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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 35 Diabetes mellitus

1.7 Patogênese das complicações tardias do diabetes melitus

Em relação às complicações do diabetes mellitus, os fatores mais importantes na gênese de suas lesões multi-sistêmicas são as alterações metabólicas e vasculares causadas diretamente pela hiperglicemia (BHADADA et al., 2001; KUCERA et al., 2005). O impacto vascular do diabetes ocorre na micro e na macrovasculatura.

A hiperglicemia, característica comum a todos os tipos de diabetes, parece causar lesão tecidual por dois tipos de mecanismo: alterações reversíveis agudas no metabolismo celular, e alterações irreversíveis cumulativas nas macromoléculas. Os mecanismos bioquímicos possíveis incluem: ativação da via dos polióis, ativação da proteína quinase C (PKC), formação de produtos finais de glicação avançada (AGE – do inglês “advanced glycation end products”), e aumento do estresse oxidativo (ISOMAA, 2001; ADA, 2006).

A hiperglicemia crônica está associada com a disfunção e falência de vários órgãos, especialmente olhos, rins, coração, nervos e vasos sanguíneos, levando ao desenvolvimento de nefropatia, retinopatia, neuropatia, vasculopatia e doença cardiovascular (ADA, 2006).

O modo pelo qual a hiperglicemia leva a um aumento no estresse oxidativo se deve aos efeitos combinados de elevados níveis de espécies reativas de oxigênio e a capacidade diminuída do sistema de defesa antioxidante celular. A auto-oxidação da glicose, a glicação não-enzimática, e a interação entre os produtos glicados e seus receptores; a superprodução de espécies reativas de oxigênio pela mitocôndria e a via dos polióis, são todos fontes potenciais de estresse oxidativo induzido pela hiperglicemia (CHUNG et al., 2003; MROWICKA et al., 2005).

Os radicais livres são átomos ou moléculas que tem um ou mais elétrons não pareados em sua estrutura e são altamente reativos, sendo que o acúmulo destas substâncias causa alterações em moléculas, membranas e tecidos. O metabolismo da glicose na via glicolítica e o ciclo de ácido tricarboxílico produzem equivalentes reduzidos, utilizados para a síntese de ATP via fosforilação oxidativa mitocondrial, cujos produtos incluem radicais livres como os ânions superóxidos. O

acúmulo de radicais livres altera o DNA mitocondrial, reduz os níveis de óxido nítrico, danifica proteínas celulares, promove adesão leucocitária ao endotélio e induz oxidação de lipoproteínas de baixa e alta densidade (LDL/HDL), favorecendo a aterosclerose (LUM; ROEBUCK, 2001).

O diabetes mellitus está associado a um risco aumentado de duas a quatro vezes no desenvolvimento da doença arterial coronariana, e também aumenta o risco para acidente vascular cerebral. Como já comentado, a hiperglicemia leva ao dano endotelial através dos mecanismos associados à superprodução de espécies reativas de oxigênio (ROS) e que podem levar à disfunção endotelial, diminuindo a biodisponibilidade de óxido nítrico por inativação através de sua reação com ROS, e também diminuindo o nível de prostaciclina. Além disso, aumenta a síntese de prostanóides e endotelina, facilitando a formação da placa, desencadeando processos inflamatórios vasculares, induzindo a oxidação de lipoproteínas e favorecendo a trombose. (CERIELLO; MOTZ, 2004).

O paciente diabético apresenta comprometimento da vasodilatação mediada pelo endotélio danificado, aumento da permeabilidade vascular, alteração da expressão de moléculas de adesão que influenciam na trombose, além de aumento de marcadores inflamatórios de fase aguda, como a proteína C reativa (PCR).

Estresse oxidativo e fatores inflamatórios prejudicam a vasodilatação induzida por óxido nítrico. A insulina é um modesto vasodilatador e estimula a produção de óxido nítrico nas células endoteliais. Esse processo é mediado via fosfatidilinositol 3 quinase (PI3-K), o qual medeia a habilidade da insulina para estimular o transporte da glicose em vários tecidos, incluindo músculo esquelético e tecido adiposo. Na resistência à insulina, ocorre defeito no transporte da glicose e na produção de óxido nítrico estimulada pela insulina (CERIELLO; MOTZ, 2004).

A nefropatia diabética é caracterizada inicialmente por espessamento da membrana basal glomerular e aumento do volume mesangial e da superfície filtrante resultando em aumento da taxa de filtração glomerular seguida por aumento da taxa de excreção da albumina (proteinúria), resultante do aumento da pressão capilar.

Todos os caminhos metabólicos já citados induzidos pela hiperglicemia levarão à alteração renal. (BROWNLEE, 2001).

Os sinais clínicos mais precoces da retinopatia diabética são os microaneurismas e as hemorragias intraretinanas. As alterações começam a partir do espessamento da membrana basal endotelial. Alterações na sua composição interferem na permeabilidade vascular e na atividade endotelial, ocorre enfraquecimento capilar e lentificação do fluxo retiniano com posterior isquemia e até oclusão. A hiperglicemia resulta numa série de eventos que terminam por comprometer a circulação retiniana com a diminuição da demanda de oxigênio e posterior isquemia. A hiperglicemia pode lesar as células endoteliais por excesso de radicais livres, produzidos pelo acúmulo de glicose na via poliol. Leucócitos atraídos para a área podem liberar mediadores inflamatórios que aumentam o extravasamento capilar local, além de lipoproteínas circulantes oxidadas, que parecem ser citotóxicas para células endoteliais (KLEIN; KLEIN; 2007).

