CAPÍTULO I SOCIEDADE, ESTADO E GOVERNO – A REPÚBLICA FEDERATIVA
1.4 A República Federativa do Brasil
1.4.1 O Federalismo no Brasil
De início, é de se destacar que a principal diferença entre os movimentos
federalistas norte americano e brasileiro é o fato de que no primeiro criou-se um governo
central por meio da incorporação das “soberanias” e de parte das competências das 13 antigas
colônias, na época já independentes do jugo inglês, perfazendo uma federação de modelo
centrípeto ou contrípeto
86; já o modelo brasileiro trilhou caminho inverso. Nossa federação
centrifugou
87as competências do governo central – já que até a proclamação da república o
Brasil era um Estado (Império) unitário, subdivido em províncias, com o monarca como seu
chefe supremo
88–, para os Estados-membros. De modo que se pudéssemos atribuir uma
imperfeição ao federalismo dos EUA, esta seria um desproporcional fortalecimento dos
Estados membros no âmbito interno, ao passo que no Brasil, a principal fragilidade seria o
desproporcional enfraquecimento dos Estados-membros se comparados com a União.
Não obstante o comentário anterior, o fato é que a partir de 1891
89até os dias
atuais o Brasil adotou a federação como forma de organização política interna, sendo que o
86
Corroborando esse pensamento, Tocqueville já dizia que o Governo dos Estados-membros é a regra, é o direito comum, já o Governo Federal é a exceção, na clara menção de que as competências da União não invadiriam as destinadas aos Estados em razão da autonomia preconizada pela Federação norte americana. Não obstante esse discurso federalista de preservação das competências estaduais, o fato é que o federalismo dos EUA não escapou ao processo de dilatação dos poderes federais e da consequente diminuição das competências estaduais, sendo que nas palavras de Bernard Schwartz “os Estados acabarão como simples relíquias de outrora florescente sistema federativo” (HORTA, 1999. p. 308.).
87 “A preferência do constituinte federal por determinada concepção de Estado Federal e a atuação desses
fatores extraconstitucionais irão conduzir, de forma convergente ou não, ao tipo real de organização federal em determinado momento histórico. Se a concepção do constituinte inclinar-se pelo fortalecimento do poder federal, teremos o federalismo contrípeto, que George Scelle chamou de federalismo por agregação ou associação; se, ao contrário, a concepção fixar-se na preservação do poder estadual emergirá o federalismo
centrífugo ou por segregação, consoante a terminologia do internacionalista francês.” (HORTA, 1999, p.
304-305)
88 Constituição Imperial de 1824:
“Art. 1. O IMPERIO do Brazil é a associação Politica de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles formam uma Nação livre, e independente, que não admitte com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se opponha á sua Independencia.
Art. 2. O seu territorio é dividido em Provincias na fórma em que actualmente se acha, as quaes poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado.
[...]
Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organisação Politica, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independencia, equilibrio, e harmonia dos mais Poderes Politicos.”
89
Constituição de 1891:
“Art 1º - A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime representativo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do Brasil.
Art 2º - Cada uma das antigas Províncias formará um Estado e o antigo Município Neutro constituirá o Distrito Federal, continuando a ser a Capital da União, enquanto não se der execução ao disposto no artigo seguinte.”
art. 60, § 4º, I
90da atual CF/88 alça à condição de cláusula pétrea
91a forma federativa de
Estado
92.
Assim, como já apontado, o art. 1º da nossa Lei Fundamental preceitua ser o
Brasil uma República Federativa, formada indissoluvelmente pela união dos Estados,
Municípios e do Distrito Federal, sendo que as suas competências
93estão constitucional e
expressamente previstas nos artigos 21, 22, 23, 24, 25, 30 e 32, § 1º, a fim de que não haja
nem conflitos, nem desperdício de esforços e recursos em face da existência de mais de uma
ordem jurídica incidente sobre o mesmo território e sobre as mesmas pessoas (MENDES;
COELHO; BRANCO; 2008, p. 799).
Relativamente às competências legislativas, pode-se dizer que o Brasil adotou um
modelo de repartição simultaneamente horizontalizado e verticalizado, isto é: há,
concomitantemente, tanto competências exclusivas (horizontais) próprias a cada um dos entes
federativos quanto competências concorrentes (verticais), próprias a alguns entes federativos,
sendo que nesse último caso as matérias legislativas de ordem geral são destinadas à União e
as envolvendo peculiaridades locais restam afetadas aos Estados, município e Distrito Federal.
Em que pese essa dupla orientação federativa adotada pela Constituição de 1988,
percebe-se facilmente uma hipertrofia das competências da União em detrimento das
competências dos demais entes federados, como dito no início deste tópico. Exemplo claro
desta afirmação são as competências legislativas da União consignadas no art. 22 (incisos de I
a XXIX)
94.
90 Constituição de 1988:
“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...]
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado”.
91 No julgamento da ADI 2.024-2, DJ de 01-12-2000, o Ministro Sepúlveda Pertence observou, tratando
justamente da imutabilidade da forma federativa prevista na Constituição de 1988, que esta “não pode ser conceituada a partir de um modelo ideal e apriorístico de Federação, mas, sim, daquele que o constituinte originário concretamente adotou, e como o adotou.” Isto porque, como bem apontado por Mendes, Coelho e Branco (2008, p. 798), embora haja traços gerais e típicos do federalismo, não há um modelo único de Estado federal, eis que, de acordo com as suas peculiaridades, esse modelo sofre alterações a fim de se adequar àquelas idiossincrasias.
92 Quase todas as Constituições anteriores também adotaram fórmula de imutabilidade similar à adotada pela
CF/88 no art. 60, § 4º, I, salvo a de 1937: Constituição de 1891 – art. 90, §4º; Constituição de 1934 – art. 178, §5º; Constituição de 1946 – art. 217, §6º; Constituição de 1967 – art. 50, §1º; EC 1/69 – art. 47, §1º.
93 “A importância da repartição de competências reside no fato de que ela é a coluna de sustentação de todo o
edifício constitucional do Estado Federal. A organização federal provém da repartição de competências, pois a repartição vai desencadear as regras de configuração da União e dos Estados, indicando a área de atuação constitucional de cada um.” (HORTA, 199, p. 309)