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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 35 Diabetes mellitus

1.6 Fisiopatologia do diabetes mellitus tipo 2 (DM2)

O diabetes mellitus tipo 2 clássico se caracteriza pela combinação de resistência à ação da insulina e à incapacidade da célula beta em manter uma adequada secreção de insulina.

A disfunção da célula beta é um fator patogênico precoce e crucial do desenvolvimento do DM2. O primeiro defeito, provavelmente de origem genética, é a mudança na secreção oscilatória da insulina, quando ocorre a perda na secreção aguda deste hormônio ao se iniciar uma refeição contendo carboidratos. Esta primeira fase da secreção da insulina é necessária para a utilização da glicose proveniente da refeição e também para sinalizar ao fígado e inibir a produção endógena de glicose logo após a refeição. Este defeito na resposta bifásica da célula beta também é encontrado em familiares normoglicêmicos de indivíduos portadores de DM2, sugerindo que a perda da 1ª fase de secreção de insulina pode ser um defeito precoce na progressão da doença (STEPPEL; HORTON, 2004).

Anos antes ou nas fases iniciais da história natural do diabetes tipo 2, os indivíduos são, com frequência, hiperinsulinêmicos devido ao aumento da produção da insulina em resposta à resistência periférica.

A resistência à ação da insulina (RI) é uma anormalidade primária e precoce no curso da doença. Esta se caracteriza pela diminuição da habilidade da insulina em estimular a utilização da glicose pelo músculo e pelo tecido adiposo, prejudicando a supressão da lipólise mediada por esse hormônio (MAZZE, et al., 2004).

A resistência à ação da insulina no fígado leva ao aumento da produção hepática de glicose.

Numa fase inicial, a elevação nos níveis de glicemia é compensada pelo aumento da secreção de insulina, mas, à medida em que o processo persiste por

períodos prolongados, a hiperinsulinemia não é suficiente para superar a resistência periférica e a produção da insulina acontece tardiamente em resposta à refeição surgindo então a hiperglicemia pós-prandial (MAZZE et al., 2004).

A obesidade está claramente associada a altos níveis circulantes de ácidos graxos livres. Pacientes com obesidade e resistência à insulina geralmente são resistentes aos efeitos antilipolíticos da insulina; grandes adipócitos e adipócitos presentes na gordura visceral são metabolicamente mais ativos e têm uma taxa alta de lipólise, provavelmente devido a diferenças genéticas na expressão de receptores lipolíticos, contribuindo com uma alta taxa de liberação de ácidos graxos livres na circulação (BJORNTORP, 1997).

Elevações agudas de ácidos graxos livres podem provocar resistência insulínica periférica em animais e humanos, reduzindo a utilização de glicose pelo músculo. Adicionalmente ao papel dos ácidos graxos livres na resistência muscular à insulina, a habilidade deficiente da insulina na supressão da liberação de ácidos graxos pode levar à superprodução hepática de glicose através da gliconeogênese (BODEN,1997).

O acúmulo de gordura visceral possui igual ou maior importância que a obesidade corporal, pois evidências genéticas mostram uma associação do excesso de gordura abdominal com a resistência à insulina (MOLLER; KAUFFMAN, 2005). Células adiposas viscerais são mais sensíveis que as células do tecido adiposo aos efeitos lipolíticos das catecolaminas e menos sensíveis aos efeitos antilipolíticos e de reesterificação de ácidos graxos pela insulina, um fenômeno que pode aumentar bastante o fluxo de ácidos graxos livres nos indivíduos predispostos a estocar gordura na área visceral. Posteriormente, o efluente venoso de gordura visceral dirige-se para a veia porta, resultando em um grande fluxo de ácidos graxos livres para o fígado, com todas as implicações decorrentes do excesso de ácidos graxos livres no organismo (LEWIS et al., 2002).

Os defeitos quantitativos na secreção de insulina são as raízes da disfunção da célula beta no DM2. Essa manifestação de disfunção da célula beta pode ser relacionada à redução da massa de células beta, perda da função

individual de cada célula beta, ou ambas. Vários fatores contribuem para esta disfunção:

Envelhecimento: A soma da replicação das células beta, a neogênese e o tamanho das mesmas, menos a incidência de apoptose resultarão na massa total de células betas pancreáticas ao longo da vida. Indivíduos obesos que não desenvolvem diabetes apresentam aumento do tamanho da célula, maior replicação celular e neogênese como forma de adaptação, com a maior carga metabólica. Após a quarta década de vida, a apoptose das células beta aumenta em indivíduos cujo pâncreas não tem esta capacidade adaptativa e a massa de céluals beta pancreática se reduz, desenvolvendo-se o DM2 (CLARK, et al., 2001).

