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4. O MODELO DE CIDADE COMPETITIVA E SUA

4.3. A chegada do paradigma GLOBAL em Florianópolis

4.3.1. FLORIANÓPOLIS COMO PÓLO TECNOLÓGICO:

TECNOLÓGICO: EVOLUÇÃO DE IDEIAS

Na década de 1970, Florianópolis passou a sediar importantes empresas estatais. Estas empresas e as duas universidades públicas, a federal (UFSC) e a estadual (UDESC), demandavam profissionais qualificados, fato que se materializou ao longo daquela década e da seguinte. O desenvolvimento de Florianópolis passou a mudar a fisionomia da cidade, que entrou em fase de urbanização acentuada, recebendo muitos migrantes. De acordo com o Censo do IBGE de 1996, Florianópolis tinha sido a capital entre todas do sul e do sudeste, que tinha recebido proporcionalmente mais migrantes de outros estados, durante a primeira metade da década de 199052. Reportagem da revista

52 De acordo com o IBGE, a proporção de recebimento de migrantes de outros estados

foi a seguinte: Florianópolis 6%; São Paulo 4%; Curitiba 4%; Rio de Janeiro 2%; Porto Alegre 1%; Belo Horizonte 1%. No Brasil, Florianópolis perdeu apenas para Brasília, Palmas, Macapá e Boa Vista. De 1991 a 1996, 16.000 pessoas migraram de outros estados para Florianópolis. (IBGE, Censo de 1996, citado por Veja, 17/06/98)

Veja (17/06/1998) informava que, dos 1.856 professores da Universidade Federal de Santa Catarina, apenas 466 eram nascidos em Santa Catarina.

Não eram apenas os migrantes de alta qualificação profissional que rumaram para Florianópolis, a expansão da construção civil na cidade e a expulsão de trabalhadores rurais do campo, também estão entre os fatores que influenciaram os processos migratórios e Florianópolis recebia também migrantes de pouca qualificação profissional.

Enquanto cidade de médio porte, Florianópolis estava, então, inserida na dinâmica demográfica brasileira, na qual as cidades médias apresentavam maiores taxas de crescimento populacional. O censo de 1996 registrava, para a primeira metade da década, taxa anual de crescimento demográfico em Florianópolis, de 2,6%, enquanto o Censo de 2000 iria registrar uma taxa anual para toda a década de 1990, de 3,33%. Tomando- se a região do aglomerado urbano conurbado, composto por Florianópolis, São José, Palhoça e Biguaçu, as taxas anuais de crescimento foram respectivamente de 4,45% para a década de 1970, 3,64% para a década de 1980 e 3,33% para a década de 1990, quando ela foi de mesmo valor que a da capital53.

Evidenciou-se que a cidade e a região conurbada cresciam expressivamente e que também crescia sua população de profissionais qualificados. A história relacionada à tecnologia em Florianópolis, como de todo o país, pode ser dividida em duas fases. A primeira, até a década de 1980, associada a processos de substituições de importação, e a segunda, a partir da década de 1990, associada à internacionalização da economia brasileira. Trata-se, em Florianópolis, de uma história recente.

A primeira iniciativa deu-se, em 1962, com a criação da Escola de Engenharia na Universidade Federal de Santa Catarina pelo Engenheiro e Professor Caspar Erich Stemmer, inspirada no modelo da Universidade tecnológica de Aachen, na Alemanha. Com o apoio do governo alemão, a Escola de Engenharia, depois

transformada em Centro Tecnológico – CTC, pode preparar seus recursos humanos e construir seus primeiros laboratórios. Em 1976, foram estabelecidos os primeiros contratos entre a Escola de Engenharia e indústrias sediadas em Santa Catarina e em outros estados. De acordo com Vieira (1995) as indústrias em Santa Catarina, sobretudo das regiões de colonização alemã, encontraram no investimento em tecnologia um importante fator para competirem com as grandes indústrias de São Paulo e também como competidores estrangeiros, passaram a desenvolver vários projetos com a UFSC. Diversos laboratórios teriam sido criados como resultado de contratos com as indústrias, cursos de graduação e de pós-graduação foram criados e muitos projetos de pesquisa foram contratados e desenvolvidos desde a década de setenta.

Duas empresas estatais, com sede em Florianópolis, tiveram papel destacado no desenvolvimento tecnológico: Eletrosul, empresa federal de construção de usinas de energia elétrica e de redes de distribuição, e TELESC, estadual de telefonia. Essas duas empresas foram as primeiras fontes para a criação de outras empresas inovadoras, sobretudo em processamento de informações e telecomunicações. As duas empresas contribuíram também para a formação de recursos humanos especializados. A TELESC estimulou a criação dos cursos de engenharia elétrica e eletrônica, enquanto a Eletrosul tornou-se, com os cortes federais nos planos brasileiros de energia, no final dos anos oitenta, fornecedora, para as indústrias, dos engenheiros que demitia.

