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Otzovismo/ultimatismo estava associado com o dualismo idealista neo-kantiano representado pelo físico e filósofo austríaco Ernst Mach, uma doutrina filosófica então muito em voga nos círculos intelectuais da Europa central. O livro de Bogdanov Empiriomonismo (1905-06) foi uma tentativa ambiciosa de reconciliar o marxismo com o neo-kantianismo. Em 1908 o companheiro de tendência de Bogdanov, Lunacharsky, aprofundou este idealismo em espiritualismo definitivo, posicionando a necessidade de uma religião socialista. A “construção de deus” de Lunacharsky foi, nem é preciso dizer, uma grande vergonha para os Bolcheviques como um todo, e até mesmo para a tendência otzovista/ultimatista.

A simpatia de Bogdanov pela doutrina filosófica neo-kantiana era não só bem conhecida como também de longa data. Até quando Bogdanov foi o representante de Lenin, e não representava em si mesmo uma tendência política distinta, seu neo-kantianismo era considerado uma particularidade pessoal entre ambos Mencheviques e Bolcheviques. Mas uma vez que Bogdanov tinha se tornado o líder de uma tendência distinta e por um tempo significativa na socialdemocracia russa, suas visões filosóficas se tornaram foco de uma controvérsia política geral. Plekhanov, em particular, explorou a doutrina de Bogdanov

41 para atacar o programa bolchevique como o produto de um flagrante idealismo subjetivo. Lenin gastou assim a maior parte de 1908 estudando para uma polêmica maior com o neo- kantianismo de Bogdanov, Materialismo e Empiriocriticismo, para livrar o bolchevismo da mancha do idealismo filosófico.

A colaboração política próxima de Lenin com Bogdanov, apesar do posterior neo-kantianismo por um lado, e sua polêmica massiva contra as visões filosóficas de Bogdanov, por outro, foram usadas para justificar desvios simétricos nessas questões por marxistas pseudo- revolucionários. Que o neo-kantiano Bogdanov foi um importante líder bolchevique é algumas vezes citado para argumentar por uma atitude de indiferença diante do materialismo dialético, uma crença de que a mais geral e abstrata expressão da visão de mundo marxiana não tem implicação na política prática e relação organizativa associada. Quando rompeu com o trotskismo em 1940, o revisionista norte- americano Max Shachtman justificou um bloco com o anti-dialético e empiricista James Burnham citando o “precedente” de Lenin e Bogdanov.

Por outro lado, a polêmica principal de Lenin contra um desvio idealista adversário do marxismo encorajou a tendência a “aprofundar” cada luta fracional trazendo questões filosóficas – reduzindo todas as diferenças políticas à questão única do materialismo dialético. Essa mistura de pomposidade e idealismo racional se tornou uma marca do grupo britânico de Healy. (O grupo de Gerry Healy/Michael Banda se tornou tão bizarro que ele não pode mais ser levado a sério, muito menos nas suas mistificações filosóficas).

Os membros do grupo de Healy justificaram seu racha de 1972 com os antes parceiros de bloco, os neo-kautskistas franceses da Organização Comunista Internacionalista (OCI), colocando a primazia da “filosofia”. Eles apelaram para a polêmica de 1908 de Lenin contra Bogdanov como um precedente ortodoxo:

“Lenin estudou incansavelmente as idéias do novos idealistas, os neo- kantianos, na filosofia, até mesmo durante a mais árdua luta prática para estabelecer o partido revolucionário na

Rússia. Quando essas idéias, na forma de “empiriocriticismo” foram reivindicadas por uma seção dos próprios Bolcheviques, Lenin fez um estudo especializado e lhes escreveu um longo trabalho, Materialismo e Empiriocriticismo.

“Lenin entendeu muito bem que os anos da extrema dificuldade e isolamento após a derrota da revolução de 1905 expuseram o movimento revolucionário à maior pressão do inimigo de classe. Ele sabia que a tarefa mais fundamental de todas era a defesa e o desenvolvimento da teoria marxista no nível mais básico, aquele da filosofia.” [nossa ênfase] – Comitê Internacional, Em Defesa do Trotskismo (1973)

Essa passagem é uma completa falsificação em diversos níveis. Para começar, a luta política de Lenin mais historicamente importante no período de reação não foi contra os bolcheviques de ultra-esquerda de Bogdanov, mas contra os mencheviques liquidacionistas. Nessa luta posterior, questões filosóficas não desempenharam nenhum papel particular. Os membros do grupo de Healy também falsificam a relação de Lenin com Bogdanov. Quando Bogdanov se tornou parte da liderança Bolchevique em 1904, ele já era bem conhecido como neo-kantiano (machiano). Lenin e Bogdanov concordavam que a tendência Bolchevique como tal não tomaria posição em controversas questões filosóficas. Lenin explica isso numa carta para Maxim Gorky, (25 de fevereiro de 1908) na qual ele defende seu relacionamento passado com Bogdanov, apesar de seu desvio filosófico posterior:

“No verão e outono de 1904, Bogdanov e eu atingimos uma completa concordância, como bolcheviques, e formamos um bloco tácito, que de forma tácita tratava filosofia como um campo neutro, que existiu ao longo da revolução e nos permitiu na revolução levantar juntos as táticas da socialdemocracia revolucionária (bolchevismo), as quais, eu estou profundamente convencido, eram as

42 únicas táticas corretas.” [ênfase no original]

Foi o menchevique de direita Plekhanov quem trouxe a questão de materialismo dialético versus neo-kantianismo para o topo da pilha com o objetivo de descreditar e rachar a liderança bolchevique revolucionária. Ao defender os Bolcheviques contra Plekhanov, Lenin foi tão longe a ponto de negar que a questão do revisionismo neo-kantiano fosse em todo relevante para o movimento revolucionário na Rússia. No congresso só composto pelos Bolcheviques em abril de 1905, Lenin declarou: “Plekhanov puxa Mach e Avenarius pelas orelhas. Ele não consegue entender nem para salvar a vida de alguém o que esses escritores, pelos quais eu não tenho a mais estreita simpatia, tem a ver com a questão da revolução social. Eles escreveram sobre experiência de organização individual e social, ou tema semelhante, mas eles nunca realmente pensaram em nada a respeito da ditadura democrática.” – “Relatório sobe a Questão da Participação dos socialdemocratas num Governo Provisório Revolucionário” (abril de 1905)

Em parte como resultado de sua luta posterior contra Bogdanov, Lenin modificou sua posição de 1905, que desenhava uma linha muito arbitrária entre diferenças políticas e filosóficas. Ele constatou que diferenças fundamentais entre marxistas sobre materialismo dialético vão provavelmente produzir divergências políticas. Entretanto, para Lenin o programa permanecia primário para a definição de políticas revolucionárias e associado à questão organizativa. Lenin nunca repudiou sua colaboração próxima com Bogdanov em 1904- 07. E ele estava absolutamente certo em se aliar com o Bogdanov socialdemocrata revolucionário, apesar de neo-kantiano, contra o o Plekhanov socialdemocrata pró-liberal, apesar de materialista dialético. Apenas quando as concepções neo-kantianas de Bogdanov se tornaram associadas com um programa político contrário e anti-marxista, foi que Lenin fez a defesa do materialismo dialético contra o idealismo filosófico uma tarefa política central.