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PARTE I. ESTADO DA ARTE E OBJETIVOS

Montinhos 6 Bos taurus

3.2. Pressupostos práticos

3.2.2. Trabalho de laboratório: a metodologia da Zooarqueologia

A escolha metodológica a adotar, em laboratório, está invariavelmente condicionada pelos níveis de preservação dos restos faunísticos em estudo, que se encontravam com um elevado nível de fragmentação.

O material faunístico chegou devidamente acondicionado (acompanhado com todas as informações relativas à proveniência de cada elemento), tendo sido limpo e ordenado.

3.2.2.1. Identificação dos restos faunísticos de animais vertebrados

O estudo dos materiais seguiu os pressupostos metodológicos da zooarqueologia moderna (Cardoso, 1996a; Lyman, 2001; Reitz e Wing, 199) iniciou-se com a identificação anatómica dos restos faunísticos de animais vertebrados com recurso a atlas e manuais de identificação. Neste estudo foram amplamente utilizados o Atlas of Animal Bones, de Elizabeth Schmid (1972), o Anatomie Comparée des Mammiféres Domestiques, de Barone (1976), bem como o atlas Mammal Bones and Teeth, de Hillson (1999) para a análise dos dentes e mandíbulas.

Pese embora a excecional qualidade, rigor e detalhe dos atlas mencionados, a identificação taxonómica deve recorrer a uma coleção de referência. Deste modo, foi consultada

41 a Coleção de Referência de Vertebrados do Laboratório de Arqueociências da Direção Geral do Património Cultural (Moreno-García et al., 2003a).

Dependendo do elevado grau de fragmentação da coleção, uma grande parte dos elementos faunísticos não permitiram realizar uma identificação taxonómica. Tal foi o caso de alguns fragmentos de partes anatómicas que não exibiam caracteres distintivos nem caracteres de diagnóstico, como são exemplo os fragmentos de diáfises de ossos longos ou de pequenas dimensões, das vértebras e das costelas. No entanto, estes elementos foram contabilizados e inseridos em categorias de tamanho do animal, sendo classificados em animais de grande porte (AGP), animais de médio porte (AMP) e animais de pequeno porte (ApP) (Tabela 6).

Tabela 6. Categorias definidas por tamanho dos animais mamíferos mais frequentes em contextos arqueológicos da Pré-História Recente

Animal de grande porte (AGP)

Animal de médio porte (AMP)

Animal de pequeno porte (ApP)

Cavalo, veado, gamo, bovinos domésticos, auroque

Ovelhas, cabras, porco, javali e corço

Cão, lobo, raposa, gato, coelho e lebre

Devido à semelhança de tamanho entre o porco e o javali ibérico (Albarella et al., 2005; 2009), os elementos anatómicos destas espécies foram identificados apenas ao nível do género (Sus sp.) não se tendo prosseguido com a distinção entre ambos. No caso dos ovinos e dos caprinos, esta distinção passou pela identificação dos caracteres de diagnose definidos por Boessneck (1969). Na maioria das situações, a falta dos caracteres de diagnóstico não permitiu essa distinção, sendo que os restos anatómicos foram classificados apenas como Ovis/Capra.

3.2.2.1.1. Idade de abate

Para a estimativa da idade de abate do animal consideraram-se os estados de fusão das epífises dos ossos longos dos mamíferos (Silver, 1969). Isto porque os ossos têm um crescimento contínuo desde a fase fetal até à fase adulta, variando de espécie para espécie. Deste modo, e sabendo que a consolidação das epífises com as diáfises só se realiza no fim do período do crescimento do animal (Moreno-García et al., 2003b), é possível definir se o animal morreu quando era jovem, sub-adulto ou adulto. Para a análise dos elementos ósseos definiram-se três estágios de fusão (Tabela 7).

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Tabela 7. Parâmetros e nomenclatura a adotar aquando da identificação do estado de fusão dos ossos de animais mamíferos

Jovem Sub- adulto Adulto

Epífises e diáfise não estão fundidas – Un.

Epífises e diáfise

parcialmente fundidas através da observação da metáfise – PF.

Epífises e diáfise totalmente fundidas – F.

Outro método aplicado assenta na observação do crescimento dos dentes dos mamíferos. Esta análise define-se na identificação da dentição decidual (juvenil) e na substituição desta pelos dentes definitivos (adulto) (Wilson et al., 1982; Hillson, 1999). Na análise dentária dos animais, poderia ter sido aplicado outro método metodológico que analisa o desgaste do esmalte dos dentes dos animais que ao longo da sua vida, através de estágios de desgaste estabelecidos (Payne, 1973). Contudo, não adotamos, neste estudo, este último preceito metodológico por depender, também de outros fatores externos, como a qualidade da alimentação.

3.2.2.2. Aspetos tafonómicos dos animais vertebrados

A identificação dos processos de alteração dos restos faunísticos arqueológicos permite conceber a natureza e escala das mudanças pelos quais os elementos faunísticos passaram e, por consequência, chegar aos comportamentos humanos, atividades desenvolvidas e funcionalidade de determinado sítio arqueológico. A sua análise permite estabelecer padrões de comportamento e organizações dentro da coleção faunística.

Para este estudo foram consideradas as marcas de manipulação antrópica, as marcas provocadas por animais e a identificação dos padrões de fragmentação.

