na execução da tarefa.

Mas, se por um lado, o estabelecimento do objetivo por parte do aluno é importante por trazer para si a responsabilidade do alcance de uma aprendizagem que para ele tem significado, por outro lado, é importante que ele conheça suas próprias limitações: ao falhar no alcance de objetivos muito ambiciosos, os alunos podem ter autorreações diversas, como a conclusão de que são insuficientemente capazes de realizar aquela atividade, o que pode ser devastador para a motivação acadêmica (ZIMMERMAN, 2008).

O planejamento estratégico refere-se às escolhas de trabalho ou construção de métodos de aprendizagem apropriados para a realização da tarefa. Isso inclui ações que vão desde a configuração ambiental. Então, o estudante do exemplo acima, para alcançar o objetivo estabelecido, deve planejar as etapas a serem cumpridas para a elaboração de sua narrativa, organização textual, em aspectos gramaticais etc. Além disso, precisa escolher um local adequado e sem distrações para seu estudo.

O planejamento estratégico evidencia o protagonismo do aluno em relação a sua aprendizagem, uma vez que seu êxito depende fundamentalmente de sua capacidade de analisar as variáveis que impactam sua forma de aprender:

o planejamento e a seleção de estratégias requerem ajustes cíclicos por causa de flutuações nos componentes pessoais, comportamentais e ambientais. Nenhuma estratégia de autorregulação funcionará igualmente bem para todas as pessoas e poucas estratégias, se houver, funcionarão de maneira ideal para uma pessoa em todas as tarefas ou ocasiões. À medida que uma habilidade se desenvolve, a eficácia de uma estratégia de aquisição geralmente diminui a ponto de outra estratégia torna-se necessária [...]. Assim, como resultado de

condições intrapessoais, interpessoais e contextuais diversas e variáveis, indivíduos autorregulados devem ajustar continuamente seus objetivos e escolha de estratégias (ZIMMERMAN, 2005, p. 17)22.

É interessante também pensar que o estabelecimento de objetivos é, geralmente, uma ação fortemente trabalhada no aspecto didático da formação do professor. Trata-se de um dos principais elementos de qualquer plano de aula. O estímulo para o estabelecimento de objetivos pelo próprio aluno, entretanto, não se percebe tão presente na aprendizagem de línguas.

Como uma possível razão, pode-se atribuir ao espaço de protagonismo que muitas vezes o professor ainda ocupa em sala de aula. Nesse caso, um esforço na promoção da autorregulação pode auxiliar na mudança dessa perspectiva. Outra questão importante, destacada por Panadero e Alonso-Tapia (2014) é a importância de o professor deixar claros os critérios de avaliação da tarefa, pois estes são orientadores para o planejamento estratégico dos aprendizes.

O estabelecimento de objetivos que o auxiliem no progresso de seu aprendizado dependerá, de acordo com essa teoria (ZIMMERMAN e MOYLAN 2009), de alguns fatores chaves relacionados a crenças automotivacionais. A motivação é essencial no aprendizado de línguas e está relacionada a variáveis individuais, podendo tanto afetar quanto ser afetada pela aprendizagem (ELLIS, 1999). Em se tratando da automotivação do professor em formação, fatores como a identificação que este tem com o espanhol ou uma referência de profissional são exemplos de fatores intrínsecos e extrínsecos que interferem na automotivação.

As crenças automotivacionais citadas por Zimmerman e Moylan (2009) revelam-se por meio da percepção de autoeficácia, da expectativa sobre os resultados, de seu interesse intrínseco, ou seja, a partir de um prazer pessoal, e orientação de objetivo. As crenças sobre a autoeficácia referem-se às percepções pessoais e contextualizadas sobre suas competências para organizar e executar suas atividades (ZIMMERMAN, 2005).

A respeito das crenças sobre autoeficácia, Pintrich (1995, p. 10) alerta que essas

não devem ser confundidas com autoestima geral e global ou crenças de valor próprio (por exemplo, o pensamento que alguém é "uma boa pessoa" refere- se à autoestima e não à autoeficácia). As crenças de autoeficácia são muito específicas para tarefas e domínios e incluem julgamentos dos alunos sobre suas capacidades para realizar uma tarefa23.

Assim, se o aluno não acredita em sua capacidade de cumprir um objetivo, a tendência é de que mobilize menos esforços em sua execução, além de usar estratégias de evitação daquela atividade.

A procrastinação da execução das atividades discentes é, inclusive bastante comum no meio acadêmico e ao mesmo tempo pouco compreendida. Pode ter origem em diversos fatores, tais como superestimação ou subestimação do tempo para executar um trabalho, ou ainda, confiança na necessidade de harmonia emocional para ter sucesso em uma tarefa (DEMBO e EATON, 1997). Sampaio, Polydoro e Rosário (2012) realizaram um estudo sobre a relação entre a procrastinação acadêmica e a autorregulação de universitários cujos resultados apontam falhas no monitoramento ou na regulação de fatores pessoais, tais como: cognição, motivação, comportamento e aspectos do ambiente24.

