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O relatório para a conferência de Bruxelas em julho de 1914 foi a mais elucidativa justificativa de Lenin para o racha e a criação de um Partido Bolchevique em separado. Ele procurou apresentar o caso bolchevique da forma mais

55 favorável possível diante da opinião socialdemocrata da Europa Ocidental. Assim, o relatório provavelmente não expressa completamente as visões de Lenin sobre as relações bolchevique-menchevique.

O relatório apresenta dois argumentos básicos, um político e o outro empírico. O argumento político básico de Lenin é que a maioria dos Mencheviques, ao rejeitar a organização clandestina como o partido, se colocava qualitativamente à direita dos oportunistas (por exemplo, Bernstein) nas socialdemocracias da Europa Ocidental:

“Nós vemos o quão enganada é a opinião de que nossas diferenças com os liquidacionistas não são mais profundas e de que são menos importantes que aquelas entre os assim chamados radicais e os moderados na Europa Ocidental. Não há sequer um único – literalmente nenhum – partido europeu que tenha estado na ocasião de ter de adotar uma decisão geral contra pessoas que desejavam dissolver o partido e

substituí-lo por um outro!

“Em nenhum lugar da Europa Ocidental houve alguma vez, ou poderia ter havido, uma discussão sobre se é permissível carregar o título de membro do partido e

ao mesmo tempo reivindicar a

dissolução de tal partido, argumentar que o partido é inútil e desnecessário, e que outro partido o substituísse. Em lugar nenhum lugar da Europa Ocidental se coloca a questão sobre a preocupação com a própria existência do partido como entre nós...

“Isso não é um desacordo sobre uma questão organizativa, de como o partido deveria ser construído, mas um desacordo que diz respeito à própria

existência do partido. Aqui, conciliação,

concordância e compromisso estão completamente fora de questão.” [ênfase no original] – “Relatório do CC do POSDR para a delegação da Conferência de Bruxelas” (junho de 1914)

Essa visão do liquidacionismo menchevique é

superficial, focando na forma específica, mais do que no conteúdo político, do oportunismo socialdemocrata. A crença de Lenin de que os mencheviques russos estavam à direita de Bernstein, Jaures, etc. acabou se mostrando falsa. A guerra gerou o pequeno grupo Internacionalistas, seguidor de Martov, que serviu de contraponto aos Mencheviques se posicionando não apenas à esquerda dos socialpatriotas alemães Ebert/Noske, mas também à esquerda dos centristas do SPD Kautsky/Haase. A raiz causal do liquidacionismo organizativo dos Mencheviques em 1908-12 não era que Martov/Potresov estavam qualitativamente à direita de Bernstein e Noske, mas na verdade que Lenin, o líder formal do POSDR, estava à esquerda de Bebel/Kautsky.

A maior parte do relatório para a conferência de Bruxelas busca demonstrar empiricamente que “uma maioria de quatro quintos dos trabalhadores com consciência de classe da Rússia se mantiveram juntos a decisões e corpos criados pela conferência de janeiro [em Praga] de 1912”. É importante enfatizar que isso não era um argumento apenas para consumo público. Para Lenin, uma dos critérios decisivos de um partido realmente socialdemocrata era a extensão de seu reconhecimento operário. Em suas notas

privadas para Inessa Armand, ele escreveu:

“Na Rússia, aproximadamente todo grupo ou 'tendência'... acusa o outro de

não ser um grupo de trabalhadores. Nós

consideramos essa acusação, ou ainda, argumento, essa referência à significância social de um grupo em particular, extremamente importante em

princípio. Mas precisamente porque nós

a consideramos extremamente importante, nós julgamos nosso dever não fazer declarações vazias sobre a significância social de outros grupos, mas pautar nossas declarações com fatos

objetivos. E esses fatos objetivos

provam absolutamente e de maneira irrefutável que o pravdismo [bolchevismo] sozinho é uma corrente dos trabalhadores na Rússia, onde liquidacionismo e socialismo- revolucionário são de fato correntes

56 intelectualistas burguesas.” [ênfase no original] – Idem.

