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62 A análise de Lenin sobre a base social do oportunismo na Segunda Internacional foi primeiramente apresentada numa resolução (“Oportunismo e o Colapso da Segunda Internacional”) para uma conferência bolchevique em Berna, na Suíça em março de 1915:

“Certa camada da classe trabalhadora (a burocracia do movimento operário e a aristocracia operária, que fica com uma fração dos lucros da exploração das colônias e da posição privilegiada de suas 'terras natais' no mercado mundial), assim como simpatizantes pequeno- burgueses dentro dos partidos socialistas, proveram o suporte principal dessas tendências [oportunistas], e canais de influência burguesa sobre o proletariado.”

Essa análise simples não foi desenvolvida em nenhuma profundidade teórica ou empírica até o ano seguinte, principalmente no livro de Lenin, Imperialismo: a Fase Superior do Capitalismo (escrito no começo de 1916), e seu artigo, “Imperialismo e o Racha do Socialismo” (outubro de 1916), e no livro de Zinoviev, A Guerra e a Crise do Socialismo (agosto de 1916).

Dado o culto stalinista de Lenin e as interpretações individualistas da historiografia burguesa, não é amplamente reconhecido que Lenin trabalhou como parte de um coletivo. Durante os anos da guerra, ele teve literalmente uma divisão de trabalho com Zinoviev no qual o último se concentrou no movimento alemão. Lendo apenas os escritos de Lenin no período, consegue-se uma figura incompleta da posição bolchevique sobre a guerra imperialista e o movimento socialista internacional. Foi por isso que em 1916 os escritos de guerra de ambos Lenin e Zinoviev foram reunidos num único volume publicado em alemão, intitulado Contra a Corrente. A principal análise leninista do oportunismo na socialdemocracia alemã é o A Guerra e a Crise do Socialismo de Zinoviev, que contém uma longa seção intitulada “As raízes sociais do Oportunismo”. Essa seção chave do importante trabalho de Zinoviev foi reproduzida em inglês pela primeira vez na revista americana da corrente de Max

Shachtman, New International (março-junho de 1942).

Marxistas há muito haviam reconhecido a existência de uma burocracia operária pró- burguesa, pró-imperialista na Grã-Bretanha. Engels havia condenado bastante os líderes aburguesados dos sindicatos britânicos, relacionando esse fenômeno à dominação econômica mundial do Império Britânico. Entretanto, marxistas na Segunda Internacional consideravam o movimento operário colaboracionista de classe britânico como uma anomalia histórica, um estágio que a socialdemocracia européia havia rapidamente saltado. Ao começar sua seção sobre a burocracia operária na Alemanha, Zinoviev atesta que os marxistas haviam considerado a socialdemocracia como imune a essa casta social corrupta:

“Quando nós falávamos de burocracia operária antes da guerra, se entendia por isso quase exclusivamente os sindicatos britânicos. Nós tínhamos em mente o trabalho fundamental dos Webbs, o espírito de casta, o papel reacionário da burocracia no velho sindicalismo inglês, e nós dizíamos para nós mesmos: como temos sorte de não termos sido criados por essa imagem, como temos sorte de que este pote de mágoa tenha sido evitado no movimento operário do nosso continente.

“Mas nós estivemos bebendo por um longo tempo desse pote. No movimento operário da Alemanha – um movimento que servia como um modelo para socialistas de todos os países antes da guerra – surgiu uma casta de burocratas tão numerosa e tão reacionária quanto.” [nossa ênfase]

O triunfo do socialchauvinismo na Segunda Internacional fez Lenin reconsiderar o significado histórico da liderança operária pró- imperialista britânica. Ele chegou à conclusão de que o sindicalismo colaboracionista de classe da Inglaterra vitoriana antecipou tendências que viriam a tona quando outros países, acima de todos a Alemanha, disputassem economicamente com a Grã-bretanha e se tornassem poderes imperialistas competidores.

63 O crescimento industrial muito rápido da Alemanha, seguindo sua guerra vitoriosa em 1870, simultaneamente criou um poderoso movimento operário socialdemocrata e transformou o país em um agressivo poder mundial imperialista. Os objetivos expansionistas da Alemanha só poderiam ser realizados através de uma grande guerra. E a Alemanha não poderia ganhar uma grande guerra se enfrentasse a oposição ativa de seus poderosos movimentos proletários. Assim, as necessidades objetivas do imperialismo alemão requiriram a cooperação da liderança socialdemocrata. A derrota da revolução democrático-burguesa alemã em 1848 e a estrutura política de classe semi-autocrática resultante, tornaram a reaproximação entre os círculos dominantes e a burocracia operária mais difícil, menos evolucional que na Grã- bretanha. Daí o efeito chocante de 4 de agosto. Mas Lenin reconhecia que o processo histórico de fundo que levou ao voto por crédito de guerra do SPD em 1914 e às nomeações de ministros de gabinete pelo Partido Operário Inglês era semelhante. Em Imperialismo ele escreveu:

“Deve ser observada na Grã-Bretanha a tendência do imperialismo de dividir os trabalhadores, de fortalecer o oportunismo entre eles e causar um

decaimento temporário em oportunismo

dos interesses gerais e vitais do movimento da classe trabalhadora... “O oportunismo não pode ser completamente triunfante no movimento da classe trabalhadora de um país por décadas como foi triunfante na Grã- bretanha na segunda metade do século dezenove; mas em um número de países, ele cresceu maduro, ainda mais maduro e podre, e se tornou completamente mergulhado na política burguesa sob a forma de 'socialchauvinismo'.” [nossa ênfase]

O Imperialismo de Lenin lida com aquelas mudanças no sistema capitalista mundial que fortaleceram forças oportunistas no movimento internacional dos trabalhadores. É o trabalho de Zinoviev de 1916 que analisa concretamente as forças do oportunismo na socialdemocracia

alemã.

