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A fauna vertebrada em estruturas negativas da Pré-História Recente do Baixo Alentejo

PARTE I. ESTADO DA ARTE E OBJETIVOS

1. O contributo dos estudos faunísticos para o entendimento da Pré-História Recente em Portugal

1.3. A fauna vertebrada em estruturas negativas da Pré-História Recente do Baixo Alentejo

Os conjuntos faunísticos identificados nos conteúdos das estruturas negativas pré- históricas da região do Baixo Alentejo reportam-se, quase na sua totalidade, a animais mamíferos. Embora não se observe uma grande variedade de espécies, há uma grande diversidade de associações contextuais (Alves et al., 2010; Baptista et al., 2012; Cabaço e Costa, 2012; Baptista et al., 2013; Costa, 2013; Costa e Baptista, 2014). Isto é, surgem por fragmentos soltos ou grupo de ossos articulados, isolados ou associados a vestígios artefactuais e/ou a enterramentos humanos (Duarte et al., 2006; Costa e Baptista, 2014).

1.3.1. Calcolítico

Para o 3º milénio a.C. (Tabela 1.), que corresponde de grosso modo ao Calcolítico, o corpus de dados é mais amplo, reportando-se à presença de fauna numa grande diversidade de contextos arqueológicos, como recintos murados, recintos de fossos, de povoados de fossas, e em contextos funerários.

1.3.1.1. Contextos não funerários

Nos contextos não funerários, observa-se a presença assídua de animais selvagens e de animais domésticos, embora estes últimos sejam mais representativos. Isto é uma realidade própria dos contextos conhecidos das comunidades agro-pastoris pré-históricas, onde se verifica

10 uma maior exploração de animais domésticos em detrimento de animais selvagens (Moreno- García e Valera, 2007; Costa, 2010; Davis e Mataloto, 2012; Mataloto et al., 2012; Cardoso, 2013; Pereira, 2016; Mataloto e Costa, 2017).

O grupo das espécies domésticas constitui-se pelos caprinos (Ovis/Capra), sendo os mais representativos do grupo, seguidos dos suínos (Sus sp.) e dos bovinos domésticos (Bos taurus), em povoados de fossas, no caso de Mercador (Moreno-García, 2007), de Montinhos 6 (Costa, 2013; Costa e Baptista, 2014) e de Alto de Brinches 3 (Delicado et al., 2017). Esta percentagem é, contudo, distinta na maioria dos sítios com fossos, onde os suínos (Sus sp.) parecem ser os mais representativos, como se verifica em Porto Torrão (Arnaud, 1993; Pereira, 2016), nos Perdigões (Costa, 2011; 2013) e em Montoito 2 (Mataloto e Costa, 2017) (Tabela 1). Em recintos murados também se regista o domínio dos suínos, tal é exemplo o sítio de São Pedro Redondo (Davis e Mataloto, 2012) e Porto Carretas (Cardoso, 2013). Salienta-se, contudo, que os suínos (Sus sp.) se poderão tratar de exemplares selvagens, híbridos ou domésticos, devido à sua semelhança morfológica (Albarella et al., 2009).

Persiste, no interior de fossas e de fossos, uma maior incidência de suínos (Sus sp.) juvenis (Costa, 2010; Pereira, 2016) ao invés da exploração de veado (Cervus elaphus), de bovinos domésticos (Bos taurus) e de caprinos (Ovis/Capra) em fase adulta (Moreno-García e Valera, 2007; Costa, 2011; Pereira, 2016).

Os animais selvagens refletem-se por uma alta representatividade de veado (Cervus elaphus) e, em menor escala, de lagomorfos (Oryctolagus cuniculus e Lepus sp.) e de equídeos (Equus sp.) (Tabela 1) (Moreno-García e Valera, 2007; Costa, 2011; Pereira, 2016, Delicado et al., 2017). De realçar que a presença de equídeos (Equus sp.) em contextos não funerários do Calcolítico Alentejano é, na sua generalidade, tímida, com a exceção do povoado de fossas de Mercador (Moreno-García e Valera, 2007) onde esta espécie assume uma presença significativa.

