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01.1.2 – Favorecendo uma atitude investigativa em matemática

Como foi visto anteriormente, os procedimentos de validação do saber matemático estão diretamente relacionados à investigação matemática propriamente dita. Segundo Ponte (2003: p. 13) pode ser dito que:

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O teorema das quatro cores serve para demonstrar que qualquer mapa sobre uma superfície plana ou esférica pode ser colorido sem que se use mais de quatro cores, de modo, que não haja duas regiões do mapa com fronteira comum e a mesma cor.

Para os matemáticos profissionais, investigar é descobrir relações entre objetos matemáticos conhecidos ou desconhecidos, procurando identificar as respectivas propriedades [...].

PONTE (2003: p. 13)

Nos últimos anos, nos meios educacionais, matemáticos, professores de matemática, pedagogos, psicólogos, entre outros profissionais, procuram compreender como os procedimentos relacionados à investigação em matemática podem contribuir com seu ensino.

Segundo Ponte (2003: p. 22-23), um dos aspectos importantes, consiste em distinguir a diferença entre exercícios, problemas e a investigação propriamente dita. Ponte (2003: p.22) considera que Polya foi o formulador das distinções básicas entre problemas e exercícios.

Um problema é uma questão para a qual o aluno não dispõe de um método que permita sua resolução imediata, enquanto um exercício é uma questão que pode ser resolvida usando um método já conhecido. É claro que pode haver exercícios mais difíceis, requerendo a aplicação mais ou menos engenhosa de vários métodos e também existem problemas mais simples ao lado de outros mais complicados. Em vez de uma dicotomia, t e m o s u m continuum entre exercício e problema, e o seu interesse educativo depende de muitos fatores para além do seu grau de dificuldade.

PONTE (2003: p. 23)

Considerando ainda as concepções de Ponte (2003: p.22), existe um aspecto comum que caracterizam os exercícios e os problemas, a presença de um enunciado que indica claramente o que é dado e o que é pedido. Não haveria margem para ambigüidades o professor conhece a solução por antecipação, logo, o professor teria como analisar o que está correto e o que está errado.

Quanto à investigação matemática, esta se caracteriza por situações abertas em que não há um enunciado claro em princípio, deste modo, caberia a quem investiga definir a questão em pauta. Além disto, em situações como estas o professor nem sempre possui condições de saber se as formulações dos estudantes estão corretas ou não, fato este que exigiria a mudança de postura do professor junto aos alunos. Mas não se deve esquecer que Ponte (2003: p. 22),

menciona que uma investigação pode ser desencadeada a partir da resolução de um simples exercício, ou seja, exercícios e problemas podem ser elementos geradores. Mas em quais aspectos a investigação matemática pode ser interessante à formação de docentes e discentes em sala de aula?

O conceito de investigação matemática, como atividade de ensino-aprendizagem, ajuda a trazer para a sala de aula o espírito da atividade matemática genuína, constituindo, por isso, uma poderosa metáfora educativa. O aluno é chamado a agir como um matemático, não só na formulação das questões e conjecturas e na realização de provas e refutações, mas também na apresentação de resultados e na discussão e argumentação com seus colegas e o professor.

PONTE (2003: 23)

Nas concepções de Ponte (2003), a investigação matemática é um recurso a mais na sala de aula, por promover uma atitude investigativa por parte dos alunos, bem como, por viabilizar ao aluno uma visualização do trabalho matemático, no entanto, nem sempre a investigação matemática no meio escolar é uma metáfora educativa, em certas ocasiões a situação que surge em sala de aula pode se tornar uma conjectura genuína.

Em 1998 no Laboratório Multimeios FACED/UFC, três estudantes de Ensino Médio participantes de um curso sobre construções geométricas com duração de duas semanas, apresentaram uma situação inusitada gerada a partir do software Cabri Géomètre II for Windows. Um deles desenvolveu uma construção geométrica usando recursos deste software, e após alguma discussão chegaram ao professor (que no caso era minha pessoa) para apresentar a figura geométrica que era o lugar geométrico resultante da construção dos alunos. Em princípio o questionamento do professor consistiu em propor aos alunos descobrir se o lugar geométrico em questão era ou não uma elipse, no entanto, a construção não permitia compreender se a figura era de uma elipse ou não. Então foi recomendado pelo professor aos alunos que sistematizassem passo-a-passo o que haviam realizado a fim de se produzir o algoritmo da construção. A seqüência resultante produzida pelos alunos é apresentada na tabela 005 abaixo.

Tabela 005 – Algoritmo da construção do lugar geométrico da suposta elipse.

