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Numa abordagem diferente daquela de Massey e Jess (1995), Borja e Castells (1997) afirmam o seguinte:

Na sociedade da informação, o global molda o local e os fluxos eletrônicos configuram a economia através de relações entre unidades que estão muito distantes uma da outra em termos de espaço. (BORJA; CASTELLS, 1997, p. 1)

A apologia à suposta sociedade da informação leva a trocar o sujeito (economia) e o objeto (fluxos das redes técnicas), já não seria mais a economia, enquanto relações sociais, que estaria a construir, moldar e definir os fluxos das redes técnicas, mas o contrário e os fluxos eletrônicos passam a ser sujeitos e sendo o global o conjunto desses fluxos, eles estariam também a moldar o local, despolitizando-os. Seus governantes tornam-se executivos do modelo.

As autoridades municipais precisam agir em acordos aos níveis nacional e internacional. Isto exige encontrar certas condições tecnológicas, institucionais e políticas. Sob o ponto e vista tecnológico, sistemas informacionais precisam ser estabelecidos em bases de

dados intermunicipais, com acesso on-line permanente e capacidade intelectiva instantânea. Em termos institucionais, associações de cidades e de governos municipais precisam abandonar suas existências lânguidas devotadas apenas a relações formais e oficiais e tornarem-se dinâmicas, ativas em redes, com

permanente e veloz maquinário

administrativo, com uma perspectiva orientada para os negócios, e capazes de tomarem iniciativas em nome dos governos municipais que representam. Em termos políticos, os governos municipais devem conquistar seus poderes próprios e serem capazes de defender suas comunidades de interesses acima e sobre qualquer partido político ou diferenças

ideológicas. (BORJA; CASTELLS,

1997, p. 15)

Tal processo fortaleceria os governos locais enquanto ―(...) atores coletivos dinâmicos na cena econômica global, capazes de negociarem construtivamente com as corporações multinacionais e instituições supranacionais‖ (BORJA; CASTELLS, 1997, p. 15).

A fórmula de Borja e Castells (1997) mantém ideias antigas, como a de existência de interesses gerais das comunidades que estariam acima dos interesses de classes, mas agora, com a explicitação clara da substituição da política pelo gerenciamento empresarial. Sànchez (2003) encontra o mesmo papel desempenhado pelo conservador Lerner, em Curitiba, pelos Sociais Democratas em Barcelona e, até mesmo, pelos petistas, em Santo André. Trata-se, para Sànchez, do papel de promotores de venda da cidade ou mais precisamente, da imagem da cidade, para uma mesma clientela, já identificada anteriormente por Vainer (2000) e já confirmada pelos arautos do modelo, Borja e Castells (1996), isto é, para as corporações multinacionais.

A combinação proposta criticamente por Vainer (2000) de cidade-pátria, cidade-empresa e cidade-mercadoria e a definição

de Sánchez (2003), de cidade-marca ajudam a se perceber o real significado perseguido pelo modelo de estruturação e de integração das sociedades locais para fortalecer a navegação dos governantes locais nos circuitos globais: trata-se da construção de uma identidade social ao produto urbano, ou à empresa urbana. Assim como na empresa, onde os trabalhadores foram promovidos a colaboradores e passam a ter que vestir a camisa da empresa, na cidade empresa e mercadoria deveria, de acordo com o modelo, ocorrer a mesma coisa, e, por esta razão, Vainer a classifica também enquanto pátria. Como na empresa, na cidade, os munícipes passam a ser colaboradores das cidades-empresas.

Se as empresas competem, as cidades-empresas também devem fazê-lo. Borja e Castells assim justificam:

A nova economia global é articulada em termos territoriais em torno de redes de cidades (Sassen, 1994). Cidades, por sua vez, dependem, cada vez mais, das formas de suas articulações com a economia global e disso também dependem os padrões e modos de vida. É por isso que a nova fronteira da gestão urbana consiste em se ter cada cidade pronta para encarar a competição global, uma vez que o bem estar de seus

cidadãos depende disso. (grifo nosso)

(BORJA e CASTELLS, 1997, p. 14) Os interesses locais seriam, então, a qualidade de vida de seus habitantes, as quais dependeriam da competitividade da cidade, sobre o que deveriam ser construídos consensos e novas identidades. Toma-se de empréstimo modelos de gestão e de planejamento empresariais, notadamente o planejamento estratégico, formulado na Escola de Negócios de Harvard (Vainer: 2000). Neste caso, como é pensada a questão de qualidade de vida?

Borja e Castells, ao arrolarem os elementos de produtividade e de competitividade necessários às cidades, acrescentam: ―Mas isso envolve também oferecer uma qualidade de vida que seja capaz de atrair ou manter os grupos profissionais

de mais alto nível de educação‖ (BORJA e CASTELLS, 1997, p. 14)

Parte-se da percepção de que estaria em curso um intenso processo de mudanças na divisão social do trabalho em escala global, o que é verdadeiro, e receita-se às cidades que disputem os profissionais de mais alto nível de educação. Borja e Castels pontuam:

Nem toda região metropolitana pode ser, ou deveria ser, o Vale do Silício ou Yokohama. Mas cada uma requer a combinação de infraestrutura tecnológica, recursos humanos e sistemas flexíveis de gestão, sem o que elas estarão sujeitas aos selvagens e desestabilizantes altos e baixos dos fluxos globais da economia e comunicação. (BORJA e CASTELLS, 1997, p. 14)

É fato que nem toda região metropolitana pode ser o vale do Silício ou Yokohama, mas será que as mudanças na divisão do trabalho estariam a gerar uma expansão numérica expressiva dos setores de mais alta qualificação e com uma distribuição geográfica significativa que possa sustentar tal receituário para os desenvolvimentos locais ao redor do globo?

O desenvolvimento das comunicações gerou uma falsa ideia de que as atividades ligadas às inovações tecnológicas, ao desenvolvimento de projetos e, até mesmo de gestão, poderiam ocorrer em qualquer lugar do planeta. Sassen (1991), autora mencionada por Borja e Castells (1996), demonstra que a globalização produz, como efeito, a maior concentração das atividades de comando das corporações multinacionais em algumas cidades, dos países centrais, dentre elas as de desenvolvimento de projetos que, de acordo com Sennet (2006), pouco produzem de inovações, mesmo nas chamadas indústrias de ponta, cujos esforços concentram-se nas maquiagens dos produtos. As inovações, impulsionadas pela demanda ao enfrentamento da tendência da queda da taxa média de lucro, são voltadas, portanto, à redução da quantidade de trabalho necessária na produção, atingem também os setores tecnológicos.

Mas, na hipótese de sucesso da aplicação do modelo em alguma dada cidade, que empresas sejam atraídas, que profissionais altamente qualificados migrem para ela, num mundo desigual, quantas pessoas de baixa qualificação também não migrariam para esta cidade? Os processos migratórios são complexos e envolvem muitos fatores e o desenvolvimento capitalista pode gerar efeitos contraditórios, enquanto forças de atração e de repulsão de investimentos e de pessoas, como, por exemplo, os investimentos capitalistas no campo provocam, geralmente, fluxos emigratórios, enquanto que, nas cidades, provocam fluxos imigratórios a despeito de não oferecer empregos para todos (CASTELLS, 1977); (ALLEN et al., 1995); (SANTOS, 1990); (RIBEIRO, 1995).

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