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2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO

2.5 Fixação do Quantum Indenizatório

Segundo Paulo Otero, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, o direito à efetivação da responsabilidade civil dos poderes públicos é

202 FARIAS, Cristiano Chaves de; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto; ROSENVALD, Nelson – Novo tratado de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2015, p. 1004.

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o que demanda mais custos financeiros estatais, dentre os demais direitos fundamentais. Em contrapartida, entende ser aquele que torna mais evidentes as ideias de justiça, de igualdade e de proporcionalidade na repartição dos encargos públicos.203

De qualquer forma, as indenizações devem ter em vista não apenas os danos patrimoniais e extrapatrimoniais dos ofendidos, como também as consequências das condenações para os cofres públicos.

Com efeito, não se pode balizar o quantum indenizatório sob o aspecto da suposta capacidade financeira do Estado, muito pelo contrário, pois este não tem um aspecto econômico evidente. A sua finalidade é social. O recurso financeiro de que dispõe não é de sua propriedade, mas sim da população, que paga impostos com o intuito de que a receita deles oriunda seja utilizada para propiciar o bem estar social, não devendo servir como fonte de enriquecimento individual.

Especialmente o valor dos danos extrapatrimoniais deve ser fixado com prudência e com razoabilidade lastreada pelo fato de se encontrar o Estado no polo passivo da demanda, ou seja, a sociedade, o povo, motivo pelo qual entendemos que, em geral, o fato de o Estado encontrar-se como condenado na ação indenizatória constitui causa objetiva de minoração do valor dos danos, nomeadamente os morais. A propósito, entendemos que o Estado há de ser intransigente no ajuizamento das demandas regressivas contra os gestores que ensejarem a responsabilização estatal.

Mirna Cianci bem pontua que o Poder Público não produz seus próprios recursos financeiros, pois a quase totalidade do dinheiro advém de exações, razão pela qual a imponderada indenização de uma vítima traz centenas de outras. Logo, a moderação do quantum indenizatório é importante, mesmo porque o Estado é um meio e não um fim em si mesmo.204

Otero ensina que o juiz não está excluído do dever de impedir a ruína financeira do Estado; que se trata um dever fundamental adstrito ou implícito em todas as normas constitucionais; que o Estado é o pressuposto da Constituição e da efetivação de suas normas;

que a sua sustentabilidade financeira revela-se passível de envolver um reforço do papel metodologicamente ativo do juiz, à luz de uma ética da responsabilidade; que lhe impõe a

203 OTERO, Paulo – Direito fundamental a responsabilidade civil dos poderes públicos e crise financeira Direito fundamental a responsabilidade civil dos poderes públicos e crise financeira. In GOMES, Carla Amado;

PEDRO, Ricardo; SERRÃO, Tiago – O Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas: comentários à luz da jurisprudência. Lisboa: AAFDL, 2017. p. 23-34, p. 16-20.

204 CIANCI, Mirna – O Valor da Reparação Moral. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 121.

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ponderação dos efeitos das decisões que torna; que não pode condenar o Estado à sua ruína;

que o juiz não pode deixar de ponderar o interesse público da sustentabilidade financeira estatal em cotejo com um mínimo de efetividade do direito à responsabilidade civil do Estado; que tal metodologia confia ao juiz o poder de modulação dos efeitos da aplicação de normas válidas do sistema constitucional; e que, portanto, em uma situação extrema de risco de bancarrota, pode proferir uma decisão modulada de efeitos dos pedidos indenizatórios, inclusive, dos danos patrimoniais.205

Ressalta-se que os danos anormais decorrentes da omissão legislativa podem gerar múltiplas indenizações. E estas podem redundar em valores significativos para dispêndio estatal, se houver uma grande quantidade de afetados.

Destarte, o Artigo 15º, n. 6, da Lei n. 67/2007 estabelece que, quando os lesados forem em tal número que, por motivo de interesse público de excepcional relevo, se justifique a limitação do âmbito da obrigação de indenizar, é possível sua fixação equitativamente em montante inferior ao que corresponderia à reparação integral dos danos causados. Essa redução, entretanto, não há de zerar os valores indenizatórios, pois diminuição difere de exclusão indenizatória.

Quanto ao tema, Jorge Pereira da Silva ensina que, na espécie, é indispensável a existência de um número considerável de lesados; que é compreensível que assim seja, pois o valor a ser pago pelo Estado será tanto maior quanto maior for o número de cidadãos afetados pelos danos anormais causados pelo ilícito legislativo; que o critério relativo ao número de lesados deve ser articulado com os valores das indenizações a serem pagas para reparação integral dos danos; que é necessário haver razões de interesse público de excecional relevo; que está aqui em causa a sustentabilidade das finanças públicas em caso de valores astronômicos; e que pode ser invocado o princípio da proporcionalidade.206

A redução equitativa em questão pode se somar à gradação indenizatória pelo grau de culpa do legislador prevista no n. 4 do aludido Artigo 15º, o qual determina que a existência e a extensão da responsabilidade in casu são determinadas atendendo às circunstâncias concretas de cada caso, bem assim ao grau de clareza e precisão da norma violada, ao tipo de inconstitucionalidade e ao fato de terem sido adotadas ou omitidas diligências suscetíveis de evitar a situação de ilicitude.

205 OTERO, Paulo – Manual de Direito Administrativo. Almedina: Lisboa, 2016. Vol. 1, p. 573-574.

206 Ibid. p. 426.

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Desta forma, há algumas situações que mostram, para efeitos de modulação da indenização, a extensão da responsabilidade, por determinarem redução do grau de culpa do legislador. Essas situações encontram-se estabelecidas nos termos do referido n. 4. Importante observar a culpa do legislador omissivo, levando-se em consideração as circunstâncias do caso concreto, da mesma maneira que se analisa um comportamento estatal. Caso verificado que um dever de legislar decorrente da norma constitucional não está suficientemente explícito, claro ou inequívoco (ou que a legislação a aprovar é de um grau de complexidade muito acima da média), há lugar para redução do quantum indenizatório.

Ressalta-se que o efeito é igual se porventura a norma, apesar de não ter sido editada, já esteja aviada em uma iniciativa legislativa cujo procedimento legislativo esteja em trâmite. Da mesma forma, pode ser identificado comportamento doloso por parte do legislador.

Por exemplo, quando o Tribunal Constitucional verificar haver uma inconstitucionalidade por omissão, dá disso ciência ao órgão legislativo competente. Se, depois desta notificação, o legislador nada fizer, está a incorrer em dolo, o que pode elevar a indenização.

Portanto, para que não ocorra a inviabilização das finanças públicas, o elevado quantum indenizatório pode ser ponderado quando da fixação do seu valor, diminuindo-se o respectivo importe global. Da mesma forma, se o grau de culpa do legislador for tênue, é possível a redução do valor da indenização.

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3 RESPONSABILIDADE CIVIL POR OMISSÃO LEGISLATIVA EM TEMPOS DE