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3 RESPONSABILIDADE CIVIL POR OMISSÃO LEGISLATIVA EM

3.4 Panorâmica sobre a União Europeia e a Omissão Legislativa

Importa neste momento aprofundar a análise da relação entre a União Europeia (UE) e os Estados, além da importância da construção jurisprudencial do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), decisivo para o desenvolvimento do Direito da União Europeia.

A União Europeia surgiu dos esforços de criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) em 1951 e da Comunidade Econômica Europeia (CEE), além da Comunidade Europeia da Energia Atômica (CEEA ou Euratom). A partir dessas comunidades e do desenvolvimento posterior de acordos, surgiu a União Europeia que passou a ser um exemplo de integração econômica e política. Ultrapassou a seara de trocas mercantis alcançando os direitos comunitários.

A definição dos objetivos da UE passou a reverter-se de um termo jurídico que possibilitou adequada visualização de suas competências: os imediatos promovem a integração econômica dos países e os mediatos tratam da integração política, traçando contornos das principais liberdades fundamentais, quais sejam, livre circulação de mercadorias, pessoas, estabelecimento, prestação de serviços, capitais e pagamentos.

Quanto ao princípio da liberdade, este é relativo à não discriminação, em razão de nacionalidade, e à igualdade de tratamento entre os países membros ou os agentes econômicos privados. Além disso, a ordem jurídica constitucional da UE está profundamente marcada pelos princípios da autonomia, da aplicabilidade direta, da primazia da norma comunitária sobre a nacional de um estado-membro.

Aos tribunais nacionais cabe a competência de interpretar e aplicar o Direito da União Europeia. Entretanto, foi criada uma jurisdição especializada, o Tribunal de Justiça da União Europeia, TJUE. Em 01 dez. 2009, com a vigência do Tratado de Lisboa, o seu nome mudou de Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias para Tribunal de Justiça da União Europeia. Exerce jurisdição voluntária, quando solicitado a fornecer correta interpretação do Direito da União Europeia. Exerce jurisdição contenciosa, quando chamado a julgar ação por descumprimento de obrigações do Direito comunitário por algum país-membro.

Em relação às omissões legislativas que não deem cumprimento a normas de Direito da União Europeia, como se disse, geram obrigação de indenizar. Essa ausência enseja que os particulares possam ver ressarcidos os prejuízos que advenham da não transposição

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tempestiva e completa de diretivas da União Europeia. Em Portugal, tal transposição tem de ser feita, por ato legislativo, desde 2004, por força do Artigo 112º, Inciso VIII, da Constituição.

O Artigo 8º da Constituição da República Portuguesa, dispositivo que trata do Direito internacional, determina que as normas internacionais advindas de convenções internacionais, se estiverem devidamente ratificadas, vigoram como norma interna. Se a União Europeia emanar um dispositivo legal, este será aplicável na ordem interna. Nesse contexto, se houver omissão legislativa interna, no âmbito dos estados-membros, poderá a norma internacional ser aplicada no ressarcimento de algum prejuízo decorrente dessa omissão.

A título de informação, na legislação brasileira, os casos de omissão legislativa, nos quais a ausência de lei regulamentadora faça com que algum dispositivo presente na Constituição fique sem produzir efeitos, enseja ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADI), e os mandados de injunção (MI).

Segundo o Artigo 5º, Inciso LXXI, da Constituição Federal de 1988, cabe mandado de injunção sempre que a falta da norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais (e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania). Cuida-se de uma garantia constitucional brasileira que pode ser impetrada por particulares, desde que seja comprovada a falta da norma reguladora. O MI se ajusta contra norma que comprometa o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. É ajuizado contra o Estado que provocou a ofensa a tais direitos, por inércia. O MI aplica-se a um caso concreto/individual, ao passo que a ADI por omissão possui um aspecto amplo e geral, mesmo porque integra o sistema do controle de constitucionalidade difuso.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão pode ser aviada quando, diante da eficácia limitada de uma norma constitucional, o poder público não regulamenta essa norma, ou seja, é omisso em relação a essa regra. É de competência do Supremo Tribunal Federal.

Em Portugal, no que tange à responsabilidade estatal, o particular pode intentar uma ação de responsabilidade por violação do Direito da União Europeia nos tribunais administrativos. Procedimentalmente, deve o processo seguir os trâmites do Código de Processo nos tribunais administrativos (forma). Substantivamente, aplica-se o regime definido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, afastando-se o Direito nacional por força do primado do Direito da União Europeia (fundo).

