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3. PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA MÍNIMA NO BRASIL

3.2 Fome Zero

Em janeiro de 2003, Luiz Inácio Lula da Silva, Lula, assumiu o poder presidencial no Brasil. Apesar dos efeitos causados pelas privatizações, a exemplo, da diminuição dos empregos existentes e pela intensificação da abertura da economia de governos anteriores, defendeu a continuidade dos avanços econômicos conquistados pelo governo anterior, mantendo e ampliando as bases essenciais do arranjo implementado pelo governo Fernando Henrique Cardoso, mas reconheceu o momento de priorização ou, pelo menos, de intensificação de projetos de inclusão social como o Fome Zero que, posteriormente, seria substituído pelo Programa Bolsa Família.

A partir desse momento, combater a pobreza na sua face mais cruel, a fome, passa a ser prioridade nacional. A questão da segurança alimentar é resgatada na esfera da agenda pública e também na área acadêmica do Brasil. Nesse cenário, no rol de propostas de combate à fome lançadas pelo governo federal foi criado o Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar (MESA).

O Programa Fome Zero, instituído em 2003 tinha como desafio assegurar o direito à alimentação adequada àquelas pessoas com dificuldades de acesso aos alimentos, acabar com a fome, combatendo-se a pobreza e a exclusão.

O Fome Zero, quando da sua implantação, surpreendeu, segundo Ferreira, pelo fato de ter sido percebido como benéfico não só por aqueles que estavam em situação de fome, que o viam como um “enfim vão-cuidar-de-mim” mas também por quem não estava nessa situação e via no projeto uma possibilidade de exercício da cidadania.172

De acordo com o Projeto Fome Zero, o Direito à alimentação começa pela

172 FERREIRA, Dina Maria Martins. Não pense, veja: o espetáculo da linguagem no palco do

luta contra fome, ou seja, pela garantia a todos os cidadãos do direito ao acesso diário a alimentos em quantidade e qualidade suficiente para atender às necessidades nutricionais básicas essenciais à manutenção da saúde, mas, frise-se alimentação não representa somente ração básica nutricionalmente balanceada. O Direito à alimentação passa pelo direito de acesso aos recursos e aos meios para produzir ou adquirir alimentos seguros e saudáveis, que possibilitem uma alimentação com os hábitos e práticas alimentares de sua cultura.

Atenta-se para a interpretação de Ferreira no tocante à vontade política extraída da expressão “fome zero”. Para a autora essa vontade estaria relacionada, por certo, à distribuição, mas, além disso, também abrangeria à questão da eliminação, da erradicação da fome. No contexto, a palavra “fome” estaria ligada ao fazer social da distribuição e “zero” referindo-se a um fazer de eliminação da fome. Diante dessa interpretação, considerando-se o objetivo do programa de eliminar os famintos brasileiros, o seu termo fome estaria carregado de sentido negativo, e assim, sendo necessária uma ação de distribuição para chegar-se no não-mais- esfomeado.173

No entanto, este direito social deve ser garantido pelos governantes e pela sociedade civil. Por isso é que este projeto se caracteriza por uma política nacional integrada, ou seja, uma proposta que exige a mobilização de todos, incluindo os governos nos três níveis – federal, estadual e municipal – e sociedade civil (ONGS, associações e empresas).

O Fome Zero traz de volta o debate sobre políticas universais, expressando atuação conjunta do governo e da sociedade na conquista e desenvolvimento da cidadania.

Conforme outrora referido, o programa, inicialmente, estava vinculado ao Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar (MESA), que foi extinto na reforma ministerial de 2004. As diretrizes do programa primavam pela transversalidade e intersetorialidade das ações estatais nas três esferas de governo associado ao desenvolvimento de ações conjuntas entre o Estado e a sociedade, com o intuito de superar desigualdades econômicas, sociais, de gênero e raça, por meio da articulação entre orçamento e gestão de medidas emergenciais com políticas estruturais.174

173 FERREIRA, Dina Maria Martins. op. cit., p. 115.

Concorrência institucional, que dificulta ou mesmo inviabiliza a coordenação de ações de caráter intersetorial para o combate à pobreza; participação de uma mesma família em dois ou três programas, enquanto outras famílias, em condições iguais ou não, não são atendidas e valor da transferência muito baixo são apontadas como características da política de transferência de renda no Brasil.175

O fato é que o Governo Federal destinava parcela significativa de recursos para programas sociais, contudo apenas parte desses recursos chegava ao público alvo por razões de fraude e mesmo pelos obstáculos gerados pelo longo caminho que percorria até chegar aos beneficiários.

É preciso considerar que a fome, bem como, a desnutrição e, até a má alimentação, apresentam variados fatores determinantes, como culturais, históricos, e, sobretudo, os econômicos e políticos cujo processo de erradicação encontra inúmeros obstáculos.

O Programa Fome Zero intentava o enfrentamento das causas da fome. Esse objetivo logo esbarrava na questão da quantificação dos famintos do país. Então um método específico fora elaborado pelos autores do projeto para mensurar a população vulnerável à fome que, era o seu público alvo. Esse método tinha como base os dados de renda total declarada na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 1999.

Diante dessa realidade, o programa trazia, originalmente, uma proposta que envolvia, de forma simultânea, medidas para a ampliação da demanda dos alimentos e para a queda dos seus preços e, ainda, de maneira imediata, programas emergenciais para alcançar a população excluída do mercado.

O grande problema da fome no Brasil carecia de um enfrentamento por meio do desenvolvimento econômico do país cujo crescimento passasse pela questão da distribuição de renda e, ao mesmo tempo, gerando empregos, melhorando os salários e aumento do poder aquisitivo do salário mínimo, ou seja, tinha-se a recuperação do mercado como meta.

Num tempo em que o absolutismo dos mercados havia ocupado praticamente todas as prerrogativas do destino humano, o Brasil decidiu que não

175 MESQUITA, Camile Sahb. Contradições do processo de implementação de políticas públicas: uma

análise do Programa Bolsa Família 2003-2006. Brasília: Revista do Serviço Público, 57(4), out/dez, 2006, p. 475.

bastava trocar a perversidade da exclusão pelo círculo vicioso da dependência assistencial. Era necessário regenerar a alavanca do desenvolvimento e fazer da justiça social o principal motor do crescimento sustentável. A partir do Fome Zero, com a mobilização da sociedade civil, foi conferida a legitimidade necessária para recolocar a segurança nacional alimentar no topo da agenda do Estado.176

A conjugação entre as denominadas políticas públicas estruturais, ou seja, as políticas de redistribuição de renda, de geração de empregos, entre outras, e as ações de caráter emergencial era o eixo central do Projeto.177

A estrutura do (MESA), extinto em 2004, foi incorporada ao novo Ministério de Desenvolvimento Social de Combate à Fome (MDS). Além disso, as estruturas e as políticas do Ministério da Assistência Social e da Secretaria Executiva do Bolsa Família foram integradas ao MDS. A partir de então, a área de segurança alimentar ficou sob a responsabilidade da Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional (SESAN), suplantando-se a estrutura original do Fome Zero. Como consequência, houve a desarticulação e a fragmentação das ações.

Revela-se o chamado programa de transferência de renda condicionada – Bolsa Família, a ser analisado no próximo tópico.