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4 A FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS NO BRASIL

4.1 A FLEXIBILIZAÇÃO E O SEU SIGNIFICADO

No dizer de Martins (2000, p. 22) “a palavra flexibilização é um neologismo, não encontrado nos dicionários. É originária do espanhol flexibilización. É o ato ou efeito de tornar flexível, de flexibilizar. O verbo flexibilizar tem o sentido de tornar flexível [...]”.

Além disso, a flexibilização tem o significado de mobilidade, elasticidade, adaptabilidade, individuação de condições de trabalho. (CUNHA, 2007, p. 39).

Martins (2000, p. 22) alega que ela versa de uma “reação aos padrões até então vigentes das legislações que estão em desacordo com a realidade, das legislações extremamente rígidas que não resolvem todos os problemas trabalhistas, principalmente diante das crises econômicas ou outras”.

Nascimento (2009, p. 173) conceitua a flexibilização do direito do trabalho da seguinte forma:

É a corrente de pensamento segundo a qual necessidades de natureza econômica justificam a postergação dos direitos dos trabalhadores, como a estabilidade no emprego, as limitações à jornada diária de trabalho, substituídas por um módulo anual de totalização da duração do trabalho, a imposição pelo empregador das formas de contratação do trabalho moldadas de acordo com o interesse unilateral da empresa, o afastamento sistemático do direito adquirido pelo trabalhador e que ficaria ineficaz sempre que a produção econômica o exigisse, enfim, o crescimento do direito potestativo do empregador, concepção que romperia definitivamente com a relação de poder entre os sujeitos do vínculo de emprego, pendendo a balança para o economicamente forte.

Em outras palavras, segundo Martins (2000, p. 25) a flexibilização do direito do trabalho “é o conjunto de regras que tem por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar as mudanças da ordem econômica tecnológica, política ou social existentes na relação entre o capital e o trabalho”.

Exemplificando o conceito aceito, Martins (2000, p. 25) afirma:

Conjunto porque forma um todo organizado, um sistema para o fim de estabelecer mecanismos para compatibilizar as regras do Direito do trabalho com as mudanças, isto é, uma reunião de mediadas visando flexibilizar as relações trabalhistas. Não se faz a flexibilização apenas de uma forma ou mediante medidas isoladas, mas dentro de um conjunto. São adotados vários procedimentos para a flexibilização.

A flexibilização das leis trabalhistas visa propiciar a implementação de nova tecnologia ou novos métodos de trabalho e de evitar a extinção de empresas, com evidentes reflexos nas taxas de emprego e agravamento das condições socioeconômicas. (SÜSSEKIND et al, 2000, v. 1, p. 209).

Por outro lado para Medeiros (1999, p. 242) a flexibilização tem como finalidade: “obter maior flexibilidade das empresas e dos homens que nela trabalham face às dificuldades econômicas apresentadas pela crise mundial e o fato de as obrigações legais protecionistas apresentarem problemas a serem suportados pela empresa”.

Ressalte-se que alguns autores, como por exemplo, Martins, N. (2000, p. 850), entendem que a flexibilização das normas trabalhistas é expressão sinônima de desregulamentação, as quais condizem à idéia de redução do nível de intervenção estatal nas relações de trabalho.

Porém, a desregulamentação difere da flexibilização, uma vez que esta retira o poder do Estado. Assim, Martins (2000, p. 26) relata:

Não se confunde flexibilização com desregulamentação. Desregulamentação significa desprover de normas heterônomas as relações de trabalho. Na desregulamentação, o Estado deixa de intervir na área trabalhista, não havendo limites na lei para questões trabalhistas, que ficam a cargo da negociação individual ou coletiva. Na desregulamentação, a lei simplesmente deixa de existir. Na flexibilização são alteradas as regras existentes, diminuindo a intervenção do Estado, porém garantindo um mínimo indispensável de proteção ao empregado, para que este possa sobreviver, sendo a proteção mínima necessária. A flexibilização é feita com a participação do sindicato. Em certos casos, porém, é permitida a negociação coletiva para modificar alguns direitos, como reduzir salários, reduzir e compensar jornada de trabalho, como ocorre nas crises econômicas.

No mesmo sentido, entretanto de uma forma mais completa Süssekind (2004b, p. 52) afirma:

A desregulamentação do direito do trabalho, que alguns autores consideram uma das formas de flexibilização, com esta não confunde. A desregulamentação retira a proteção do Estado ao trabalhador, permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva, regule as condições de trabalho e os direitos e obrigações advindas da relação de emprego. Já a flexibilização pressupõe a intervenção estatal, ainda que básica, com normas gerais abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade. Precisamente porque há leis é que determinados preceitos devem ser flexíveis ou prever formulas flexíveis para sua aplicação.