Passos Ações realizadas

01 Construir uma circunferência [c] com centro no ponto [O]; 02 Marcar um ponto [A] sobre a circunferência [c];

Marcar um ponto [B] sobre a circunferência [c], não coincidente com

[A];

03 Construir uma circunferência [c1] com centro em [A] e raio [AB]; 05 Construir uma circunferência [c2] com centro em [B] e raio [BA];

06 Marcar [C] como ponto de intersecção entre [c] e [c2] que não coincida com [B];

07 Construir uma circunferência [c3] com centro em [C] e raio [CB]; 08 Traçar uma reta [r] pelos pontos [A] e [C];

09 Marcar [P] um ponto da reta [r] não coincidente com [A] e [C];

10 Usando o comando “Lugar Geométrico” do Cabri Géomètre II, construir o lugar geométrico [Lg] do ponto [P] quando o ponto [A] é deslocado sobre a circunferência [c].

Com os procedimentos descritos pelos alunos, foi possível obter o algoritmo da tabela 005, e por esta seqüência de comandos é construtível o lugar geométrico [Lg] apresentado na figura 013 abaixo. Mas obter a construção não é suficiente para ser dito se [Lg] corresponde ou não a uma elipse, e nem mesmo as evidências visuais obtidas por meio de computador devem ser consideradas como prova definitiva, se exigia tanto dos alunos como do professor um processo investigativo que poderia permitir confirmar ou não o questionamento que se apresentou inicialmente. Havia a noção do que se pretendia investigar, mas não havia claro o que se poderia ser feito para averiguar se [Lg] era ou não uma elipse.

Figura 013 – Lugar geométrico [Lg] resultante da construção geométrica apresentada na tabela 005: O Lugar geométrico [Lg] é uma elipse?

O processo de reconhecimento de um problema e sistematização da construção levou cerca de dois dias para ser concluído pelos estudantes com o auxílio do professor.

Após realizar a sistematização da construção, sob orientação do professor, e com auxílio de livros sobre geometria euclidiana, geometria analítica e construções geométricas, os alunos foram instigados à averiguar as propriedades da construção em voga, e durante uma semana, aproximadamente, os alunos realizaram a análise sobre características e propriedades de [Lg] e sua construção. O que foi obtido foi uma descrição das características e propriedades presentes na construção realizada. O que os alunos observaram, em princípio, permitiu apresentar as informações seguintes:

a) As circunferências [c1], [c2] e [c3] são congruentes; b) Os raios [AB], [BC] e [CB] são congruentes;

c) Os pontos [A] e [B] possuem grau de liberdade 2, sendo possível mover [A] e [B] sobre [c], além disto, o ponto [C] possui grau de liberdade 0. Ou seja, [C] só se move, se e somente se, [A] ou [B] são movimentados;

d) O ponto [P] deforma [Lg] quando manipulado sobre a reta [r];

e) Ao mover o ponto [A] temos o movimento do ponto [P] (conseqüentemente mover [A] implica mover [P] que traça o lugar geométrico [Lg]);

f) Ao mover o ponto [B] ocorre a rotação de [Lg] ao redor de [c];

g) O lugar geométrico [Lg] inscreve a circunferência [c] quando o ponto [C] está entre [A] e [P], ou quando [A] está entre [C] e [A];

h) O lugar geométrico [Lg] corresponde a [c] quando [P] e [C] coincidem;

i) [Lg] é simétrico nos eixos maior e menor, em relação ao ponto [O], independente da posição de [P];

j) O ponto [O] é centro de [c] e de [Lg].

Mesmo após a investigação das propriedades de [Lg] e sua construção, as informações obtidas eram insuficiente para compreensão do que

se pretendia averiguar, no entanto, para os alunos e o professor este foi o ponto de partida para a compreensão do processo.

Ocorreu que havia necessidade de subsídios teóricos por parte dos alunos envolvidos para continuar o processo de investigação, e é a partir deste momento que houve aprofundamento sobre a investigação dos conteúdos necessários a resolução do problema, que foi chamado por investigação dos campos conceituais.

Os campos conceituais são os pré-requisitos necessários à resolução de um problema e a confecção uma atividade matemática, sendo assim, a s p e s s o a s envolvidas no processo de resolução pesquisaram dados bibliográficos sobre secções cônicas para obter preparo matemático para o desafio que estava sendo posto. Neste contexto, ao implementar o algoritmo apresentado pela tabela 005 no software Cabri Géomètre II, o problema que se colocou diante de todos que estavam envolvidos na resolução do problema, permitiu enunciar uma conjectura que foi escrita como:

Conjectura – Se o ponto [A] é movido sobre [c], então [P] forma um lugar geométrico [Lg] que é uma elipse.

