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4. A ATUAÇÃO DA MISSÃO MÉDICA BRASILEIRA NA GRANDE GUERRA

4.3. O FIM DA GUERRA É O FIM DA MISSÃO MÉDICA?

Em 11 de novembro de 1918, às 11 horas da manhã, a Grande Guerra chegava ao final. Com a rendição dos alemães, o Brasil se encontrava ao lado dos vitoriosos. A alegria pela assinatura do armistício se mistura com a insegurança no que se referia ao destino da Missão Médica. Pesava, neste momento, a quantidades de membros em atuação na França e, logo, colocava-se em cheque a permanência da missão no país, bem como a continuidade do hospital brasileiro em Paris:

Se o governo francez fechava muitos de seus hospitaes, se por outro lado dispensava do serviço de saude militar muitos de seus medicos, isto desde dezembro e progressivamente até hoje, não é justo que continuemos aqui nós, muitos sem nada fazer quando temos em Paris mais de uma dúzia de medicos militares, numero sufficiente, numero mesmo exaggerado para cuidar dos convalescentes e alguns doentes que o coronel Nabuco com grande difficuldade tem conseguido para nosso hospital470.

No final de dezembro, através de uma carta do dia 21, podemos perceber que houve a intenção de mandar a Missão Médica ao Oriente para auxiliar os soldados em necessidade:

Tendo o Governo Francez sollicitado o nosso auxílio medico para o Exercito Francez do Oriente (Salonica, Constantinopla, Bucarest, Sophia, etc) preciso saber com urgencia quaes os medicos d'essa équipe que desejariam fazer parte da Equipe que ora organisamos para o Oriente. A partida deve ter logar dentro de 15 dias. A sua resposta pessoal é-me necessária471.

Apesar de a correspondência indicar a necessidade de agilidade, sabemos que a Missão acabou não se dirigindo ao oriente próximo. É possível que, neste período de 15 dias, os franceses tenham desistido do apoio e desmobilizado seus exércitos de prontidão naquela área.

Enquanto isso, a quantidade de internos do hospital continuava a caindo à níveis críticos:

Para se aquilitar essa difficuldade basta relatar o que o dr. Mario Kroef, distincto medico de nossa marinha e brioso official contou-nos. Estava elle de plantão no hospital quando pela manhã uma enfermeira veio lhe communicar que certo doente desejava alta. O official retrucou que não se tratava com elle mas com o medico do dia. Foi quando a enfermeira com velado sorriso lhe fez ver que o

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A MISSÃO medica que o Brasil enviou à Europa. O que nos diz um dos seus membros, em cartas que de Paris nos remetteu. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, p. 3, 25 abr. 1919. p. 3.

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doente era um morador da rua Vaugirard, ali mesmo ao lado e que elle talvez continuasse no hospital, se o consentissem todos os dias ir passar algumas horas em casa a passeio. O dr. Mario Kroef perguntou então por que não se dava logo a alta que elle pedia. Respondeu-lhe muito apprehensiva a enfermeira: “mas assim o hospital se fecha por falta de doentes”472

. Entretanto, a situação se alterou em poucos dias:

Ella, coitada, não conhecia a coragem e a habilidade do chefe da missão. Dias depois, com effeito, nosso hospital tinha quasi 200 doentes; houve hospital em Paris que se fechou completamente e enviou doentes para elle; este porém nunca se fecharia emquanto o coronel Nabuco estivesse com as redéas nas mãos473.

Mesmo que a conflito não produzisse novos feridos, ainda havia muitos militares com sequelas ou em estado de recuperação. Nos casos de cirurgia reparadora, a hospitalização poderia durar meses. Com a organização oficial do Hospital Militar em dezembro, o serviço de estatística do mesmo, por meio da intendência, começa a produzir os dados de entrada e saída de pacientes. Percebe- se, cada vez mais, a cada de pacientes ao longo de 1919.

472

A MISSÃO medica que o Brasil enviou à Europa. O que nos diz um dos seus membros, em cartas que de Paris nos remetteu. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, p. 3, 25 abr. 1919. p. 3.

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Gráfico 2 – Entrada e saída de pacientes do Hospital Militar Brasileiro (1919)

Fonte: Elaborado pelo autor474

Gráfico 3 – Ocupação de leitos/pacientes do Hospital Militar Brasileiro (1919)

Fonte: Elaborado pelo autor475

474

Tendo como base: AHEx. MisPaz. Caixa 5. Pasta 2; AHEx. MisPaz. Caixa 5. Pasta 7.

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A almejada pretensão inicial de organizar 500 leitos não foi atingida, sendo operacionalizados apenas 300 vagas permanentes, com possibilidade de expansão, conforma necessidade. Porém, mesmo assim, a taxa de ocupação oscilou entre 75% e 50% do total de leitos. Percebe-se a taxa de ocupação em declínio ao longo de todo o ano de 1919 (com uma pequena alta em julho), bem como um predomínio das altas em relação às entradas.

Em seu ápice, conforme testemunho de George Dumas, o Hospital Militar Brasileiro tornou-se referência em qualidade de atendimento. Tendo inclusive recebido oficiais que desejavam ser pacientes no hospital brasileiro, vindo do hospital militar procurado de paris.