Entre o Neolítico Final e o Calcolítico também se realiza a deposição de animais, parcialmente completos, no interior de fossas de caráter não funerário. Até ao momento, esta ocorrência parece ser exclusiva aos canídeos (Canis sp.), que surgem com uma certa variabilidade ao nível da sua distribuição e associações (Senra et al., 2017).

No Neolítico Final, há registo de esqueletos parcialmente completos de canídeos isolados, como se verifica na Horta da Morgadinha 2 (Gomes et al., 2012) e em Corça 1 (Valera et al., 2010), ora através do enterramento coletivo de esqueletos, parcialmente completos, de canídeos na mesma unidade estratigráfica, que é uma situação exclusiva do sítio arqueológico da Horta da

11 Morgadinha 2 (Gomes et al., 2012; Senra et al., 2017) (Tabela 1). Não parece estar presente, contudo, uma preferência na escolha da idade dos canídeos a depositar, parcialmente inteiros, nas fossas calcolíticas (Senra et al., 2017).

Tabela 1. Dados faunísticos disponíveis para as estruturas negativas dos finais do 4º e 3º milénio a.C. no Baixo Alentejo

Sítio arqueológico Contexto Bos taurus Ovis/Capra Sus sp. Cervus elaphus Lepus sp./ Oryctolagus cuniculus Canis sp. Equus sp. Alto de Brinches 3 Funerário Não funerário X X X Porto Torrão Funerário Não funerário X X X X X X X Perdigões Funerário Não Funerário X X X X X X X X X X X X Mercador Não funerário X X X X X X Horta da Morgadinha 2 Não funerário X Corça 1 Não funerário X Paraíso Não funerário X X X X X X Porto das Carretas Não funerário X X X X X X Montoito 2 Não funerário X X X X X X São Pedro Redondo Não funerário X X X X X X

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1.3.1.2. Contextos funerários

No que concerne os contextos funerários calcolíticos (Tabela 2), parece estar presente a preferência pela inserção de canídeos (Canis sp.), que seguem condutas anatómicas e contextuais variáveis.

Primeiramente, em fossas, ocorre a deposição de membros traseiros, em conexão anatómica, de canídeos (Canis sp.), com relação direta às deposições humanas. Esta situação é identificável em Monte das Covas 3, em Beja (Miguel e Godinho, 2009) e em Ribeira de São Domingos 1 (Valera e Costa, 2013).

Surge, igualmente, no interior de fossas, a associação direta de esqueletos, completos ou parciais, de canídeos a enterramentos humanos. Tal verifica-se em Monte das Covas 3 (Miguel e Godinho, 2009); em Porto Torrão, em Ferreira do Alentejo (Pereira, 2016) e em Alto de Brinches 3, em Serpa (Alves et al., 2014; Porfírio e Serra, 2014; Inocêncio e Porfírio, 2014; Delicado et al., 2017). Neste último, foi realizada a deposição de um canídeo juvenil com relação a um enterramento de um esqueleto humano idoso e do sexo feminino (Alves et al., 2014; Porfírio e Serra, 2014; Inocêncio e Porfírio, 2014; Delicado et al., 2017). Esta realidade apenas se encontra, até ao momento, documentada na Anta 3 de Santa Margarida, em Reguengos de Monsaraz (Moreno-García, 2003), na região do Baixo Alentejo.

Os estudos desenvolvidos nos tholoi calcolíticos dos Perdigões demonstram uma prática que contrasta com o que parece ser recorrente nas estruturas negativas deste período, pela incorporação intencional de elementos anatómicos desarticulados de vários taxa, nomeadamente de equídeos (Equus sp.), de caprinos (Ovis/Capra), de bovinos domésticos (Bos taurus) e de veados (Cervus elaphus) (Cabaço, 2012; Valera e Costa, 2013), em associação com os restos humanos.

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Tabela 2. Espécies presentes em estruturas negativas pré-históricas de contexto funerário do 3º milénio a.C.

Sítio arqueológico Espécie Representação anatómica

Associações

Alto de Brinches 3 Canis sp. Esqueleto parcialmente completo;

Enterramento de um esqueleto humano idoso do

sexo feminino.

Monte das Covas 3 Canis sp.

Esqueleto parcialmente completo;

Carpais e metacarpo em conexão anatómica de

um possível canídeo.

No mesmo nível dos enterramentos coletivos

humanos.

Ribeira de São