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CAPÍTULO VII DIREITO À PROVA

9.3 Fatos confessados

Os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária que não se submetem à prova são aqueles exteriorizados pelo confitente em ação positiva, portanto em manifestação de vontade querida, que estiver devidamente registrada nos autos do processo, cuja declaração contraria a sua versão e aproveita (é favorável) ao adversário. É o que na doutrina denomina-se confissão real. Os fatos presumidos pela inatividade ou pelo silêncio do confitente - inerentes a confissão presumida - não estão albergados pela regra inscrita no inciso II do art. 334 do CPC, portanto não entram no rol dos fatos isentos de prova.

Embora conste no art. 348 do CPC que há confissão, quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário , fato é que o vocábulo admite , contido no dispositivo de lei transcrito, dever ser interpretado como a liberta e consciente manifestação de vontade , do real querer, e não mera aceitação da ocorrência de um ou diversos fatos. Na confissão real, para que sejam dispensadas outras provas (posto que a confissão já é meio de prova74)

há sempre a necessidade da presença do querer do confitente em dizer algo que lhe prejudica e, ao mesmo tempo, favorece seu adversário. Esse atributo, exigido para configuração da confissão real, pode ser materializado no processo por vontade livre do confitente tanto longe do processo como neste, sem que ninguém lhe pergunte algo, ou mediante provocação do juiz em atuação oficiosa, ao interrogá-lo, ou na tomada de seu depoimento a pedido da parte adversária. A forma pela qual a confissão é introduzida no mundo do processo em regra não tem relevância (é claro que tem relevância o momento processual de sua chegada aos autos do processo, se o for após a prolação da sentença não influirá no julgamento,

74 Em sentido contrário é a posição do professor João Batista Lopes, para quem ...a confissão não é meio de

prova, justamente porque torna desnecessária a produção de prova . A prova no direito processual civil. 2ª ed., p. 99.

que já ocorreu, mas pode ser que influa no recurso, dependendo da circunstância do caso concreto, se ainda for possível manejá-lo, ou poderá ser usado para instrução de outra relação jurídica, a exemplo de ação rescisória, também a depender da análise de cada caso concreto).

Com efeito, a confissão real requer: a)- a vontade de declarar algo, em atividade espontânea (em juízo ou extrajudicial) ou provocada (na esfera judicial); b)- o conteúdo declarado, que há de ser prejudicial à tese do confitente e, ao mesmo tempo, favorável à versão da parte contrária; c)- que o bem ou direito a ser tutelado no caso concreto seja disponível75; e d)- capacidade civil do confitente. Vê-se, assim, que a concordância tácita, decorrente da inação da parte, portanto de seu silêncio, não configura confissão real, como também não a configura, ainda que haja manifestação de vontade querida neste sentido, quando se tratar de bem ou direito indisponível. Sendo o bem ou direito reclamado na demanda indisponível a única relevância que traz a manifestação de vontade, no contexto das provas, é o mero

peso psicológico de se conferir com o conjunto probatório , palavras que soam dos

lábios do renomado professor e processualista Arruda Alvim76.

O que, em verdade, o inciso II do art. 334 do CPC quer dizer é que os fatos confessados não exigem outras provas, pois a confissão é tipificada no sistema como idôneo meio de prova. Reforce-se, aliás é considerada a rainha das provas , na linha de pensamento dos positivistas.

É interessante a observação de Antônio Carlos de Araújo Cintra no tocante ao local em que a confissão é tratada no CPC. Para ele há equívoco

topográfico , por assim dizer. São dele, as seguintes palavras:

a referência a este tipo de fato destoa no conjunto do art. 334 porque, na verdade, se a confissão é fonte de prova, o inciso em exame teria dito literalmente que não depende de prova o fato provado. Evitando-se a tautologia, é de se entender que a confissão

75 Na linha do art. 351 do CPC, não vale como confissão o reconhecimento/admissão de fatos relacionados a

direitos indisponíveis, ainda que não contestados. Segue-se a mesma linha desenvolvida no art. 320 do CPC, segundo o qual a revelia não reputa veracidade aos fatos alegados pelo autor, se o litígio versar sobre direitos indisponíveis.

válida é prova suficiente do fato confessado, impondo-se, como tal, ao convencimento do juiz77.

O sábio Arruda Alvim, elegantemente faz outra observação, igualmente interessante: é certo que interfere, aqui, um problema de ordem cronológica, consistente em que, curialmente, a confissão terá de atender a outro tipo de prova (v., nesse sentido, art. 400, I), para que se opere a dispensabilidade de outra prova 78. A sutileza captada e transmitida por Arruda Alvim nos conduz a concluir

que, ao constatar no caso concreto a existência de confissão real (portanto de idôneo meio de prova tipificado no sistema), o juiz está autorizado a encerrar o procedimento probatório, pois a partir daí nenhuma razão lógica ou jurídica justificaria a sua dilação, tendo em vista que a função prova de convencer o juiz da veracidade de uma das alegações dadas ao fato ou aos fatos foi integralmente atendida, exauriu-se. Prosseguir-se na atividade probatória, em tal circunstância, além de nada contribuir à solução do caso concreto, ocasiona ou pode ocasionar procrastinação indevida na entrega da prestação jurisdicional que, diga-se de passagem, há de ser justa, eficaz e em prazo razoável, para não malferir as franquias constitucionais outorgadas aos litigantes em processo judicial e administrativo.