No campo das telecomunicações encontra-se provavelmente o mais importante processo de substituição de importações tecnológicas. Até o começo da década de 1960, o sistema de telefonia no Brasil era explorado por multinacionais, como a estadunidense ITTT, por exemplo, e havia mais de 800 companhias menores (VIEIRA, 1995). A nacionalização do sistema teve início em 1961 e estava completa em 1972, quando o governo federal criou a Telebrás, como sistema nacional, e companhias em cada estado, todas estatais. Estava em vigor uma política protecionista para telecomunicações e automação, que,

em 1986, foi estendida para tele-informação (Lei 7.463/1986), e para processamento de informação e computação (Lei 7.232/1984). A TELESC, então, foi criada e desenvolvida sob as condições de um mercado protegido e, portanto, capaz de investir em tecnologia em seu próprio laboratório e em associação com firmas privadas, beneficiadas pelo incentivo da estatal.

O laboratório da TELESC era um dos mais modernos do país. A empresa foi, então, capaz de tornar-se pioneira em diversas invenções e serviços, nacional e internacionalmente. Os primeiros cabos de fibra ótica no Brasil foram implantados pela TELESC, em 1979 e Santa Catarina tinha, ainda na década de 1990, a maior rede de fibra ótica no Brasil (VIEIRA, 1995).

A Eletrosul também possuía um laboratório, que desenvolveu algumas inovações, mas em menor escala que a Telesc, uma vez que a Eletrosul não foi criada com o mesmo objetivo de produção de inovações.

Em 1982, foi firmado um acordo entre a Secretaria Especial de Informação, SEI (órgão do governo federal), a Eletrosul, a UFSC e algumas empresas privadas para a criação do Centro Regional de Tecnologia e Automação (CERTA). O centro foi finalmente criado em 1984, como o nome de Fundação Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras - CERTI. Trata-se de uma fundação de direito privado, instalada no campus da UFSC e passou logo a gerenciar ligações entre a Universidade e empresas privadas, sendo um incubador de firmas, que se multiplicavam nas condições de incentivos e de um mercado protegido.

Em 1986, foi criada a Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (ACATE), que, no mesmo ano, inaugura um condomínio com infraestrutura comum para empresas ligadas à informática, que reunia, no início da década de 1990, vinte e três firmas.

O governo do Estado e a Prefeitura de Florianópolis passaram a dar incentivos fiscais para a criação de firmas tecnológicas em Florianópolis (Lei 2994/88). Em 1991, como o apoio do governo do Estado, foi criado o Polo Tecnológico de Florianópolis - Tecnópolis. O polo tecnológico foi planejado para

ser desenvolvido em parceria entre instituições estatais (universidades, governos local e estadual, centros de pesquisa e empresas privadas). Ele deveria ser desenvolvido em duas etapas. A primeira seria o desenvolvimento de dois parques tecnológicos na Ilha de Santa Catarina, o Parque Alfa, no bairro do Saco Grande e o parque Beta, no Campeche. A segunda etapa seria o desenvolvimento de um parque no município de São José, para tecnologia de indústrias químicas. A ideia consistia em concentrar as empresas de tecnologia em ambientes agradáveis, com abundantes áreas verdes e, por isso, parques, como em outros países. O IPUF, então, passa a planejar a expansão urbana levando em conta os parques tecnológicos, com áreas que poderiam concentrar empregos. Os planejadores assumiram que o Parque Beta teria condições de suportar uma comunidade autosuficiente, que poderia morar e trabalhar na planície do Campeche.

Em 1996, havia aproximadamente 120 empresas de bases tecnológicas em Florianópolis, empregando 1.800 pessoas (Exame, 18/12/96). O Parque Alfa já existia nesta época e o Beta não chegou a ser construído. A maioria das empresas não estava estabelecida no parque, mas em outros imóveis espalhados pela região conurbada, com maior concentração em Florianópolis.

Apesar da localização dessas empresas pudesse ser vista como algo não muito importante para todo o desenvolvimento da região, ela expressava um dos principais elementos para o órgão de planejamento definir seus planos urbanísticos. Vieira (1995) mostra que aqueles que idealizaram o Pólo Tecnológico tinham em mente um modelo de distritos luxuosos para atrair multinacionais e que as pequenas e médias empresas locais não poderiam custear para se instalarem nos referidos parques54.