Estresse oxidativo: A perda progressiva da sensibilização da glicose pela célula beta para a produção de insulina tem importante papel na patogênese do DM2. A fim de produzir trifosfato de adenosina (ATP), que é essencial para o funcionamento da célula, a mitocôndria oxida a acetil coenzima A (acetil-coA), proveniente da glicose. Nesse processo há formação de radicais livres, como por exemplo, as espécies reativas de oxigênio e os superóxidos. Com o excesso de substrato (glicose) há também formação em demasia destes radicais livres, que são tóxicos para a célula. Os superóxidos ativam a proteína desacopladora 2 (UCP2) que é uma enzima mitocondrial que age modulando a razão difosfato de adenosina (ADP/ATP), regulando, assim, a produção de insulina na célula beta. Em caso de excesso de radicais livres a UCP2 age desacoplando as moléculas na mitocôndria, prejudicando a produção de ATP (para diminuir a produção de radicais livres) e, portanto, diminuindo a secreção insulínica (CERIELLO; MOTZ, 2004).

Glicotoxicidade: Este termo é descrito como um efeito lento e progressivamente irreversível da hiperglicemia crônica na função da célula beta pancreática (leva ao estresse oxidativo da célula beta), que ocorre após a exposição prolongada aos níveis elevados de glicose. Os efeitos adversos da hiperglicemia crônica na função da célula beta incluem três distintos fenômenos: diminuição de sensibilidade à glicose, exaustão da célula beta e redução da massa de células beta induzida por apoptose. A oferta aumentada de glicose determina uma produção elevada de acetil-CoA que, por sua vez, faz subir a concentração intracelular de hidroperóxidos entre outras substâncias oxidativas. Isso provoca auto-oxidação da

célula beta que é vulnerável ao estresse oxidativo devido ao baixo nível de expressão das enzimas antioxidantes na presença de diabetes. Ocorre então um mecanismo fisiológico adaptativo para preservar a célula beta, reduzindo a primeira fase de secreção da insulina e resultando em menor supressão da produção hepática de glicose após as refeições e consequente hiperglicemia pós-prandial. (KAJIMOTO; KANETO, 2004).

Lipotoxicidade: Os ácidos graxos e não a glicose são a fonte de energia endógena para a ilhota não estimulada. Existem amplas evidências de que os ácidos graxos que, em circunstâncias normais, são uma forma de energia para a célula beta, tornam-se tóxicos quando presentes em concentrações elevadas de forma crônica em indivíduos geneticamente predipostos ao desenvolvimento de DM2. Após a ingestão de uma refeição gordurosa, a concentração plasmática de ácidos graxos livres aumenta e difunde-se dentro da célula beta, convertendo-se em acetil-CoA, que aumenta a secreção de insulina via um mecanismo de sinalização diferente, levando a um aumento da exocitose de insulina estocada dentro dos grânulos secretórios. Em contraste, como efeito agudo da elevação dos ácidos graxos livres para aumentar a secreção de insulina, a exposição por períodos prolongados resulta numa resposta diminuída da célula beta à glicose. A grande produção de acetil CoA dentro da célula beta aumenta a formação de ceramida, um esfingolipídio que incrementa a formação de óxido nítrico, que é tóxico para a célula beta, levando á apoptose (FATEHI – HASSANABAD; CHAN, 2005).

O glucagon também é importante para a homeostase da glicose. A função adequada da célula α pancreática é essencial para a glicorregulação normal. Estudos “in vitro” já demonstraram aumento da secreção de glucagon em meio com alta concentração de glicose (SALEHI, 2006). No diabetes mellitus tipo 2, o declínio habitual da secreção de glucagon após a refeição não ocorre apesar do aumento da concentração de glicose e, em alguns pacientes, ocorre até mesmo um aumento paradoxal da secreção de glucagon, o que leva a piora da hiperglicemia existente pela liberação da glicose hepática na circulação (MITRAKOU et al.,1990).