No uso de seu poder de direção - processual e material do processo - o juiz do trabalho ou de direito investido na administração da Justiça do Trabalho está autorizado pelos arts. 765 da CLT e 130 do CPC a indeferir a produção de todos os outros meios de prova que o confitente pretende utilizar, a exemplo dos meios de prova testemunhal e atípica, sem que isso configure cerceamento ao princípio da ampla defesa.

E, para concluir, mais uma lembrança: a confissão real não fulmina o princípio da livre e fundamentada apreciação das provas pelo juiz, que lhe é garantido pelo art. 131 do CPC, como, aliás, já decidiu o STF79.

77

Comentários ao código de processo civil, p. 27.

78 Opus cit. p. 432. 79

9.3.1 Indivisibilidade da Confissão

Em regra a confissão é indivisível, por isso a parte que a invocar como meio de prova não pode fracioná-la para aproveitar apenas os pontos confessados que lhe são favoráveis, mas deverá aceitá-la no seu todo, no seu conjunto. Todavia é possível cindi-la quando o confitente lhe aduzir fatos novos, suscetíveis de constituir fundamento de defesa de direito material ou de reconvenção , como dispõe a parte final do art. 354 do CPC, de aplicação subsidiária no direito processual do trabalho.

9.3.2 Fatos que as partes não estão obrigadas a declarar

O direito à prova, parte integrante da garantia constitucional da plenitude de defesa, se concretiza com a faculdade conferida aos litigantes em processo judicial ou administrativo de produzir todos os meios de prova previstos/permitidos no sistema que forem necessários à demonstração de suas versões sobre fatos controvertidos, relevantes e pertinentes (capítulo VII, supra).

No plano infraconstitucional esta garantia é encontrada, dentre outras, na imposição de que ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade , como dispõe o art. 339 do CPC, ou na linguagem do art. 645 da CLT: O serviço da Justiça do Trabalho é relevante e obrigatório, ninguém dele podendo eximir-se, salvo motivo justificado .

Como contraponto ao direito à prova, a Constituição Federal protege todas as pessoas contra violações de seus direitos fundamentais individuais e coletivos, tão caros à coletividade. E no plano legal, o direito à prova encontra limites, dentre outros, os enumerados nos arts. 229 do CC e 347 do CPC, segundo os quais:

Ninguém é obrigado a depor em juízo sobre fatos: a)- criminosos ou torpes que lhe forem imputados;

b)- a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo ou sigilo;

c)- a que não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge, parente em grau sucessível ou amigo íntimo; e

d)- que o exponha, ou às pessoas referidas na letra anterior, a perigo de vida, de demanda, ou de dano patrimonial imediato.

9.3.3 Anulação da confissão

A confissão é irrevogável, porém pode ser anuladase decorreu de erro de fato ou de coação. A menção a que pode ser revogada expressa na parte final do caput do art. 352 do CPC era muito criticada pela doutrina, pois o Poder Judiciário não revogava a confissão, mas poderia retirar sua validade, declarando-a nula por vícios do consentimento ou por vícios sociais. O CC corrigiu essa terminologia ao dispor no seu art. 214 que A confissão é irrevogável, mas pode ser anulada se decorreu de erro de fato ou de coação .

É bem por isso que os professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria Nery lecionam:

Tratando-se, como se trata, de ato que expressa a vontade livre de alguém, a confissão é declaração submetida aos rigores do sistema de validade das declarações de vontade. Falta ou vício da vontade, consistente em ausência de vontade de ação ou falta de consciência de estar reproduzindo uma confissão, podem gerar a declaração de inexistência ou nulidade do ato, ou de sua desconstituição, caracterizando-se motivo para sua anulabilidade (erro, coação) 80

Os instrumentos processuais previstos no sistema para invalidação da confissão são os prescritos nos incisos I e II do art. 352 do CPC: a)- ação anulatória; e b)- ação rescisória.

Ponderam os mesmos professores que o reconhecimento judicial da nulidade do negócio jurídico, portanto da confissão, pode ocorrer de dois modos:

80

a)- incidentalmente no processo; e b)- por meio de ação. O reconhecimento incidental da nulidade no processo dá-se por decisão

ex officio do juiz ou por iniciativa da parte (contestação, petição

simples, objeção de executividade, etc. O interessado pode, ainda, ajuizar ação para que seja reconhecida a nulidade do negócio ou do ato jurídico. Essa ação de nulidade é declaratória (CPC 4º) e, portanto, encerra pretensão perpétua, sendo que seu exercício não está sujeito a prazo de decadência nem de prescrição81.

9.3.4 Pessoas atingidas pela confissão

A confissão judicial faz prova apenas contra o confitente, por isso não acarreta prejuízo aos litisconsortes. A ausência de contestação provoca a revelia que traz como conseqüência a presunção de veracidade dos fatos contidos na petição inicial. Todavia, se há relação litisconsorcial no caso concreto, a defesa apresentada por um aproveita aos demais litisconsortes: é o que se extrai da conjugação das disposições constantes no inciso I do art. 320 do CPC e do art. 350 desse mesmo código.

Ressalte-se, por oportuno, que nas ações que versarem sobre bens imóveis ou direitos alheios, a confissão de um cônjuge não vale sem a do outro (parágrafo único do art. 350 do CPC).