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2. O BRASIL E A GRANDE GUERRA

2.1. UMA GUERRA EUROPEIA?

2.1.1 Os antecedentes do conflito

Antes da Grande Guerra, vivíamos a Belle Époque, um período repleto de vanguardas artísticas e culturais, com importante desenvolvimento tecnológico e de comunicações. Era a época dos teatros, dos cinemas e dos cafés. Porém, era um período de paz apenas aparente, quando os conflitos e tensões escondiam-se entre as rendas dos vestidos e as fitas das cartolas.

Segundo Max Hastings85, é possível caracterizar a Europa deste período como sendo marcada por diversas mudanças tecnológicas e, também, pela decadência de antigos ordenamentos sociais. Segundo ele,

Era preciso estar firmemente decidido a ignorar tudo o que se passava de extraordinário no mundo para ver os primeiros anos do século XX como uma época de tranqüilidade, menos ainda de contentamento. Pelo contrário, havia neles um fermento de paixões e frustrações, de novidades científicas e industriais, de ambições políticas irreconciliáveis,

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Questões debatidas para o cenário brasileiro incluem a inflação, as importações e exportações, o estabelecimento ou não de indústrias no nosso país, cotação de empresas estrangeiras no Brasil, entre outros. Prosperam diversos trabalhos, em geral datados no período de auge da história econômica: ALBERT, Bill. South America and the First World War. Cambridge: Cambridge Uniersity Press, 1988; ROSENBERG, Emily S. Anglo-American Economic Rivalry in Brazil During World War I. Diplomatic History, v. 2, n. 2, p. 131–152, abr. 1978; FRITSCH, Winston. Brazil and the Great War, 1914-1918. Texto para discussão - Departamento de Economia PUC-RJ, Rio de Janeiro, n. 62, p.1-59, jan. 1984.

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que levou muitos de seus principais personagens a reconhecerem que a velha ordem não teria como se sustentar86.

Havia uma grande pressão social pela melhoria de salários das classes trabalhadoras e as nobrezas, em diversos países, começavam a demonstrar fragilidade. Além disso, uma série de conflitos ocorridos nas décadas que antecederam o início da guerra deixavam o ambiente tenso, com diversas pendências e questões mal resolvidas entre as nações. A “estrada do armagedom” que levou à guerra foi repleta de conflitos menores entre os principais países que se confrontariam futuramente: o conflito anglo-francês (1899); a disputa franco-alemã pela Alsácia e Lorena (1870), e, posteriormente, na África (1905-1911); a questão dos Balcãs (1908, 1912-1913); conflitos pela Pérsia e Afeganistão (Inglaterra e Russia, 1907); pela Turquia (Alemanha e Inglaterra, 1908), entre outros87.

As versões para explicar as origens do conflito são as mais diversas e não escaparam a visões ideologizadas. Para os analistas marxistas, por exemplo, durante muito tempo, a guerra teria sido um inevitável confronto entre imperialismos. Os membros da Segunda Internacional de partidos socialistas, que se reuniu durante a Grande Guerra, apontavam neste sentido, percebendo as guerras, de um modo geral, como inerentes à natureza do capitalismo88. Recentemente, o livro “Impérios em Guerra” de Robert Gerwarth e Erez Manela, analisa a partir de uma abordagem audaciosa, mas necessária, que os processos de violência e expansão da Grande Guerra não se encontravam somente entre 1914 e 1918, mas se iniciavam em 1911 com ataque da Itália aos otomanos e finalizavam no tratado da Turquia em 192389. Para os autores “devemos olhar para a Primeira Guerra Mundial não apenas como uma guerra entre Estados-nações europeus, mas principalmente como uma guerra entre impérios globais e multiétnicos”90.

O aumento das ambições territoriais e do nacionalismo levou a opinião pública a realmente esperar uma guerra. No entanto, se esperava por uma guerra

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HASTINGS, Max. Catástrofe - 1914: a Europa vai a Guerra. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. p. 39-40.

87

SCHILLING, Voltaire. Imperialismo e I Guerra Mundial. Porto Alegre: Movimento, 1994. p. 38.

87

Ibid., p. 25-27.

88

FERGUSON, Niall. O horror da guerra: uma provocativa análise da Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Planeta, 2014. p. 95.

89

GERWARTH, Robert; MANELA, Erez. Impérios em Guerra: 1911-1923. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2014.

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rápida, romantizada, e não nos moldes da que estava por vir. Hastings destaca a polarização existente entre a “Tríplice Aliança” (Alemanha, Áustria-Hungria) e a “Tríplice Entente” (França, Grã-Bretanha e Rússia), apontando que a possibilidade de um conflito não era uma realidade distante:

Muitos europeus esperavam, com diferentes graus de entusiasmo, que suas duas alianças rivais, cedo ou tarde, entrassem em choque. Longe de ser vista como impensável, a guerra continental era tida como resultado altamente plausível, e de modo algum intolerável, das tensões internacionais91.