Zinoviev mostrou que o enorme tesouro do SPD sustentava um vasto número de funcionários que levavam confortáveis vidas pequeno- burguesas bem longe dos trabalhadores que eles supostamente representavam. Em adição a um padrão de vida relativamente alto, a oficialidade socialdemocrata tinha começado a desfrutar de um status social privilegiado. A elite dominante alemã começava a tratar o SPD e líderes sindicais com respeito, diferenciando entre os “moderados” e os radicais, como Karl Liebknecht. O efeito corruptor sobre um ex- tipógrafo e um ex-fabricante de selas, ao serem tratados como personagens importantes pela aristocracia Junker (fidalga) era considerável. Referindo-se às memórias de Scheidemann no período da guerra, Carl Schorske em seu excelente Socialdemocracia Alemã 1905-1917 (1955) comenta: “Nenhum leitor de Scheidemann pôde perder o prazer genuíno que ele sentiu ao ser convidado a discutir problemas no mesmo patamar que os ministros de Estado.” A socialdemocracia alemã tinha se tornado uma instituição pela qual jovens trabalhadores capazes e ambiciosos poderiam atingir o topo de uma sociedade de classe – e casta – altamente estratificada.

O grande trabalho de Zinoviev de 1916 corrige a ênfase em revisionismo ideológico como a causa do oportunismo que se encontra nos primeiros escritos de guerra de Lenin. De fato, a doutrina oficial e programa do SPD não refletiram sua crescente prática reformista. Muitos dos líderes socialdemocratas, esmagadoramente de origem trabalhadora, mantiveram um apego sentimental à causa socialista muito depois de terem cessado em acreditar nelas como práticas políticas. Apenas a guerra forçou o SPD a romper abertamente com um princípio socialista.

Zinoviev reconheceu a ideologia socialchauvinista como uma falsa consciência surgindo do verdadeiro papel da oficialidade do SPD na sociedade alemã wilhelminiana:

“Quando nós falamos da 'traição dos líderes' nós não dizemos com isso que foi uma conspiração profundamente armada, que foi uma venda conscientemente perpetrada dos

64 interesses dos trabalhadores. Longe disso. Mas a consciência é condicionada pela existência, e não vice-versa. A essência social inteira da casta de burocratas do trabalho levou inevitavelmente, através do ritmo

moldado pelo movimento no 'pacífico' período pré-guerra, ao completo

aburguesamento da sua 'consciência'. A posição social inteira que essa casta numericamente forte escalou subindo nas costas da classe trabalhadora a tornou um grupo social que objetivamente deve ser considerado como uma agência da burguesia imperialista.” [ênfase no original]

Os anarco-sindicalistas aplaudiram o ataque marxista revolucionário contra a burocracia socialdemocrata e proclamou: nós avisamos. Assim, os Bolcheviques, ao atacarem a socialdemocracia oficial, distinguiram sua posição cautelosamente da dos anarco- sindicalistas. Zinoviev colocou que a existência de uma poderosa burocracia era, em certo sentido, um produto do desenvolvimento e da força do movimento operário de massa. A resposta anarco-sindicalista para o burocratismo apontava para a auto-liquidação do movimento dos trabalhadores como uma força organizada objetivamente capaz de destruir o capitalismo. Se a burocracia reformista suprimia o potencial revolucionário do movimento dos trabalhadores, os anarco-sindicalistas propunham desorganizar tal movimento até a impotência.

Zinoviev manteve que a burocracia não era idêntica a uma ampla organização partidária e a funcionários sindicais. Ao contrário, tais aparatos eram necessários para liderar a classe trabalhadora ao poder. A tarefa decisiva era a subordinação dos líderes e funcionários do movimento trabalhista aos interesses históricos do proletariado internacional:

“No tempo da crise sobre a guerra, a burocracia do trabalho atuou no papel de um fator reacionário. Isso está sem dúvida correto. Mas isso não significa que o movimento operário será capaz de se manter sem um grande aparato organizativo, sem um espectro inteiro de pessoas dedicadas especialmente ao

serviço nas organizações proletárias. Nós não queremos voltar ao tempo em que o movimento dos trabalhadores era tão fraco que ele podia continuar sem seus próprios empregados e funcionários, mas ir ainda mais adiante para o tempo em que o movimento operário seja algo diferente, em que o forte movimento do proletariado irá subordinar a camada de funcionários a ele próprio, em que a rotina será destruída, a corrosão burocrática chicoteada; um tempo que trará novos homens à superfície, insuflar neles coragem para lutar, completá-los com um novo espírito.”

Não existe uma solução organizativa mecânica para o burocratismo no movimento dos trabalhadores ou mesmo em seu partido de vanguarda. Combater o burocratismo e o reformismo envolve uma luta política contínua contra a influências e pressões de todos os lados que a sociedade burguesa busca lavar ao movimento dos trabalhadores, à suas várias camadas e à sua vanguarda.

A Posição Leninista Sobre a Aristocracia