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A fauna invertebrada em estruturas negativas da Pré-História Recente do Baixo Alentejo

PARTE I. ESTADO DA ARTE E OBJETIVOS

Montinhos 6 Bos taurus

1.4. A fauna invertebrada em estruturas negativas da Pré-História Recente do Baixo Alentejo

O volume de estudos sobre a fauna malacológica para os contextos da Pré-história Recente, no Baixo Alentejo, é ainda escasso, mas em claro crescimento.

Para o período do 3º milénio a.C., encontram-se disponíveis os estudos realizados

por Manuela Coelho (2006) em Porto Torrão e no sector I dos Perdigões (Coelho, 2008), bem como no povoado do Mercador (Coelho, 2013). Existem, ainda, os estudos da coleção malacológica dos contextos funerários do recinto dos Perdigões (Valera e André, 2016) e, de

25 caráter mais recente, a breve análise dos restos malacológicos de Alto de Brinches 3 (Delicado et al., 2017).

Estes estudos adotam uma corrente metodológica moderna, inseridos em perspetivas sociais e culturais e em íntima simbiose com a vertente arqueológica (Valera e Filipe, 2004; Valera e André, 2016). A emergência destes estudos, sob uma perspetiva arqueológica, possibilitou, não só a existência de uma base de dados das coleções malacológicas existentes em estruturas negativas da Pré-história Recente, mas, serviram, igualmente, para estudos relacionados com estratégias de subsistência, de circulação regional de bens, de utilização de matérias-primas e de formas de apropriação do espaço por parte das comunidades pré-históricas da região do Baixo Alentejo.

Surgem, numa maior frequência, moluscos terrestres e fluviais, em detrimento de moluscos marinhos (Coelho, 2006; 2008; 2013; Valera e André, 2016; Delicado et al., 2017) devido à distância destes sítios arqueológicos em relação às reservas marinhas. Sendo assim, a presença de espécies marinhas sugere a deslocação das comunidades do Baixo Alentejo ao litoral ou o estabelecimento de trocas com outras comunidades, situadas perto da linha da costa (Valera e André, 2016; Coelho, 2008; Delicado et al., 2017).

Os dados disponíveis indiciam que a alimentação de moluscos, tanto terrestres, como fluviais ou marinhos, não se constitui como a base alimentar significativa para as comunidades da Pré-história Recente do Baixo Alentejo devido à sua fraca frequência nos contextos arqueológicos (Valera e André, 2016; Coelho, 2008; 2013; Delicado et al., 2017).

Os restos malacológicos evidenciam uma variabilidade contextual significativa, surgindo tanto no interior de fossas como de fossos, em contextos funerários e em contextos não funerários, obedecendo a deposições estruturadas ou dispersos no interior dos diferentes contextos (Valera e André, 2016; Delicado et al., 2007; Coelho, 2008).

A maioria dos moluscos surgem, ora como suportes de objetos de adorno (Valera e André, 2016; Coelho, 2008) - tal como se verifica no recinto dos Perdigões -, ora integrando diferentes contextos arqueológicos, de forma dispersa, como se verifica nos restantes sítios arqueológicos citados (Coelho, 2006; 2008; 2013; Valera e André, 2016; Delicado et al., 2017). Além disso, evidenciam uma maior presença em contextos onde também ocorre fauna mamalógica (Coelho, 2013; Delicado et al., 2017), principalmente no que diz respeito aos moluscos terrestres.

O caracol (cf. Theba pisana e Rumina decollata) surge como a espécie de gastrópode terrestre mais frequente nas estruturas negativas calcolíticas (Valera e André, 2016; Coelho, 2008;

26 Delicado et al., 2017). Contudo, esta espécie é de origem local e poderá corresponder a uma presença intrusiva no interior dos contextos. Ao nível dos gastrópodes e bivalves fluviais, as frequências mais relevantes demonstram espécies comuns dos estuários fluviais desta região, como os Unio sp. e os Theodoxus fluvialitis (Valera e André, 2016; Coelho, 2008; 2013). Já no espetro dos bivalves marinhos, existem registos de espécies comuns ao território continental, tal é o caso dos Mythilus sp., ou de espécies exógenas, no caso comum da Patella candei (Valera e André, 2016).

Para as estruturas negativas do 2º milénio a.C., isto é, a Idade do Bronze, apenas

se encontra disponível um estudo realizado para os dados das fossas de Alto de Brinches 3 (Delicado et al., 2017). Estes autores registaram a presença do caracol (cf. Theba pisana e Rumina decollata) como as espécies claramente definidoras da coleção malacológica da Idade do Bronze, surgindo, na sua maioria, em associação com fauna mamalógica (ibidem, 2017). Identificaram, igualmente, a insurgência casual de gastrópodes e de bivalves fluviais, e de bivalves marinhos, embora se constituam, comparativamente com o período do Calcolítico, muito menos expressivos (Delicado et al., 2017).