Portanto, desregulamentação implica a inexistência de regras e a flexibilização tem o significado de ser tornar mais maleável as normas. (MARINS, 2008, p. 85).

Com relação aos tipos de flexibilização podem ser de diversos prismas. Segundo Barros (2008, p. 86-87), a flexibilização pode ser dividida em interna e externa, conforme exposto abaixo:

A flexibilização interna, atinente à ordenação do trabalho na empresa, compreende a mobilidade funcional e geográfica, a modificação substancial das condições de trabalho, do tempo de trabalho, da suspensão do contrato e da remuneração. Enquadram-se nessa forma de flexibilização o trabalho em regime de tempo parcial (art. 58-A da CLT), e a suspensão do contrato a que se refere o art. 476-A do mesmo diploma legal. Paralelamente, temos a flexibilização externa, que diz respeito ao ingresso do trabalhador na empresa, às mobilidades de contratação, de duração do contrato, de dissolução do contrato, como também à descentralização com recurso a formas de gestão de mão-de-obra, subcontratos, empresa de trabalho temporário, etc.

Já para Nascimento (2009, p.171) a flexibilização pode ser: quanto à finalidade, a flexibilização será de proteção para a ordem pública social, de adaptação com acordos derrogatórios e de desproteção quando houver a supressão de direitos adquiridos; quanto ao conteúdo, onde a flexibilização pode ser de um modelo absolutamente legislado para um misto, que combina contratos coletivos com leis de garantias básicas; quanto às formas de contratação, onde poderá haver a ampliação de contratos por prazo determinado, terceirização, dentre outros; quanto aos direitos do trabalhador, onde o empregador perderá diversos direitos garantidos; e quanto as funções do direito do trabalho, em que determinados bens jurídicos não podem ser passiveis de flexibilização, como por exemplo, tutela da vida e saúde.

Ademais, a flexibilização já está imposta em alguns países da América Latina. O Chile, por exemplo, como o Código de Trabalho de 1973 aumentou o poder do empregador para alterar as funções dos empregados, o local de trabalho e os horários e vetou a duplicidade de indenizações de dispensa, a legal e a convencional, e a reintegração do trabalhador no emprego pela via judicial. Outro exemplo a ser citado é a Argentina que com a Lei nº. 24.013/91 flexibilizou os tipos de contrato de trabalho. (NASCIMENTO, 2009, p. 172).

Para Süssekind (2004b, p. 54) a flexibilização na América Latina ocasionou sérios prejuízos aos trabalhadores. Resumindo:

Na América Latina prevalece, infelizmente, a flexibilização selvagem, com a revogação ou modificação de algumas normas legais de proteção ao trabalhador e a ampliação da franquia para reduzir direitos e condições de trabalho. Seja por meio de contratos coletivos. Seja, em alguns países, por atos unilaterais do empregador. É indisfarçável a influência externa para minimizar a participação heterônoma do estado nas relações do trabalho, não obstante tenha essa intervenção resultado, em nosso continente, da historia, da geopolítica e do estágio das condições socioeconômicas da respectiva região.

Os Estados Unidos também já aderiam à flexibilização de suas normas trabalhistas. Nesse País, o empregador tem plena liberdade de fixar os termos e as condições de trabalho de acordo com suas necessidades e existe um sistema desregulamentado, que prestigia a negociação coletiva e os sistemas de autocomposição das questões trabalhistas. (MARTINS, 2000, p. 30-31).

Não podemos esquecer que na Europa, onde diversos paises adotaram a flexibilização. Dentre eles Destacamos: a Alemanha; onde a contratação coletiva é comum por ramo de atividade ou por região; Bélgica; em que a flexibilidade atinge mais a jornada de trabalho os contratos por tempo parcial, a Espanha; onde além da convenção coletiva, há acordos de empresa, abrangendo temas descentralizados da negociação coletiva, como cláusulas relativas a horário de trabalho, turnos e remuneração; e a França, a qual como Código de Trabalho de 1982 permitiu a celebração de acordos coletivos derrogatórios de normas estatais cujo seriam normas para pior, devendo o empregador, em contrapartida, fazer mais investimentos. (MARTINS, 2000).