O Hospital Brasileiro [...] tornou-se um centro de atração dos feridos, que o preferiam a qualquer outro. Os médicos brasileiros estão subvertendo os internados do Hospital Val de Grace, tanto são os soldados e oficiais, que diariamente pedem alta para se internarem no Hospital Brasileiro476.

Entretanto, o atendimento de oficiais exigiu a reorganização do espaço hospitalar, afastando os soldados dos oficiais:

Pôsto que os oficiais não podiam ser alojados junto com os soldados, por uma questão de hierarquia militar e não havia quartos isolados, a direção do nosso hospital foi forçada a transformar um salão de leitura, dos soldados convalescentes, em enfermaria para oficiais. Não preciso ressaltar o elevado significado deste gesto, revelador do critério e da estima em que eram tidos nossos serviços477.

Ao longo da duração da Missão as instalações do Hospital Militar Brasileiro receberam diversas visitas de autoridades a fim de certificar a qualidade dos serviços prestados. Em fins de dezembro M. Mourier, sub-secretário do Serviço de Saúde Pública e o General Février, Diretor do Serviço de Saúde de Paris visitaram o hospital atestando, conforme noticiado no Figaro, “[...] a organização perfeita de hospital modelo que ele [Nabuco de Gouveia] conseguiu criar do zero”478. Olinto de Magalhães, Ministro em Paris, também acompanhou a visita. Em 24 de janeiro o Diretor da Faculdade de Medicina de Paris, Georges Henri Roger, também visitou o

476

MONTENEGRO, Benedicto. Os meus noventa anos. São Paulo: e.a, 1978. p. 124-125.

477

Ibid., p. 125.

478

Tradução livre de: "[...]l'organisation parfaite de l'hôpital modèle que celui-ci a réussi à créer de

prédio479. Nos meses seguintes, diversos chefes de serviços e de enfermaria receberam medalhas da Legião de França pelos bons serviços.

Muitos dos elogios referentes à qualidade do hospital têm relação com o dinheiro aplicado pelo governo neste esforço de guerra. Todo o equipamento hospitalar foi comprado na França, onde os preços foram altos ao longo de toda a Guerra. O major Malan D’Angrogne, que foi delegado militar do Brasil na Conferência de Paz, apontando a situação confortável do hospital e de seus membros, chamava a Missão de “embaixada médica de ouro”480.

Apesar das dificuldades e elevados custos para manter uma centena de médicos na Europa, o Brasil estava entre os vitoriosos e os delegados brasileiros da Conferência de Paz faziam o possível para passar uma boa imagem do país, mesmo quando o presidente Delfim Moreira decidiu por acabar com a Missão Médica. Epitácio Pessoa enviou telegrama ao Ministro das Relações Exteriores, Domício da Gama, explicando a situação:

TELEGRAMA DE PARIS

Informado particulamente Agencia Havas recebeu telegrama que aliás não publicou dizendo Governo resolveu extinguir missão médica e mandou entregar desde já material General Aché julgo meu officio pedir Vocencia exponha Presidente Republica Ministro Guerra grande inconveniencia medida. Perante opinião aqui nossa collaboração guerra foi nenhuma sendo isto motivo recriminações repetidas má vontade nossas pretenções. Serviços hospital estão nos reabilitando perante essa opinião. Se Governo suspende de chofre voltarão prevenções então mais aggravadas contribuindo augmentar dificuldades Delegação perante Governo e delegados francezes. Há actualmente 312 feridos recolhidos hospital. Justamente neste momento Governo francez empenhou-se augmento numero de leitos. Imagine Vocencia péssimo effeito causaria se respondêssemos pedindo elles transfiram a seus hospitaes doentes existentes visto Brasil ter resolvido dissiolver missão medica. Ignoro motivo acto nosso Governo; quaesquer porem elles sejam parece-me poderão autorisar outras medidas nunca extincção hopital agora. Cordeaes saudações.

EPITACIO PESSOA481

479

ECHOS. Le Matin, Paris, 24 jan. 1919. p. 2.

480

MENDONÇA, Valterian Braga. A Experiência Estratégica Brasileira na Primeira Guerra

Mundial, 1914-1918. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Universidade Federal Fluminense,

Centro de Estudos Gerais, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de Ciência Política, Programa de Pós-Graduação em Ciência Política. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2008.

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O pedido de Epitácio Pessoa foi atendido em parte: poucos dias depois, em 19 de fevereiro de 1919482, foi assinado o decreto de extinção da Missão Médica. O hospital, porém, continuou funcionando.

A Missão Médica teve pouco tempo de atuação, cerca de 6 meses desde sua chegada em território francês. Com o governo brasileiro considerando não ser mais necessária a missão, restava ao chefe começar a reduzir o seu contingente. No mês seguinte, março, pouco a pouco os médicos foram ordenados a retornar ao Brasil e encerrava-se a participação brasileira na guerra. Apesar de acabar com a Missão Médica, o governo decidiu manter o hospital em funcionamento por tempo indeterminado, pois ainda existiam mais de 300 pacientes em atendimento. Assim, os médicos de carreira da Marinha e do Exército ficaram de prontidão no hospital, sob os cuidados da Missão Aché.