Com este horizonte em vista, diversas nações tinham “planos de guerra” mesmo antes do conflito, em que procuravam reaver antigos territórios ou mesmo conquistar novos. Os alemães, por exemplo, possuíam o denominado “Plano Schlieffen”, que previa, primeiramente, uma ofensiva sobre a França e depois sobre a Rússia, além da conquista de algumas posses coloniais92. Os franceses, por sua vez, tinham seu “Plano XVII”, em que objetivavam atacar e recuperar os territórios da Alsácia e Lorena, que se encontravam sob domínio alemão desde 187093.

Outra ideia recorrente nos trabalhos sobre a guerra é relativa a uma corrida armamentista, inclusive de supremacia naval94, e ao aumento de recrutamento militar, em tempos de paz, nos países europeus. Isto teria aumentado as tensões políticas já existentes e seria um elemento a mais nesta “panela de pressão” pronta para explodir que era o continente europeu. Entretanto, essa visão foi superada pelo trabalho de Niall Ferguson, que relativizou o papel do armamento em prol de uma análise do papel dos tomadores de decisão95.

Apesar dos diferentes elementos, por vezes até controversos, que compõem o cenário pré-guerra, a bibliografia é unânime ao apontar seu estopim como tendo origem, em junho de 1914, através de atentado contra o herdeiro do Império Austro- Húngaro.

91

HASTINGS, Max. Catástrofe - 1914: a Europa vai a Guerra. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. p. 65.

92

SCHILLING, Voltaire. Imperialismo e I Guerra Mundial. Porto Alegre: Movimento, 1994. p. 38.

93

Ibid., p. 39.

94

HASTINGS, op. cit., p. 45.

95

FERGUSON, Niall. O horror da guerra: uma provocativa análise da Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Planeta, 2014.

2.1.2 1914: eclosão e desenvolvimento da Grande Guerra

Em 28 de junho, Francisco Ferdinando, sobrinho do Imperador Francisco José, e herdeiro do Império Austro-Húngaro, visitava a cidade de Sarajevo, capital da Bósnia-Herzergovina, com sua esposa, quando foi alvo de um atentado cometido por um grupo de nacionalistas sérvios96. O principal gatilho desta ação foi o jovem Gravilo Princip, membro de uma organização chamada Mão Negra, que sequer imaginava a dimensão de seus atos97.

O atentado havia desestabilizado a Europa, entretanto, não foi a razão da eclosão guerra. Segundo Hasting, “em vez de oferecer uma ‘causa’ autêntica para a Primeira Guerra, o assassinato do arquiduque Franz Ferdinand da Áustria-Hungria foi explorado para justificar o desencadeamento de forças já atuantes”98. Curiosamente, Hastings ainda aponta a ironia existente no fato de que, provavelmente, o único homem que poderia usar sua influência para evitar a guerra seria o próprio Franz Ferdinand99. Com a morte do arquiduque herdeiro, “a Aústria decidiu quase de imediato responder ao assassinato [...] invadindo a Sérvia”100. Assim, cerca de um mês após o atentado, em 28 de julho de 1914, a Guerra tem seu início. Após a ameaça dos austríacos, os russos reagem, com apoio da França. Os alemães, por sua vez, avançam sobre o território francês, e a Inglaterra também decide entrar na luta. Apesar de algumas leituras apontarem a marcha para a guerra como uma sucessão de acidentes diplomáticos, obras recentes colocam que todos os líderes das grandes nações agiam de modo racional, com objetivos bem definidos101.

Nas semanas seguintes ao atentado, as nações europeias (com exceção, inicialmente, da Itália e do Império Otomano) iniciaram a mobilização geral de seus exércitos102 e, em poucos dias, um intrincado sistema de alianças se formou, de

96

BECKER, Jean-Jacques. A Grande Guerra. Portugal: Publicações Europa-América, 2005. p. 18.

97

O livro “The Trigger”, de Tim Butcher, detalha o atentado, a biografia de Princip, bem como a sua perseguição e prisão. Cf. BUTCHER, Tim. The Trigger: Hunting the Assassin Who Brought the World to War. Nova Iorque: Grove Press, 2014.

98

HASTINGS. Max. Catástrofe - 1914: a Europa vai a Guerra. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. p. 27. 99 Ibid. 100 Ibid., p. 81. 101

A controvérsia deste debate é apresentada, especialmente, por Hastings. Cf. Ibid. p. 113.

102

MACMILLAN, Margaret. A Primeira Guerra Mundial... que acabaria com as guerras. São Paulo: Globo Livros, 2014. p. 545.

modo que as nações se organizaram em dois grandes blocos: de um lado, contando com a base que antigamente compunha a “Tríplice Aliança” (composta por Alemanha e Áustria-Hungria), e do outro, elementos da “Tríplice Entente” (formada pela França, Grã-Bretanha e Rússia). A Itália, que pertencia à Tríplice Aliança, acabou se retirando do grupo e entrou na Grande Guerra, ao lado da Entente, somente em 1915103. Os Impérios Centrais receberam apoio do Império turco, após novembro de 1914 (que impedem o avanço russo), e, em outubro de 1915, da Bulgária (que derrotaria os sérvios). De qualquer modo, a nomenclatura corrente mais utilizada para denominar os beligerantes, atualmente, aponta para o grupo composto pelos “Aliados” e outro relativo aos “Impérios Centrais” e demais países incorporados a eles.