Munidos desta conjectura, do ferramental matemático adequado, era preciso definir uma estratégia que favoreça uma transposição adequada ao processo de resolução.

Após uma semana e meia de aprofundamento, e tentativas frustradas a partir dos alunos, a resolução se iniciou a partir do momento em que os envolvidos apresentaram avançaram na discussão sobre secções cônicas com base nas idéias da geometria analítica.

Com base nos pressupostos adquiridos foi proposto por um dos alunos fazer a construção usando o gráfico cartesiano para que fosse possível encontrar os focos da suposta elipse, de tal modo, que pelo ponto [B] fossem feitos os ajustes de posicionamento via rotação de [Lg], e pelo ponto [A] a reta [r] e o ponto [P] fossem posicionados sobre o eixo das abscissas, em que o

segmento [OB] seria coincidente com o eixo das ordenadas. Neste procedimento, os eixos poderiam corresponder ao diâmetro maior e menor da suposta elipse, de tal modo, que o eixo maior seria um segmento pertencente ao eixo das abscissas, enquanto que, o eixo menor seria um segmento pertencente ao eixo das ordenadas, além disto, o ponto [O] estaria na origem do gráfico conforme se pode averiguar na figura 014 apresentada abaixo.

Figura 014 – O ajuste de [Lg] em relação ao eixo cartesiano realizado pelos alunos.

A questão agora consistia em encontrar os focos da suposta elipse, pois caso houvesse focos seria possível ter indícios de que a figura era uma elipse, pois, para os estudantes (havia a suposição de que) [Lg] era uma elipse.

O processo para explorar a existência dos focos demorou cerca de dois dias, mas após este tempo foi descoberta, em pesquisa bibliográfica dos alunos, uma relação entre os focos e a diagonal maior, que permitiu implementar uma solução no computador através de uma equação que permitia conhecer os focos através dos dados já conhecidos.

Sabendo que à distância de [OP] (cujo comprimento é metade do eixo maior de [Lg]), equivale à distância [B] até os focos de uma elipse regular. Foi possível obter pelo Teorema de Pitágoras que:

d(OF) = [ d(BF1)2 – d(OB)2 ] (1/2)

Sendo d(OF1) a distância de um dos focos até a origem da

circunferência [c], encontrando d(OF1) encontrar d(OF2) é simples, pois por uma

circunferência com centro em [O] e medida de raio [OF1] é possível encontrar [F2].

deste modo, foi possível achar os focos [F1] e [F2], para aplicar a equação da

elipse à [Lg] para averiguar a veracidade da conjectura em questão.

Após solucionar o problema sobre o “como fazer” foi preciso implementar no computador, e colocando um ponto [Z] sobre [Lg], e observando se a soma das distâncias dos segmentos [ZF1] e [ZF2] permaneciam constantes

na equação d(ZF1) + d(ZF2) para todos os pontos de [Lg].

Através da animação obtida por meio de d(ZF1) + d(ZF2) = c, pode

ser observado a constância de c, mas ainda era necessário testar a equação da elipse que diz que [ (x^2)/(a^2)) + ((y^2)/(b^2) ] = 1, em que x e y são coordenadas do ponto Z(x,y) tendo que a = d(OP) e b = d(OB).

Ao efetuar os testes da equação da elipse, os alunos averiguaram que os resultados apresentados correspondiam à teoria, e os alunos imaginaram que a questão havia sido respondida, estavam dando por encerrado os questionamentos, no entanto, ao manipular o ponto [Z] sobre o [Lg], ocorria que quando [Z] se aproximava das extremidades dos diâmetros da suposta elipse, foi observado que os segmentos [ZF1] e [ZF2] desapareciam rapidamente.

Este “bug” que ocorria no computador desafiava os alunos e o professor fez questão em propor aos alunos investigar a ocorrência. Após alguns dias, os alunos e o professor após uma discussão sobre o assunto, propuseram analisar a questão em voga considerando a soma de vetores e com isto chegaram a outro modelo que exigiu fundamentação teórica sobre o assunto vetores.

Após uma semana, foi possível analisar a construção de outra perspectiva. Pela soma de vetores foi possível observar que adição dos vetores v(AB) e v(BC) resulta em:

v(AB) + v(BC) = v(AC)

De modo que foi possível relacionar v(AC) com d(AC), sobrepondo o vetor v(AC) sobre o segmento [AC] que é um subconjunto da reta [r] n a construção.

Também foi testado no Cabri Géomètre, se era possível por meio dos comandos “Vetor” e “Soma de vetores”, construir [Lg], e se pode observar que eram procedimentos correlatos. No entanto, se observou que quando o ponto [A] é movimentado, ocorrem duas situações:

a) Se os pontos [A], [B] e [C] coincidem quando [A] é movimentado, o vetor (AB) e v(BC) são nulos, logo, a r e t a [r] não existe nestes pontos e [Lg], nesta situação, não é continuo;

b) Quando os vetores v(AB) e v(BC) correspondem as diagonais, faz com que a soma de vetores se anulem, sendo assim, a reta [r] desaparece neste caso, e [Lg] não é continuo neste caso também.

Portanto, a conclusão que se chegou é que a conjectura proposta era falsa, pois a continuidade de uma elipse é um dos fatores que a caracterizam a mesma. Diante de tal fator, os alunos haviam se entristecido, pois eles queriam que [Lg] fosse uma elipse, no entanto, coube ao professor mostrar para eles o ganho que tiveram em se aventurar como matemáticos diante dos desafios que a situação lhes apresentava.

Figura 016 – À medida que o ponto A aproxima-se do ponto C, a soma v(AB) + v(BC) tende a zero.

Algumas conclusões interessantes que a situação apresentada mostrou, é que mesmo ao usar os vetores do Cabri Géomètre I I , [Lg] não desaparece mesmo que os pontos [A], [B] e [C] coincidam e mesmo que os vetores se anulem, ou seja, com base nestas informações, se pode dizer que o

apresentação de exemplos e contra-exemplos no processo de validação por demonstração foi possível averiguar que a conjectura proposta era uma proposição falsa.

Além da matemática produzida pelos alunos, estes puderam compreender o significado do saber matemático, pois haviam construído matemática. Neste sentido, ao favorecer investigações por parte dos alunos, não se está somente apresentando uma “metáfora educacional”, mas sim, surge a possibilidade de se vivenciar uma experiência matemática que seja significativa.

Na situação acima, tive oportunidade em ser o professor destes três alunos, e o que mais me chamou atenção foi à mudança de postura que estava ocorrendo quando adotava a investigação matemática enquanto método de ensino.

Deveria deixar a postura de um “professor que sabe”, para me colocar frente os alunos como um orientador mais experiente que não possui todas as respostas, mas que pode indicar alguns rumos e novos caminhos. Neste aspecto, favorecer investigações matemáticas modifica não somente a postura dos alunos, mas também do professor de matemática que precisa compreender o papel da pesquisa pela prática.

Ponte (2003: p. 25) considera que todos os alunos de matemática em quaisquer níveis deveriam experimentar este tipo de atividade no ambiente escolar, no entanto, realizar este tipo de atividade, em relação ao ensino que é realizado no Brasil exige uma grande mudança de postura do professor.

Pode sempre programar-se o modo como começar uma investigação, mas nunca se sabe como ela irá acabar. A variedade de percursos que os alunos seguem, os seus avanços e recuos, as divergências que surgem entre eles, o modo como a turma reage às intervenções do professor são elementos largamente imprevisíveis numa aula de investigação.

Segundo Ponte (2003: 21), existem quatro momentos na realização de uma investigação matemática. Basicamente são estes momentos:

i) Exploração e formulação de questões: É o momento em que se reconhece uma situação problema e são realizadas as experimentações iniciais para investigação matemática;

ii) Conjecturas: É a organização dos dados após os testes iniciais que visam a formulação de conjecturas para investigação;

iii) Testes e reformulação: Trata-se da realização de testes e a reformulação de conjecturas;

iv) Justificação e avaliação: Trata-se da justificação de uma conjectura, bem como, da avaliação do raciocínio bem como de seus resultados.

A seqüência que Ponte (2003) apresenta acima, relativos à investigação matemática é correlatos à Seqüência Fedathi que nesta pesquisa foi adotado como metodologia para favorecer o processo investigativo, no entanto, vale discutir posteriormente os aspectos similares e distintos destas idéias em relação a Seqüência Fedathi.

Ponte (2003: p. 25-53), menciona que a aula de investigação possui três fases distintas:

a) Introdução da tarefa: Momento em que o professor faz a proposta a turma oralmente ou por escrito;

b) Realização da investigação: Momento de pesquisa dos alunos seja individualmente, ou aos pares, ou em pequenos grupos, ou ainda, com toda a turma; c) Discussão dos resultados: Momento em que os

Ambas seqüências que Ponte (2003) apresenta, são similares as idéias que temos desenvolvido no Laboratório Multimeios FACED/UFC sobre a Seqüência Fedathi, no entanto, a aplicação das investigações matemáticas que está sendo realizado no Laboratório Multimeios enfatiza situações de ensino- aprendizagem em investigações matemáticas com uso de tecnologias computacionais. Portanto, tendo compreensão do que seja uma investigação