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Para se construir entendimento de que o Estado pode ser responsabilizado por omissão, em relação a Direito comunitário, rememore-se a tese que pontuou o Tribunal de Justiça da União Europeia no caso Andréa Francovich. Fausto de Quadros classifica como audaz o acórdão proferido no caso Francovich.

Ele não só vem reacender, em novos moldes, a sempre apaixonante polêmica acerca das relações de supremacia do Direito da União Europeia sobre os direitos nacionais, como lança os fundamentos de um novo e ambicioso Direito administrativo comunitário da responsabilidade extracontratual. Tal significa um Direito comum da responsabilidade extracontratual da Administração pública definido pela União Europeia. Seria um ato de leviandade, nos diversos estados-membros, o legislador, a doutrina e a jurisprudência, ao refletirem sobre a responsabilidade extracontratual da Administração pública, ignorarem ou subestimarem o alcance da jurisprudência comunitária após o Acórdão Francovich216 (vide Capítulo n. 3.5).

Maria José Rangel de Mesquita diz que o princípio da responsabilidade dos estados-membros por incumprimento do Direito da União Europeia não nasceu com os tratados das Comunidades Europeias, mas surgiu da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, a fim de não deixar sem tutela os direitos que os particulares (cidadãos ou pessoas coletivas) possam retirar do Direito comunitário em caso de incumprimento estadual.217Na mesma linha, especialmente na doutrina portuguesa, registra-se aqui Maria Luísa Duarte, Marta Chantal da Cunha Machado Ribeiro, Fausto de Quadros, Ana Maria Guerra Martins, Alessandra Silveira, Luísa Verdelho Alves, Pedro Cabral e Mariana Cima Chaves.218

216 QUADROS, Fausto de; MARTINS, Ana Maria Guerra – Contencioso da União Europeia. 2.ª ed., rev. e atual. Coimbra: Almedina, 2007, p. 36.

217 MESQUITA, Maria José Rangel de – O Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas e o Direito da União Europeia. Coimbra: Almedina, 2009, p. 33.

218 DUARTE, Maria Luísa – A Cidadania da União e a responsabilidade dos Estados por violação do Direito comunitário, Lisboa: Lex, 1994, p. 53; RIBEIRO, Marta Chantal da Cunha Machado – Da Responsabilidade do Estado pela Violação do Direito Comunitário. Coimbra: Almedina, 1996; id. – RIBEIRO, Marta Chantal da Cunha Machado – O regime da responsabilidade civil extracontratual dos estados-membros, pela violação do Direito comunitário. Delineamento e aperfeiçoamento progressivo. Temas de integração. Coimbra:

Almedina, 2000. Vol. 5, n. 9, p. 67-89; QUADROS, Fausto de – Introdução. In QUADROS, Fausto de;

MARTINS, Ana Maria Guerra – op. cit., p. 31-36; QUADROS, Fausto de; MARTINS, Ana Maria Guerra – op. cit., p. 280-281; MARTINS, Ana Maria Guerra – Curso de Direito Constitucional da União Europeia.

Coimbra: Almedina, 2004, p. 433-453; CABRAL, Pedro; CHAVES Mariana Cima – A Responsabilidade por actos jurisdicionais em Direito comunitário. Revista da Ordem dos Advogados. Ano 66, vol. 2 (set. 2006), p. 765-790; ALVES, Luísa Verdelho – Tutela ressarcitória e outras respostas do sistema de justiça da Comunidade Europeia perante o incumprimento dos Estados. Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas.

N. 12 (2007), p. 137-163; e SILVEIRA, Alessandra – A responsabilidade do Estado – juiz por violação do Direito da União Europeia à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Scientia Ivridica. Tomo LVII, n.

315 (2008), p. 427-452, p. 427.

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Com efeito, o princípio comunitário da responsabilidade dos estados-membros por incumprimento do Direito da União Europeia e os respectivos requisitos surgem, efetiva e sistematicamente, com a jurisprudência Francovich, o qual restou objeto de desenvolvimento em arestos posteriores do TJUE. Nasceu para não deixar sem tutela os particulares em caso de incumprimento por não transposição atempada de uma diretiva comunitária.

3.5 Consequências da Omissão Legislativa no Direito da União Europeia e Acórdão