Como pode ser visto da citação acima, caso os Mencheviques tivessem nesse período adquirido uma significativa base operária, Lenin teria que ou adotar uma atitude mais conciliatória com relação a eles ou justificar o racha em princípios mais gerais.

A visão de Lenin dos Mencheviques como uma corrente intelectualista pequeno-burguesa externa ao movimento dos trabalhadores era impressionista. A onda de patriotismo e defensismo nacional que arrastou as massas russas nos primeiros anos da guerra beneficiou os Mencheviques oportunistas às custas dos leninistas, que eram derrotistas intransigentes. Quando a revolução russa ocorreu em fevereiro de 1917, os Mencheviques eram muito mais fortes em relação aos Bolcheviques do que eles tinham sido até 1914.

Entre 1912-14, as inumeráveis polêmicas de Lenin contra a unidade com os Mencheviques apresentaram uma série de diferentes argumentos. Alguns desses argumentos eram estreitos ou empíricos, como os do relatório para a conferência de Bruxelas. Entretanto, em outros escritos, Lenin antecipou o racha em princípios com os oportunistas no movimento operário, que define o partido comunista moderno. Assim, em uma polêmica em abril de 1914 contra Trotsky, intitulada “Unidade”, Lenin escreve:

“Não pode haver unidade, federativa ou qualquer outra, com políticos liberal- trabalhistas, com desviantes do movimento da classe operária, com aqueles que desafiam a vontade da maioria. Pode e deve haver unidade entre todos os marxistas consistentes, entre todos aqueles que permanecem junto a todos os ensinamentos do marxismo e os slogans sem seguidismo, independente de todos os liquidacionistas e separados deles. “Unidade é uma grande coisa e uma grande palavra de ordem. Mas o que a causa dos trabalhadores precisa é da

unidade dos marxistas, não da unidade

entre marxistas e oponentes e

desvirtuadores do marxismo.” [ênfase no original]

Entretanto, não foi até 4 de agosto de 1914, quando a bancada parlamentar da socialdemocracia alemã votou por créditos de guerra, que Lenin foi levado a entender o significado épico da passagem acima, para o seu racha com os Mencheviques russos. Só então Lenin buscou que os marxistas consistentes, ou seja revolucionários, rompessem com todos os políticos liberal- trabalhistas e todos os oponentes e desvirtuadores do marxismo. Ao fazer isso, ele criou no comunismo uma doutrina e um movimento histórico mundial revolucionário, o marxismo da época da agonia mortal do capitalismo.

7. Em Direção à Internacional

Comunista

O evento que transformou Lenin de um socialdemocrata revolucionário russo no líder fundador do movimento comunista mundial pode ser precisamente datado – 4 de agosto de 1914. Com o começo da Primeira Guerra Mundial, a bancada parlamentar do SPD alemão votou unanimemente em favor de créditos de guerra para o Reich. Tendo agora experimentado mais de 60 anos de traições socialdemocratas e stalinistas dos princípios socialistas, é difícil hoje para nós entender o impacto absolutamente chocante de 4 de agosto sobre os revolucionários da Segunda Internacional. Luxemburgo sofreu um colapso nervoso em reação à onda de nacional- chauvinismo que varreu o movimento socialdemocrata alemão. Lenin a princípio se recusou a acreditar no relatório sobre a votação no Reichstag do órgão do SPD, Vorwärts, descartando aquela edição como uma farsa feita pelo governo do Kaiser.

Para socialdemocratas revolucionários, 4 de agosto não apenas simplesmente destruiu suas ilusões num partido em particular e sua liderança, mas desafiou toda a sua visão política mundial. Para marxistas da geração de Lenin e Luxemburgo, o progresso da socialdemocracia,

57 melhor representado na Alemanha, tinha parecido firme, irreversível e inexorável.

O Significado Histórico da Segunda