A neuropatia diabética é a complicação mais comum do diabetes mellitus afetando de 50-60% dos pacientes, e pode resultar de déficit sensório, motor e autonômico, isoladamente ou em conjunto (SANGIORGIO et al,1997). Representa um processo insidioso e progressivo para o qual há uma desconexão entre gravidade patológica e desenvolvimento de sintomas (PERKINS; BRIL, 2003).

Especificamente nos nervos periféricos, a captação de glicose pelas células é um processo independente de insulina, proporcionado por difusão passiva, que depende de sua concentração no sangue. O excesso de glicose é canalizado para a via dos polióis e convertido em sorbitol e frutose pelas enzimas aldose- redutase e sorbitol-dehidrogenase, respectivamente. (ISOMAA, 2001; BHADADA et al., 2001). A membrana da célula nervosa é relativamente impermeável ao sorbitol e à frutose, os quais tendem a acumular-se dentro do nervo, com consequente edema e lesão osmótica da célula (GREENE et al., 1999).

Em tecidos diabéticos, a geração de radicais livres é estimulada pelos processos de glicação não-enzimática e a via dos polióis; enquanto a habilidade para neutralizar esses radicais está reduzida por causa do consumo de NADPH devido à atividade aumentada da aldose-redutase.

Os lipídios sofrem peroxidação e formam peróxidos lipídicos, que são diretamente tóxicos para as células, podendo mediar a morte celular. Quando outras moléculas, como proteínas e ácidos nucléicos, sofrem peroxidação e nitrosilação, acontece o acúmulo que sobrecarrega a habilidade da célula de reciclá-los. Desta forma, o acúmulo de proteínas e ácidos nucléicos danificados leva à perda de função neuronal (YOREK, 2003).

A produção de espécies reativas de oxigênio (inclusive superóxidos e peróxido de hidogênio) ocorre nos neurônios de modo finamente regulado e estas desempenham funções específicas essenciais para a função celular normal, porém quando em excesso aceleram o dano neuronal. As alterações oxidativas induzidas nos fatores de transcrição pelo superóxido e pelo peróxido de hidrogênio podem levar à diminuição da expressão de várias proteínas essenciais para a sobrevida da célula. O estresse oxidativo pode aumentar a expressão gênica de vária proteínas pró-apoptóticas, incluindo jun N-terminal quinases (JNK), poli ADP ribose polimerase e ciclooxigenase 2. As mitocôndrias neuronais podem ser particularmente sensíveis às alterações oxidativas com prejuízo na função energética regulatória normal das mitocôndrias nos neurônios. Dessa forma, a hiperglicemia aumentando inflamação, dano osmótico e estresse oxidativo neuronal, leva a prejuízo na função de proteínas, danos aos fatores de transcrição e DNA mitocondrial, assim como aumenta a expressão de proteínas pró-apoptóticas. Esses processos interligados são danosos ao sistema nervoso, lentificando o transporte axonal, alterando a sinalização neuronal e, promovendo em última instância, disfunção neuronal (YOREK, 2003).

A neuropatia diabética tem sido definida como presença de sinais e/ou sintomas de disfunção nervosa periférica, em diabéticos, após a exclusão de outras causas (hereditárias, traumáticas, compressivas, tóxicas, nutricionais, infecciosas, imunomediadas, neoplásicas, e secundárias a outras patologias sistêmicas). Como as manifestações da neuropatia diabética mimetizam a polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica, a neuropatia alcoólica, e outras neuropatias endócrinas, é imperioso excluir outras causas, antes de se diagnosticar a neuropatia diabética (BHADADA, 2001; ADA, 2006).

As síndromes neuropáticas associadas ao diabetes foram divididas empiricamente em duas grandes categorias: as neuropatias simétricas e as

neuropatias assimétricas (que podem ser focais e multifocais) (PERKINS; BRIL, 2003).

A polineuropatia sensitivo-motora simétrica distal é o tipo mais comum de neuropatia diabética e sua marca patológica característica é a progressiva perda de fibras nervosas, tanto grossas como fibras finas (BRIL; PERKINS, 2002). Ela tem início insidioso e afeta tipicamente as porções distais das extremidades em primeiro lugar, resultando em um padrão “em luvas e meias” de perda sensitiva. Os déficits motores clinicamente aparentes só se desenvolvem em casos raros (BHADADA, 2001).

Os sintomas da polineuropatia simétrica distal são extremamente variáveis, indo desde quadros dolorosos severos em um extremo até uma variedade completamente indolor em outro, que geralmente é a causa primária da ulceração insensível do pé. Os sintomas incluem mais comumente dor em queimação, alteração da percepção térmica, parestesias, dor lancinante e em pontadas, hiperestesia e alodínia (BHADADA, 2001).

A artropatia neuropática (osteoartropatia diabética) e a ulceração do pé são duas das mais temidas complicações neurológicas da neuropatia diabética. As úlceras indolores dos pés em áreas de suporte de peso ocorrem em um contexto de insensibilidade à dor, deterioração proprioceptiva, atrofia de músculos intrínsecos do pé, com consequente má distribuição das pressões, distúrbios sudomotores, diminuído fluxo sanguíneo capilar, e edema não inflamatório (BOULTON, 2005).

O pé diabético é alvo de muita atenção dos estudiosos em todo o mundo, por ser a principal causa de amputação não traumática de membros inferiores, levando a grande deterioração na qualidade de vida e elevados custos sócio- econômicos.