Por outro lado, o aluno que adota um processo de hierarquização de micro-objetivos na execução da tarefa experimenta uma sensação maior de autoeficácia devido ao sucesso progressivo de suas metas (ZIMMERMAN, 2005).

A expectativa sobre os resultados refere-se às crenças dos alunos sobre as consequências finais do alcance de um objetivo, como por exemplo, o reconhecimento social. Está intimamente ligada ao conceito anterior e expressa sua crença sobre o sucesso na atividade. Por exemplo, o aluno de espanhol pode sentir-se capaz de escrever a redação, tendo uma alta percepção de sua eficácia, mas ter uma baixa expectativa sobre o resultado de seus esforços, por estar com pouco tempo para execução da tarefa ou por outra razão qualquer. Tal exemplo demonstra a relação intrínseca entre esses elementos e a análise da tarefa.

O interesse pela tarefa ou valor trata da importância que o aluno dá à tarefa ou o significado pessoal daquela atividade. Nas palavras de Zimmerman e Moylan (2009, p.301), “refere-se a alguém gostar ou não gostar de uma tarefa por suas propriedades inerentes mais do que por suas qualidades instrumentais no ganho de outros resultados”25.

De acordo com Schunk e Ertmer (2012, p. 635)26, “o valor percebido ou as crenças dos alunos sobre os incentivos ou propósitos da aprendizagem afetam o comportamento, porque os aprendizes demonstram pouco interesse em atividades que eles não valorizam”. Zimmerman (2008) associa a expectativa de resultados ao comprometimento com as metas estabelecidas. Alunos proativos relatam altas expectativas em relação aos resultados de sua aprendizagem.

24 O estudo em questão não é taxativo em dizer que a procrastinação é causada apenas por alguma falha no processo

Em um contexto macro da formação de professores de espanhol do IFB, a questão profissional, em tempos de redução das expectativas quanto à oportunidade de trabalho, dada a revogação da Lei 11.161, também pode aparecer como fator de influência.

No contexto do ensino superior, em que a demanda discente é alta, com tantas disciplinas a serem “superadas” em um espaço curto de tempo, os licenciandos tendem a selecionar atividades que parecem mais prazerosas ou atividades mais urgentes de acordo com fatores como tempo disponível para a execução da tarefa e crença sobre sua autoeficácia. Dessa forma, o interesse extrínseco, representado pela obtenção de notas em detrimento do aprendizado, tende a se sobressair.

Pela ótica da formação profissional, isso pode representar um problema, uma vez que a seleção das atividades por tais critérios pode prejudicá-los futuramente quando vierem a precisar daqueles conhecimentos para sua prática profissional. Ver-se menos como aluno e mais como professor em formação pode ajudá-los a despertar a consciência da importância de cada tarefa proposta, evidenciando assim o valor intrínseco da aprendizagem.

Por esse motivo, Panadero e Alonso-Tapia (2014) reforçam a recomendação de o professor ajudar o aluno na percepção da utilidade daquela atividade. Nas classes de espanhol, os livros didáticos que trabalham com abordagem comunicativa, nesse sentido, podem auxiliar nessa tarefa, uma vez que geralmente trazem no início de seus capítulos os objetivos funcionais daquela seção. Cabe ao professor fazer uma reflexão sobre a forma aplicar aquele conteúdo de forma que a resultar útil ao aluno.

Além disso, aqui cabe ressaltar também a motivação do dicente quanto ao seu ingresso na licenciatura. Não é incomum encontrar discentes que afirmam não ter interesse na carreira docente, tendo como objetivo apenas a diplomação do ensino superior. Tal possibilidade pode ser fator influenciador na importância dada às tarefas propostas por seus professores.

Por fim, tem-se como variável influenciadora a orientação de objetivos, que está relacionada às razões para aprender. Envolvem suas crenças ou sentimentos sobre o propósito de um aprendizado. Ou seja, a avaliação do processo de aprendizagem passa pelos seus próprios méritos: o aprender pelo aprender (ZIMMERMAN e MOYLAN, 2009; ZIMMERMAN, 2002). Essa variável envolve as crenças do aluno acerca da finalidade da aprendizagem, bem como do desempenho.

A composição de cada uma das variáveis mencionadas, em maior ou menor grau, forma o conjunto de elementos que estabelece de que forma o aluno encara a tarefa a ser executada. Segundo Gomes e Boruchovitch (2019, p. 26):

os estudantes proativos concentram-se em definir objetivos específicos, proximais, desafiadores para si próprio e planejam mais eficazmente as estratégias cognitivas; são motivados por maiores crenças de autoeficácia, expectativas de resultado e objetivos de aprendizagem de maestria.

A partir da contribuição das autoras acima citadas, cabe destacar dois aspectos do papel do professor e do aluno. O primeiro, que o estabelecimento dos objetivos proximais e desafiadores ressaltam a importância de um aprendizado, dentro do possível, individualizado e com foco na responsabilização do aluno. Por consequência, há necessidade de o professor conhecer seus alunos para que possa mediar esse processo de responsabilização do protagonismo discente, a partir da consciência das individualidades de cada aluno.