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2.1 “FOGO: PROBLEMA OU SOLUÇÃO A PERCEPÇÃO DOS AGRICULTORES FAMILIARES DO SUDESTE DO PARÁ”.

FOGO: UM CONTRAPONTO DE PERCEPÇÃO

2.1 “FOGO: PROBLEMA OU SOLUÇÃO A PERCEPÇÃO DOS AGRICULTORES FAMILIARES DO SUDESTE DO PARÁ”.

Figueiredo (2002) alega que a utilização do fogo como principal instrumento de preparação da terra para plantio na região amazônica é histórica e cultural. O método de utilização do fogo para limpeza de áreas desmatadas e restos de culturas persiste até hoje, principalmente por três razões: sua eficácia, baixo custo e falta de políticas públicas claras, eficientes e adequadas para os diversos setores agrícolas na região amazônica. Pudemos verificar junto ao público alvo que não houve, até bem pouco tempo, ações externas ou internas de grande porte que se opusessem ao seu uso, ou que o interpretassem como algo ruim ou perigoso. Tanto o governo como os setores agrícolas aceitaram o uso do fogo como uma necessidade na Amazônia.

Desta forma, poucos investimentos foram feitos no sentido de se buscar alternativas viáveis (ambientalmente e economicamente) à sua utilização.

A pesquisadora ainda afirma que o fogo e o desmatamento estão intimamente ligados na Amazônia. De acordo com o Relatório Anual Sobre os Índices de Desmatamento na Amazônia Legal (2000), do Inpe, a taxa de desflorestamento bruto vem crescendo progressivamente ano a ano, a uma média de 0,45 % ao ano na região.

Após o IF de Roraima de 1998, governos, sociedade civil e organismos internacionais entraram em estado de alerta. O alerta estrangeiro fundamentou-se em estudos que demonstravam a ameaça que o El Niño poderia causar a integridade de extensas áreas de florestas ocasionando liberação de CO2, perda de biodiversidade e prejuízos econômicos para o

restante da Amazônia.

No estudo, o foco a ser observado concentrou-se no momento de transformação do fogo como instrumento de preparação da terra para o grande inimigo da biodiversidade amazônica.

O questionamento central da pesquisa está colocado da seguinte forma: os agentes internos (diretamente afetados na região) estavam e estão, ao mesmo tempo em que os agentes externos, redimensionando esta questão sobre o uso do fogo, e chegando à percepção do fogo como um agente perigoso e capaz de grande destruição.

Como público-alvo, foram escolhidos os agricultores familiares da Região Sudeste do Pará. A autora esclarece ainda que é de fundamental importância investigar o assunto com os demais setores que estão direta ou indiretamente ligados à questão da utilização do fogo na Amazônia. Destaca que é relevante investigar o objetivo da ação de prevenção ao fogo, de quais prblemas diferentes atores se previnem e como transformam em ações quando da implementação de projetos e campanhas preventivas com o tema fogo. Seria necessário redirecionar as ações de prevenção aos incêndios florestais e controle do uso do fogo de forma a melhorar sua eficiência? A eficiência das ações estaria em sua capacidade de entender os diferentes segmentos usuários do fogo?

O estudo discutiu essas questões, apresentando a percepção dos agricultores sobre o fogo e seu uso, e usando estas como ponto de partida para estruturar as ações.

Para obtenção das informações foram entrevistados, por intermédio de questionário, 220 agricultores familiares de Marabá - sudeste do Pará.

Principais questões:

1. Se os agricultores conhecem técnicas de prevenção para queimar;

2. Se utilizam alguma técnica de prevenção e a freqüência do uso destas técnicas; 3. Freqüência de utilização do fogo;

Perguntas adicionais (efetuadas a uma parte das pessoas entrevistadas): 1. Se os agricultores pedem ao Ibama autorização para desmatar e queimar; 2. Faixa etária dos entrevistados e sexo;

3. O tempo de utilização de uma mesma área para o plantio.

Com o objetivo de obter os dados de forma mais confiável, diminuindo a chance de desconfiança por parte dos agricultores, as entrevistas foram realizadas por pessoas às quais eles estavam familiarizados1.

Figueiredo (2002) foi ao encontro do público alvo e enfatizou que, para uma interpretação real do problema, era preciso deixar de lado os escritos dos folders, leis, projetos. A voz dos afetados, seus apelos e observações foram escutados e pontos de vistas discutidos. Pois o que a autora queria saber era: afinal, a quem são destinadas as ações?

Para evidenciar as suas intenções, a autora cita Weber (1994) aludindo que uma inovação só se constitui por meio de um processo social, sem o qual ela se torna apenas uma invenção sem maiores conseqüências práticas.

Para a construção de políticas públicas coerentes, faz-se necessário não obstaculizar a realidade. Ao discutir políticas públicas que permitam uma forma mais ordenada de ocupação do território, melhor utilização do solo, educação voltada para a realidade amazônica, saúde pública (queima de lixo, fumaça, doenças respiratórias, etc.), manejo sustentável dos recursos naturais e tantos outros temas, o fogo deve estar presente.