3.2.2.2.1. Manipulação antrópica

Para este estudo, consideramos as marcas de corte (profundas ou superficiais), as marcas de percussão e de polimento. As marcas de alteração térmica, embora se constituam como marcas de manipulação antrópica, serão abordadas num tópico específico visto que existem categorias próprias para a sua análise.

O estudo das marcas de corte, de percussão e de polimento foram observadas tendo em conta a sua localização no esqueleto e a identificação do elemento manipulado de modo a ser

43 possível encetar inferências que espelham, tanto os gestos culturais dos grupos humanos, como nas estratégias de subsistência, o aproveitamento dos recursos. As marcas de corte foram observadas tendo em conta a sua localização e orientação, de modo a ser possível entender as atividades envolvidas na manipulação do animal, tais como: o esfolamento, a desarticulação e a extração de filetes de carne, entre outras (Lyman, 2001; Reitz e Wing, 1999). Outras atividades foram diferenciadas, como a presença de superfícies polidas que indicam quais os elementos utilizados para a manufatura de instrumentos e artefactos.

3.2.2.2.2. Alterações por ação do fogo

As marcas de alteração térmica resultam de alterações provocadas no osso por submissão ao fogo e ao calor. Isto gera a diminuição do tamanho do osso e a alteração da sua coloração (Reitz e Wing, 1999). Este tipo de manipulação sugere atividades de consumo de carne e a forma como estas se desenrolaram, bem como a utilização de ossos como combustível (Costa, 2011; Costa 2016). Para entender estas atividades é necessário atentar ao tipo de osso utilizado, às suas dimensões e ao grau de coloração (Costa, 2011; Costa 2016). Deste modo, presta-se particular atenção ao tipo de coloração visto que esta poderá indicar o grau de temperatura a que foi submetido o osso e, porventura, a sua utilização. Embora alguns autores considerem que uma metodologia apenas baseada na coloração não é completamente viável (Lyman, 2001), este critério deve ter-se em conta neste estudo, conjuntamente com a dimensão dos fragmentos, principalmente, quando se verificou a presença de restos carbonizados na coleção faunística.

As categorias de estudo das marcas de manipulação térmica consideradas são: ossos não queimados; ossos ligeiramente queimados (coloração castanha clara); ossos carbonizados (coloração castanho escuro ou negro) e ossos calcinados (cor cinza, azul ou branca) (Lyman, 2001; Costa 2013).

3.2.2.2.3. Fenómenos de afetação animal

Também os animais se constituem como um fator de modificação e alteração do material faunístico. Isto é resultante da atividade e proximidade dos animais comensais que partilham o mesmo espaço quotidiano com as comunidades humanas.

As suas marcas são identificáveis e dependem do tipo de animal que as realizou, como as marcas dos roedores e de carnívoros, que são as mais comuns. Os primeiros deixam pequenos sulcos paralelos, e os segundos revelam marcas com depressões irregulares e pequenos furos

44 (Lyman, 2001). Também se podem apresentar marcas de digestão (Reitz e Wing, 1999) provocadas pelo ácido e por enzimas do aparelho digestivo dos animais carnívoros e necrófagos.

3.2.2.2.4. Padrões de fragmentação

A fragmentação é um fenómeno que se encontra relacionado tanto com os fenómenos de origem natural como com os fenómenos de origem antrópica. Assim, distinguir as razões pelas quais ocorre a fragmentação torna-se pertinente visto que esta, tanto pode refletir comportamentos e atividades humanas, como ser o resultado de fatores pós-deposicionais ou até de processos de escavação. Quando motivadas por fenómenos de origem natural, como o pisoteio (mais comummente designado de trampling) (Lyman e Fox, 1987), o peso dos sedimentos ou ação de raízes, a fratura é irregular e ocorre quando o osso se encontra seco. Quando resultante do processo de escavação e após a recolha, esta é recente e pode assumir uma coloração esbranquiçada que se diferencia da restante coloração do osso (Reitz e Wing, 1999).

Uma fratura intencional é produzida quando o osso se encontra fresco. É identificável por ter formas de espiral, oblíqua ou helicoidal. Entender a origem da fratura é essencial para inferir algumas atividades culturais (como o aproveitamento da medula) (Reitz e Wing, 1999).

3.2.2.3. Quantificação

Neste estudo, contabilizamos a totalidade de fragmentos presentes na coleção faunística, incluindo os fragmentos indeterminados, através do Número Total de Restos (NTR). Os fragmentos identificados taxonomicamente foram contabilizados pelo Número Total de Restos Determinados Taxonomicamente (NRD) (Grayson, 1984 em Lyman, 2008).

A aplicação desta metodologia permite entender a frequência das espécies em toda a coleção, sendo, porém, essencial a aplicação do Número Mínimo de Indivíduos (NMI) para criar um certo equilíbrio nos dados representados (Lyman, 2001;2008). Isto porque a quantificação do NMI permite estimar a frequência dos indivíduos representados, diferenciando os elementos do lado direito e do lado esquerdo. A título de exemplo, se foram identificados três fêmures de coelho (Oryctolagus cuniculus), sendo que dois fémures são esquerdos e um fémur é direito, serão estimados no mínimo dois coelhos.