De acordo com Pinto (1999, p. 244) a flexibilização na Europa trouxe graves conseqüências aos trabalhadores. Vejamos:

Sabe-se que na Europa, a flexibilização levou a uma generalizada redução dos níveis salariais, aumento do desemprego e do número de trabalhadores ditos informais sendo que os agentes econômicos da relação patrão- empregado continuam reféns da conjuntura nacional e internacional que ditam os rumos a serem seguidos.

Com relação ao Brasil, a primeira lei flexibilizada foi em 1966, através do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o qual facilitou a dispensa de empregados optantes sendo extinta, para estes, a indenização de dispensa e substituída pelos depósitos mensais realizados pelo patrão na conta do empregado no fundo, bem como pela estabilidade no emprego que antes adquiriam ao completar dez anos no mesmo emprego. (NASCIMENTO, 2007).

Nesse sentido, Martins e Mauad (2006, p 178) descrevem:

A primeira lei brasileira de relevância que iniciou a trajetória da flexibilização dos direitos trabalhistas foi a que instituiu o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (Lei nº. 5.107, de 13.9.21966, que criou o FGTS). Até então existia apenas a regra da estabilidade, após o trabalhador completar dez anos de serviço para a mesma empresa (arts. 492/500, CLT). Referida lei passou a autorizar a opção do empregado ao regime do FGTS. Na prática, porém, as empresas passaram a somente contratar trabalhadores que “optassem” pelo novo regime, alam de incentivar seus empregados não optantes a mudarem de regime, da estabilidade para o FGTS. A Constituição de 1988 (art. 7º, III) manteve a mesma visão e consagrou o aludido fundo, não mais como opção, mas como direito dos trabalhadores urbanos e rurais. Isto significou a extinção definitiva do regime da estabilidade decenal, restando preservada apenas as situações de direto adquirido para aqueles empregados estáveis que já haviam preenchido os requisitos da CLT.

A nossa Constituição, através dos incisos VI, XIII, XIV e XXVI do artigo 7º permite a flexibilização das normas trabalhistas. Sobre esse assunto comenta Martins (2000, p. 97):

A Constituição de 1988 prestigiou em vários momentos a flexibilização das regras do direito do trabalho, determinando: que os salários poderão ser reduzidos por convenção ou acordo coletivo de trabalho (art. 7º, XIII), o aumento da jornada de trabalho nos ininterruptos de revezamento para mais de 6 horas diárias, por intermédio de negociação coletiva (art. 7º, XIV), que a compensação ou a redução da jornada de trabalho só poderá ser feita mediante acordo ou convenção coletiva (art. 7º, XIV). O inciso XXVI do art. 7º do Estatuto Supremo reconheceu não só as convenções coletivas, mas também os acordos coletivos de trabalho. Estatuiu o inciso VI do art. 8º da mesma norma a obrigatoriedade da participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho.

É preciso salientar que a nossa Constituição só permite a flexibilização para os casos descritos acima. Assim, explica Beltramelli Neto (2007, p. 1329) que:

A flexibilização do Direito do Trabalho, no Brasil, tem respaldo legal apenas e tão somente, nos estritos casos e da maneira permitida pelo Poder Constituinte Originário, o que significa dizer que qualquer alteração textual constitucional, exercício da autonomia coletiva ou inovação normativa infraconstitucional poderá modificar, para o caso, os permissivos expressamente contidos na Constituição; da mesma forma que exegese e subseqüente aplicação pelo julgador não deveria comportar ampliação que afronte a rigidez constitucional proibitiva do retrocesso social e consagradora do solidarismo, ambos diretamente afeitos ao Direito do Trabalho.

Destacamos que nas hipóteses de flexibilização autorizadas pela nossa Constituição não poderemos invocar o artigo 4682 da CLT, referente à inalterabilidade do contrato de trabalho, uma vez que por meio de acordo ou convenção coletiva o sindicato poderá dispor de direitos individuais de empregados por ele representados, com aplicação imediata, não retroativa aos contratos de trabalho em andamento. (SÜSSEKIND, 2004b, p. 57).

Existem também normas infraconstitucionais que tratam de flexibilização das leis trabalhistas, como por exemplo; a Lei nº. 6.019/74, que instituiu o trabalho temporário, onde empresas contratam trabalhadores que prestar serviços para a empresa não contratante, mas no estabelecimento de uma empresa tomadora de serviço ou cliente daquela e a Lei nº. 8.949/94 que veio com a finalidade de facilitar a terceirização nas relações de trabalho. (MARTINS; MAUAD, 2006).

Após a abordagem sobre as noções gerais da flexibilização iremos para as causas da flexibilização.

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