Cursos de queimada controlada, intensas fiscalizações e proibições não chegarão a resultados concretos a curto e médio prazo sem que políticas públicas sejam discutidas e implementadas conjuntamente pelos diversos setores responsáveis, sejam eles governamentais, não governamentais ou produtivos, dentro de uma política clara de desenvolvimento.

Na década de 1970, o governo foi muito claro (com eficácia de divulgação e tenacidade de operação) em sua política de desenvolvimento para Amazônia: ocupem e desmatem para dar lugar a agropecuária, há incentivos para todos.

Deste então, não houve para região uma política de desenvolvimento tão clara e acompanhada de tantos incentivos. Se antes o desmatamento foi financiado, hoje não se financia na mesma proporção a manutenção da floresta em pé.

Enquanto o fogo fizer parte unicamente da agenda ambiental, ronda a ameaça de ainda acontecerem muitos incêndios florestais. Todos os setores governamentais envolvidos no planejamento e orçamento de políticas de desenvolvimento teriam que estar trabalhando em conjunto buscando de forma concreta alternativas viáveis ao uso do fogo e um ordenamento

1 Técnicos agrícolas da Copserviços, prestadores de serviços para diversas associações de pequenos produtores e para à Fetagri/regional sudeste/PA e técnicos do Projeto Fogo: Emergência Crônica/Pará que atuam na região.

sustentável para a ocupação e utilização da terra na Amazônia. Quanto mais tempo um agricultor utilizar uma mesma área para plantar, menos desmatamento será preciso e consequentemente menos fogo.

A construção de um modelo de desenvolvimento sustentável e de políticas públicas para atendê-lo não poderão ser discutidas sob o enfrentamento de dois grupos, onde um defende a questão ambiental e o outro o desenvolvimento e a produção. Só pela unicidade do grupo, discutindo produção, desenvolvimento e meio ambiente, poderá haver avanços reais.

Implementar um novo modelo de desenvolvimento que atenda a nova ordem de sustentabilidade exige políticas públicas integradas e respaldadas por créditos e incentivos. Sem isso, será apenas mais papel.

Já no final da sua pesquisa, a autora recomenda que:

- O papel do setor ambiental, principalmente o governamental, deveria ultrapassar a barreira do “meio ambiente” e passar a ser o principal agente fornecedor de subsídios e orientação para os demais setores produtivos do país para a construção de uma política de desenvolvimento de fato sustentável, ambientalmente, socialmente e economicamente.

- Os investimentos na área de prevenção aos incêndios florestais deveriam levar em conta a percepção de seu público-alvo. É o momento de avaliar se o “o remédio” está de acordo com o “paciente”.

- É importante identificar instrumentos/tecnologia disponíveis que possam contribuir na discussão e formulação de propostas adequadas em parceria com público alvo (identificação de problemas, prioridades, expectativas, conseqüências, etc). A modelização pode contribuir pois apresenta um componente visual com informações científicas e do público alvo. A partir da construção de um modelo, os atores locais podem ter uma melhor visão da realidade atual e futuro próximo, em cenários diferentes: com a manutenção da gestão tradicional de utilização dos recursos naturais e com a proposta/implementação de um novo modelo de gestão sustentável. A partir do momento em que se modeliza, não os ecossistemas em si, mas o ecossistema e seu uso vistos por diferentes pontos de vista, se permite uma discussão baseada em percepções e fatos reais que podem ser trabalhados e discutidos um a um de forma objetiva.

Desta forma, poderia haver de fato uma troca de informações entre os atores externos e internos que levaria a construção de uma proposta mais coerente. Esta tecnologia, quando bem elaborada e empregada pode alcançar resultados muito satisfatórios no que se refere a uma nova perspectiva quanto a utilização dos recursos naturais renováveis.

- Buscar a multidisciplinaridade do tema fogo nas áreas de saúde, educação, agropecuária etc. Esta multidisciplinaridade vai contribuir para diminuir a pressão concentrada sobre alguns

setores que normalmente são identificados como “vilões”. A busca deve ser concentrada na identificação de soluções e aliados;

- Um público que vem sendo neglicenciado é o infanto-juvenil. Levando-se em conta que na Amazônia, principalmente na zona rural, as crianças passam para vida adulta ainda na adolescência ajudando desde jovem o pai na roça e/ou constituindo sua própria família. Neste público poder-se-ia investir de forma a alcançar de fato uma mudança de comportamento em curto e médio prazo com relação à gestão dos recursos naturais. Aprende-se morango e elefante, mas no futuro próximo serão cobrados a manejar o açaí e o pirarucu. Urge rever o material didático disponibilizado para a Região Norte e incorporar o meio ambiente de forma interdisciplinar no ensino fundamental;

- É importante buscar a participação das mulheres nesta discussão. Para tanto é necessário que a discussão sobre o fogo seja ampliada, não se restringindo a roça e ao pasto. Fogo também é fumaça, queima de lixo doméstico, e consequentemente, doenças respiratórias. A partir daí estaremos discutindo saúde pública, e saúde pública é responsabilidade e direito de todos.

2.2 “USO DO FOGO POR AGRICULTORES FAMILIARES EM RORAIMA: