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3.3 Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo:

3.3.1 FEA: contextos locais e processo de criação e consolidação do curso de Ciências

Na esfera do ensino superior, a contabilidade contribuiu para a criação, em 25 de janeiro de 1946, por meio do Decreto-Lei nº 15.601, da FCEA92, instalada como dependência da USP. Conforme o decreto de criação dessa universidade, em 1934, o Instituto de Ciências Econômicas e Comerciais, previsto e não instalado, tinha por fim promover a alta cultura econômica e comercial, além de fornecer preparação científica para as profissões e ofícios de direção, atinentes a atividade econômica comercial e funcionaria com três cursos fundamentais: (1) Economia e Finanças; (2) Atividades Bancárias; e (3) Comércio. (BRASIL, 1946).

Como o ensino, em 1946, era organizado em cátedras, determinou-se, no decreto de criação, as cadeiras do Instituto de Ciências Econômicas e Comerciais, como: 1) Economia Política; 2) Estatística Metodológica, Demográfica e Econômica; 3) Ciência das Finanças e Direito Financeiro; 4) Política Econômica; 5) Geografia Econômica; 6) História Econômica;

92Acerca das condições sob as quais evoluiu historicamente o ensino de Economia, Administração e Ciências

Contábeis, Canabrava (1984a, p. 22-23) explica que, rimeira República, várias vertentes lhe asseguraram o surgimento e a expansão, sob formas diferentes de ensino, em grau e enquadramento, todas voltadas para a consideração de fenômenos econômicos, mas limitadas a uma visão parcial que, embora rica de conteúdo, lhe prejudicava a perspectiva global, as Aulas de Comércio (1809), as Faculdades de Direito (1827), as Faculdades de Engenharia (1873) e as Faculdades de Filosofia (1934), antes que se concretizasse a vertente atual, representada pelas Faculdades de Economia, Administração e Contabilidade (1945). Cada uma dessas vertentes expressa objetivos concretos perseguidos pelas elites dominantes e vinculados a uma concepção sobre o desenvolvimento do país. A primeira vertente, a das Aulas de Comércio, mergulha profundamente no Brasil-Colônia e se prolonga com a hegemonia dos interesses mercantis; em consequência, a atividade comercial tem seu primado na visão do quadro econômico nacional. A segunda e a terceira vertentes, desenvolvidas nas Faculdades de Direito e de Engenharia, ligam- se precipuamente à preocupação das elites com respeito ao Estado Nacional, cuja estrutura jurídica se elaborava com os sucessivos códigos, ao longo do Império e dos primeiros anos da República, ao mesmo tempo em que, ao expandir-se o povoamento e a exploração do território, ganhava maior importância o conhecimento do meio físico e suas potencialidades a requerer qualificação técnica. A quarta vertente, a das Faculdades de Filosofia, expressa o interesse pelo conhecimento do homem em sociedade, com o amadurecimento do espírito científico propiciado pela fundação da Universidade de São Paulo, no prenúncio da emergência do Brasil moderno. Finalmente, a vertente atual, quando o ensino da Economia e Administração (e Contabilidade) alcança especificidade própria, ao se instituir o padrão oficial de nível industrial .

7) Instituições de Direito Privado; 8) Instituições de Direito Público; 9) Direito Comercial, Industrial e Marítimo; 10) Matemática Financeira; 11) Merceologia; 12) Cálculo de Contabilidade Geral e Aplicada; 13) Técnica Mercantil e Bancária; e 14) Organização Científica do Trabalho. Kwasnicka (1985) explica que a distribuição e a seriação dessas cadeiras, a administração da escola e a normalização dos cursos, bem como as condições para se obter licença ou doutoramento em cada uma das seções, seriam fixadas nos Estatutos da Universidade de São Paulo.

Quando da instalação da USP, o Instituto de Ciências Econômicas e Comerciais teria

como ção93 e a realização

de estudos e pesquisas relativos a esses ramos do conhecimento t . Apesar de não ser contemplada, a contabilidade era um fim constante no Artigo 3º do Decreto-Lei nº 15.601/1945, visto constar no mesmo que a FCEA manteria, inicialmente, dois cursos seriados, a saber: (1) Curso de Ciências Econômicas; e (2) curso de Ciências Contábeis e Atuariais. A ênfase maior apresentada em seu plano curricular, no entanto, tinha foco na formação do economista. (CANABRAVA, 1984b).

Para a regularização dos cursos, quando a FCEA foi instalada, a prioridade era a criação do curso de Ciências Econômicas e Atuária. Relatos de Ribeiro (2009a) dão conta de que a contabilidade não era considerada uma ciência e, sim, apenas uma técnica, e o próprio relator94 do processo para sua criação não conseguia entender essa distinção. Há uma valorização da Estatística como condição preestabelecida para justificar a cientificidade da contabilidade, como se percebe na transcrição de história ouvida pelo Professor Eliseu Martins de seus antigos mestres sobre a aprovação do ensino de Contabilidade em nível superior, reproduzida por Ribeiro (2009a, p. 19):

Foi criada uma comissão para defender o projeto da criação do curso de Contabilidade em nível superior, isso em 1945. [...] O professor Improta junto com mais alguns profissionais, de nomes muito conhecidos, foram ao ministro, procurando convencê-lo. O ministro resistia, dizendo: Olha, curso superior é esse de Atuária, que vou levar para o presidente assinar. Porque Atuária é Estatística, é

93Apesar de aparecer no documento legal como um fim da faculdade recém-instalada, o curso de Administração

passou a ser gestado apenas nos anos 1960, quando, em 1964, foi criado o Departamento de Administração. Embora constasse no nome da faculdade a menção ao curso de Administração, eram oferecidos, em 1964, dois cursos apenas: o primeiro, Contábeis e Atuária, e o, segundo Economia. O Prof. Sérgio de Iudícibus 2009a, p. 21).