A criação e expansão dessas firmas estavam relacionadas ao protecionismo adotado no Brasil. As firmas de base tecnológica em Florianópolis foram afetadas pelas políticas

54 O custo mínimo de um edifício no Parque Alfa, de acordo com suas

adotadas pelo governo de Collor de Melo, a partir de 1990, por dois motivos: primeiro, quando, em março de 1990, ele confiscou as poupanças, o que resultou na falência de algumas pequenas firmas, cujos proprietários ficaram sem recursos, e, segundo, pelo início da abertura do mercado nacional, ainda que com algumas restrições para esse setor.

A internacionalização da economia brasileira na década de 1990 resultou em muitos problemas em relação às possibilidades futuras de desenvolvimento de tecnologia no país e, especificamente em Florianópolis, em relação ao futuro de sua jovem e pequena indústria tecnológica. Como este tipo de desenvolvimento passou a ser tão importante para os elaboradores das políticas locais, torna-se válido o questionamento a seguir. Sendo o desenvolvimento tecnológico local, resultado de um mercado nacional protegido, quais as possibilidades de seu desenvolvimento em um mercado internacionalizado? Para Vieira (1995, p. 220), a tendência seria que as indústrias locais trabalhassem como laboratórios para as grandes multinacionais, que as absorveriam no futuro.

Podemos concluir que, ao contrário do que imaginam muitos engenheiros e pesquisadores, que tem apoiado a atual abertura do mercado nacional, as empresas de alta tecnologia e as pesquisas que resultam na substituição de importações jamais poderão existir se o mercado não for protegido. (VIEIRA, 1995, 247).

A autora apresenta uma tendência geral, mas que não é tão simples, pois a maior competição que se instalou, com a abertura do mercado brasileiro, não foi, no primeiro momento, no setor de tecnologia, o qual não existe exatamente como uma indústria, mas principalmente como serviço, em relação a este setor, ainda foi mantido, como visto no capítulo dois, certo protecionismo. A competição foi acirrada nos setores manufatureiros, com a chegada de produtos importados no mercado brasileiro a preços muito mais baixos que os oferecidos pela indústria nacional, como no caso do setor têxtil. As empresas de base tecnológica em Florianópolis continuaram a apresentar bons resultados na década de 1990. A própria Vieira (1995, p.

122) apresenta um quadro do faturamento das empresas na incubadora tecnológica, de 1987 a 1994, em milhões de Reais. Em 1987, está próximo de zero, cresce para três milhões, em 1990, decresce para 2,5 milhões em 1991 e, daí em diante continua crescendo até atingir 7 milhões, em 1994.

As reduções das tarifas alfandegárias, de alguma forma, também beneficiaram as empresas locais de base tecnológica, que intensificaram as importações de compotentes produzidos em outros países, sobretudo do oriente, ao invés de comprarem tais produtos de empresas brasileiras, como era costume, anteriormente. Multinacionais começaram a estabelecer parcerias com empresas de Florianópolis. A empresa local Dígitro, que era a maior entre as empresas de base tecnológica em Florianópolis, teve como parceira, no começo a TELESC, a Itautec (empresa brasileira produtora de computadores) como sua segunda parceira e a IBM, como sua terceira parceira, nos anos noventa55.

INOVAR, revista do Centro tecnológico, CTC, da UFSC, publicou uma edição especial em setembro de 1998 sobre parcerias entre o CTC (Centro Tecnológico – UFSC) e empresas privadas, que registra que o interesse das empresas brasileiras por inovações havia crescido nos últimos anos e não reduzido. Havia, então, um ambiente de produtividade tecnológica em Florianópolis, que começou a atrair outras empresas. A FENASOFT era um exemplo, que embora tenha mantido suas feiras anuais em São Paulo, mudou seu escritório para Florianópolis.

Reitores de universidades buscavam expressar o papel de suas instituições diante das imposições do ajustamento estrutural neoliberal. Wrana Painizzi, Reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), manifestando-se, em um artigo, contra o corte de 18,7% no orçamento de Ciência e Tecnologia, em 1998, presente no pacote fiscal resultante de acordo recente do governo brasileiro com o FMI. Ela declarou que 40% da

55 Algumas das inovações criadas no laboratório da Telesc foram transferidas para a

Dígitro, que as transferiu para a IBM, comercializadora internacional dos produtos da Digitro..

produção científica e tecnológica no mundo é desenvolvida nos Estados Unidos, 40% na Europa, 18% na Ásia e apenas 2% na América Latina. Ela comenta que a importância de um sistema nacional de ciência e tecnologia está crescendo, constituindo um valioso patrimônio construído pela sociedade e essencial para qualquer projeto de desenvolvimento56 O Reitor da UFSC, Rodolfo Pinto da Luz (INOVAR, 1998, 23 a 27) afirma que somente com a apropriação e criação de conhecimento pode-se reduzir a dependência externa e as consequências catastróficas da globalização. Ele afirma que os professores da UFSC não aceitam as prescrições do Banco Mundial de separar o ensino a pesquisa e a extensão. Ele pontua, ainda, que os países desenvolvidos, como os Estados Unidos, fazem exatamente o contrário do que o Banco Mundial prescreve. Eles investem massivamente nas suas universidades, em pesquisa.