A guerra se iniciou como um conflito de movimento, com tropas ganhando território durante as primeiras semanas. Neste momento, a Alemanha se coloca contra a França, atravessando a Bélgica (neutra), até que um contra-ataque a fez recuar. Porém, o conflito, que se esperava terminar rapidamente, acabou se estendendo. A situação da guerra de movimento modificou-se para o sistema de trincheira: a guerra tornava-se imóvel. A trincheira surgia como sinônimo de morte. Homens morriam aos milhares pelo avanço de poucos metros no campo de batalha. A guerra estática se estendeu por centenas de quilômetros, sobre uma área que cortava a Europa dos mares do Norte até a fronteira suíça.

Esta era a “Frente Ocidental”, que se tornou uma máquina de massacre sem precedentes na história da guerra. Milhões de homens ficavam uns diante dos outros nos parapeitos de tricheiras barricadas com sacos de areia, sob as quais viviam como – e com – ratos e piolhos104

.

Procurando romper com a guerra estática, inaugurou-se, assim, uma guerra industrial, em que diversos novos armamentos e equipamentos eram testados nos campos de batalha. Muitos produtos utilizados para equipar os soldados, e bem como as armas, eram produzidas em grande escala em centros industriais de diversas nações, muitas vezes por mulheres. Estas eram mobilizadas para servirem ao seu país no chão de fábrica. A única guerra em que, até então, que havia experimentado, parcialmente, este surto industrial foi a Guerra Civil americana

103

MOUGEL, François-Charles; PACTEAU, Severine. História das relações internacionais

Séculos XIX e XX. Portugal: Publicações Europa-América, 2009. p. 59.

104

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 33.

(1861-1865). Entretanto, neste intervalo de tempo, as armas de destruição tornaram- se muito mais eficazes: “metralhadoras adquiriram confiabilidade e eficiência, a artilharia aumentou o poder de matar”105.

Esta guerra industrial produziu, ainda, novas armas, como submarinos, aviões e tanks, que foram utilizados em larga escala por ambos os blocos em conflito. “Percebeu-se que o arame farpado era igualmente eficaz para conter o movimento de soldados assim como o dos animais”106. Por vezes, esta guerra industrial- tecnológica se utilizava da ciência para criar novas armas ou para aperfeiçoar as já existentes. A ciência usada para matar, e não apenas para curar, deixou uma marca importante no conflito a partir da manipulação de armas químicas. Pela primeira vez, criou-se um novo tipo de assalto, que vinha pelos ares, atacando a pele, o sistema nervoso e os pulmões dos inimigos. Conforme Hobsbawn, “os dois lados tentaram vencer pela tecnologia. Os alemães – sempre fortes em química – levaram o gás venenoso ao campo de batalha”107, entretanto, o gás se revelou “bárbaro e ineficaz”, pois, a longo prazo, causou ojeriza internacional, levando a Convenção de Genebra, em 1925, a suspender seu uso108.

Ano após ano, novas nações ingressavam no conflito, inclusive nações não europeias, na tentativa de romper com a situação de imobilidade. O desgaste, entretanto, continuou. Em 1916, Portugal e Romênia109 entraram na guerra em favor dos Aliados, seguidos pela Grécia, em 1917110. De mesmo modo, países não- europeus fortemente ligados a nações européias também ingressaram na guerra ao lado da Inglaterra, França e cia, como foram os casos de Austrália, Nova Zelândia e Canadá. No oriente asiático, os alemães se instalaram no Norte da China, o que exigiu que a Inglaterra pressionasse os japoneses para que cumprissem o tratado de aliança que os ligava111.

105

HASTINGS, Max. Catástrofe - 1914: a Europa vai a Guerra. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. p. 40.

106

Ibid.

107

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 35.

108

Ibid.

109

MOUGEL, François-Charles; PACTEAU, Severine. História das relações internacionais

Séculos XIX e XX. Portugal: Publicações Europa-América, 2009. p. 59.

110

BECKER, Jean-Jacques. A Grande Guerra. Portugal: Publicações Europa-América, 2005. p. 72.

111

Entretanto, a guerra se tornaria realmente global com a entrada dos Estados Unidos em abril de 1917. Os bastidores do episódio do telegrama Zimmermann, que prenunciava uma suposta aliança entre o México e a Alemanha112, e o afundamento do navio Lusitânia pelos submergíveis germânicos, foram os elementos responsáveis pelo ingresso dos norte-americanos no conflito. Com a entrada dos Estados Unidos, a guerra se expandiu também para o Caribe e a América Central, área de influência americana, levando outros países a aderirem ao conflito113. Este evento influenciaria também, como veremos adiante, a entrada do Brasil no conflito.