94 No Parecer de 20/12/1945, do Prof. Zeferino Vaz, relativo ao Processo nº 8.244/1945, justifica-se a

necessidade de um curso de contabilidade (Ciências Contábeis e Atuariais) à parte do curso de Ciências Econômicas que se impunha para a formação de técnicos de contabilidade em todas as suas diversificações: contabilidade bancária, de seguros, industrial, comercial e agrícola (CANABRAVA, 1984b).

Ciência!... O professor Improta que era uma pessoa com uma presença de espírito fantástica, disse ao ministro: Contabilidade e Atuária são irmãs gêmeas, ambas mexem com Estatística, com Matemática, com contas, com números, etc. Aliás, o curso devia se chamar Contabilidade e Atuária. O ministro meio sem jeito e em tom desafiador, respondeu: Vou fazer o despacho e passar para o presidente. Você é capaz de arrumar esse texto? Me arruma uma máquina de escrever! - respondeu Improta, sem titubear. Pegou a máquina de escrever, reescreveu a mensagem do próprio ministro, reelaborando o decreto e criando o curso de Contabilidade e Atuária em nível superior. Foi assim que o curso foi reconhecido pelo ministro. (Eliseu Martins, 2009).

Sendo assim, a FEA incorpora o curso de Ciências Contábeis em sua estrutura, tornando-se seminal no ensino de contabilidade em nível superior e, desde o início de 1950, a Faculdade passou a ministrar cursos noturnos, com o objetivo de permitir àqueles alunos que já possuíam alguma atividade profissional a conciliação com os estudos acadêmicos, configurando-se, de forma mais evidente, a relação trabalho/educação que desde sempre caracterizou o ensino de contabilidade.

Até 1964, a IES ofertaria apenas os dois cursos autorizados quando de sua criação. Após esse ano, devido à reforma estrutural pela qual passou, decorrente da reformulação em seu modelo educacional, a FEA passou a oferecer cinco cursos de bacharelado: Economia, Administração de Empresas, Administração Pública, Ciências Contábeis e Ciências Atuariais95.

Os cursos foram redimensionados, com redução do número de disciplinas e as matrículas passaram a ser feitas por séries, rompendo com a anterior matrícula por disciplina, que respeitava um sistema de pré-requisitos. Sobre esse período o Professor Eliseu Martins relembra, conforme destacado em Ribeiro (2009a, p. 22):

Quando entrei, em 1964, é que estava se desmembrando o curso de Contabilidade e o curso de Atuária. E foi aí que se criou o curso de Administração na faculdade, na década de 60, quando ela foi criada. Apesar de ter o nome de Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas, o administrativo era só Contabilidade e Atuária, e só depois foram criados outros cursos. Só em 1963, ocorreu a divisão. E dos dois cursos que existiam, passaram a ser cinco. O de Contabilidade, dividido em dois, e mais o de Administração, que se dividiu em: administração de empresas e administração pública. Então quando eu e meus colegas passamos do primeiro e do segundo ano nós tínhamos cinco opções! Ficavam pouquíssimos alunos por turma!

95Em 1964, devido à reforma educacional, o curso de Ciências Contábeis e Atuariais foi reestruturado, sendo

desmembrado em dois cursos, a saber: Ciências Contábeis e Ciências Atuariais. (CANABRAVA, 1984c). A multiplicidade de cursos verificados, não foi suficiente, no entanto, para a inserção de referência à contabilidade na denominação da faculdade. Seu nome - FCEA -, foi mantido até 1969, quando então fez-se a alteração para Faculdade de Economia e Administração (FEA). Somente em 1990, é que a Faculdade incorporou, em sua denominação, o nome do curso de Contabilidade, permanecendo, no entanto, com a mesma sigla - FEA. Supõe-se a resistência à incorporação do vocábulo Contabilidade ao nome da Faculdade ao entendimento de que esta era vista como uma técnica e, ainda, porque os cursos de Economia e Administração sempre preponderavam em termos de frequência de alunos. (RIBEIRO, 2009a).

O reduzido número de alunos que procurava o curso, somado ao elevado grau de cobranças das provas de seleção, fazia com que nem sempre as vagas, do período integral ou noturno oferecidas pela faculdade, fossem preenchidas. Sobre isso, novamente, o Professor Eliseu Martins, em citação de Ribeiro (2009a, p. 23), comenta:

Em 1964, quando entrei, as aulas começaram tarde porque ocorreu um problema com as vagas do vestibular. Eram cem vagas e na época as provas eram eliminatórias e não classificatórias. Para passar no vestibular tinha que ter uma nota mínima. Mesmo tendo vaga, se você não conseguisse a nota mínima em Matemática, Português, História e nas demais matérias, não entrava! Tanto que das cem vagas foram umas setenta que foram preenchidas. Por conta disso, foi feito um segundo vestibular!

A reforma universitária, ocorrida na década de 1960, na FEA-USP, a exemplo do que aconteceria com as universidades brasileiras, promoveu, portanto, sua reorganização, tanto no quantitativo de vagas ofertadas, quanto na forma de ingresso, por meio da alteração no formato do vestibular de eliminatório para classificatório, e, ainda, alterou sua estrutura funcional para uma estrutura de departamentos. Essa departamentalização, destaca Marilena Chauí, tinha em seu projeto original a pretensão de transferir das cátedras para a maioria do corpo docente o direito às decisões. No entanto, essa departamentalização viria a ser criticada

(CHAUÍ, 2001, p. 48). A centralização, corrobora Alves (1984), gerou uma burocracia em toda a USP, cujas regras regulamentaram e contiveram o desenvolvimento e o fluir das atividades.