Houve, de fato, um grande entusiasmo daqueles que estavam envolvidos com o conhecimento tecnológico, ao longo de todo o processo, em relação à criação de um ambiente de inovação em Florianópolis, que ainda está vivo, como mostra o envolvimento atual da Fundação CERTI com a construção do Sapiens Park em Canasvieiras, no norte da Ilha de Santa Catarina. Uma base foi construída ao longo dos anos para tal ambiente. As manifestações dos dois reitores (UFRGS e UFSC) mencionadas acima mostram que, no final da década de 1990, fazia-se sentir as políticas impostas pelo ajustamento estrutural.

O entusiasmo, no entanto, expressou-se, na virada da década de oitenta para a década de noventa, na forma de uma euforia por parte dos envolvidos, que tiveram que redimensionar seus sonhos. As especificações para a construção no Parque Alfa, único construído e em funcionamento, foram redefinidas para poder acomodar pequenas e médias empresas57.

O Plano para a Planície do Campeche foi elaborado no período da euforia. Os técnicos do IPUF estimaram que o Parque

56 Informandes: Novembro 1998.

Tecnológico do Campeche iria gerar 22 mil empregos diretos, que a UFSC seria transferida para a Planície e que, juntamente com o turismo, haveria uma dinâmica econômica capaz de sustentar uma nova cidade, com 450 mil habitantes. Embora o processo real estivesse fazendo com que muitos dos envolvidos com a ideia da Tecnópolis, fossem rebaixando suas expectativas, os técnicos do IPUF mantiveram-se intransigentes em reduzir as dimensões do plano proposto ao longo de toda a década de 1990 e, assim, continuaram no início da década seguinte.

A absorção eufórica das ideias que circulavam pelo mundo sobre o desenvolvimento local vinculado às altas tecnologias fez com que os técnicos do IPUF não se apercebessem que este é um segmento de pouca empregabilidade e que a grande ampliação dos empregos de elevada qualificação, nos centros dinâmicos do sistema, estavam no setor de serviços, do qual a tecnologia é apenas uma parte e que os demais ramos, aqueles que de fato aumentaram os empregos, apoiam-se na tecnologia. A outra base de desenvolvimento proposta é o turismo, que também é de baixa empregabilidade, sobretudo num lugar no qual ele é sazonal. Portanto, eles não poderiam ser pensados, como o fizeram os elaboradores das políticas locais no final da década de oitenta, ao afirmarem que a vocação natural de Florianópolis seria o Turismo e a Indústria de Tecnologia.

Figura 12 - PANFLETO DE DIVULGAÇÃO DO PARQUE TECNOLÓGICO DO CAMPECHE (VERSO)

Figura 13 - PANFLETO DE DIVULGAÇÃO DO PARQUE TECNOLÓGIO DO CAMPECHE (ANVERSO)

As figuras 12 e 13 são do panfleto de divulgação do Parque Tecnológico do Campeche, com suas referências ao século XXI e à ecologia.

Saltam aos olhos, do panfleto (figura 13), os números de suas áreas previstas (123 lotes com área mínima de 5 mil m², sendo 12 deles com mais de 10 mil m², 5 com mais de 20 mil m² e 3 com mais de 30 mil m²) e de estimativa de empregos (22.600).

À esta grandiosidade, contrapõe-se, de certo modo, a sétima vantagem estratégica:

Ambiente natural e qualidade de vida incomparáveis: Florianópolis tem 270 mil habitantes, uma beleza natural rica e preservada, tranquilidade, segurança e 42 praias. Tudo perto de sua casa e local de trabalho, sem os problemas dos grandes centros urbanos.

O panfleto foi elaborado pelo mesmo órgão que fez o Plano Diretor para a Planície do Campeche, em torno desse Parque Tecnológico, com a previsão de 450 mil habitantes, só naquela parte da cidade. Isto é, não é apresentada, na propaganda, a nova cidade e sim, a imagem da tranquila cidade média, de 270 mil habitantes.