O estado atual dos conhecimentos não permite realizar um quadro padronizado de inferências, durante e em continuação, deste preâmbulo cronológico. O recinto dos Perdigões constitui-se, ainda, como o sítio arqueológico que mais dados malacológicos aporta. Todavia, salienta-se o seu caráter distinto dos restantes sítios arqueológicos da pré-história Recente do Baixo Alentejo.

Persistem, no momento, questões que devem começar a ser assumidas para os estudos de fauna malacológica dos sítios com estrutura negativas desta região, tais como: a) a continuidade da utilização de determinadas espécies invertebradas entre o Calcolítico e a Idade do Bronze; b) a persistência ou não, das trocas inter-regionais e intrarregionais, entre os dois períodos em estudo;

c) o tipo de espécies que teriam sido consumidas e quais teriam sido utilizadas como “material” de teor simbólico; d) os motivos da ausência de fauna invertebrada no interior de hipogeus, etc. Este quadro de questões justifica que este trabalho também inclua a fauna de invertebrados do sítio em estudo desta dissertação de mestrado.

2. Objetivos

O estudo das coleções faunísticas permite a realização de análises arqueológicas diversificadas e direcionadas a diversas problemáticas, sendo, assim, passíveis de dar resposta a

27 questões que vão para além da alimentação ou da domesticação de animais. Tal é o caso, por exemplo, das ações desenvolvidas em torno das estruturas negativas da Pré-história Recente. Parece, assim, pertinente admitir que o estudo do material faunístico, em contextos arqueológicos, pode gerar contributos significativos para o entendimento do modus vivendi das comunidades pré- históricas desta região.

Assim, o objetivo geral deste estudo é o de contribuir para aumentar o conhecimento sobre as comunidades pré-históricas do Sudoeste Peninsular, nomeadamente as suas inter-relações “humano-animal” (face à ausência de estudos zooarqueológicos para esta temática). Para isto, assumimos como objeto de estudo os restos faunísticos, vertebrados e invertebrados, de Torre Velha 12, no concelho de Serpa, pertencente ao distrito de Beja.

O caso de estudo localiza-se na região denominada de Baixo Alentejo interior e trata-se de um sítio arqueológico composto por, apenas, estruturas em negativo, isto é, fossas e hipogeus, da Pré-História Recente. Deste modo, as estruturas negativas identificadas correspondem a um período cronológico dilatado, situado entre o 3º milénio a.C. (referente ao Calcolítico) ao 2º milénio a.C. (correspondente à Idade do Bronze). A longa ocupação deste sítio possibilita a realização de um estudo diacrónico e comparativo entre as cronologias.

Pretendem-se, assim, equacionar a natureza social da relação dos humanos com os animais. Para tal, adotamos os seguintes objetivos, a saber:

- identificação anatómica e taxonómica dos restos faunísticos;

- interpretação da distribuição espacial dos restos faunísticos em inter-relação com os vestígios materiais e com os contextos de proveniência, por forma a interpretar funcionalidades genéricas;

- interpretações sociais, culturais e simbólicas dos restos faunísticos, através do seu estudo nos contextos funerários;

- identificação e interpretação das alterações do comportamento humano face aos animais, entre o 3º e o 2º milénios a.C., através de uma análise comparativa que possibilite observar continuidades e descontinuidades ao longo do período em consideração;

- enquadrar, em termos regionais, os resultados e as interpretações dos casos em estudo. Isto é, realizar uma análise comparativa inter-sítios, em termos do Baixo Alentejo interior. Mostra- se elementar observar os resultados dos estudos arqueozoológicos de outros sítios arqueológicos

28 que partilham de realidades cronológicas e tipológicas semelhantes, tais como Torre Velha 3 (Serpa, Beja) - muito provavelmente o mesmo local que Torre Velha 12, embora escavado por outra empresa de arqueologia e noutro momento -, Montinhos 6 (Serpa, Beja), Outeiro Alto 2 (Serpa, Beja), entre outros.

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3. Introdução

Nesta parte pretende-se dar a conhecer as premissas teóricas e os preceitos metodológicos adotados neste estudo. Tais são significativos para o desenvolvimento de uma análise arqueofaunística, que deve seguir determinadas premissas para tecer questões pertinentes e, deste modo, tentar criar respostas para as problemáticas instauradas.

Esta parte é constituído por um capítulo, o nº 3, que se encontra subdivido em dois subcapítulos. No primeiro, aborda-se a postura epistemológica e os conceitos que foram adotados para a realização deste estudo. No segundo, descreve-se a metodologia de estudo da coleção faunística, vertebrada e invertebrada. Por fim, apresenta-se o trabalho avançado de gabinete desenvolvido, que permitiu realizar discussão dos dados, com o objetivo da sua interpretação.