• Nenhum resultado encontrado

“É principalmente na face que o homem expressa seus sentimentos, sendo o mais nobre o sorriso, por representar sua emoção mais positiva“.

Ivo Pitanguy

Na área da motricidade oral, que já é uma especialidade, é clara e marcante a luta dos fonoaudiólogos, que procuram desenvolver e mostrar a importância da Fonoaudiologia para avaliar, diagnosticar, prevenir, orientar e tratar as alterações do sistema estomatognático.

A Fonoaudiologia vem ganhando espaço nesses últimos anos, graças ao empenho em pontuar seu valor, com um trabalho integrado, ético e com cumplicidade, a fim de que o paciente seja o maior favorecido (Periotto e Camargo, 1998). Os distúrbios miofuncionais são considerados como interferência nas funções adequadamente exercidas pela face humana, ou seja, na sucção, respiração, deglutição, mastigação, fonoarticulação e, consequentemente, em toda a dinâmica neuromuscular (Barroso, 1998).

O autor conceitua a Ortodontia como uma especialidade da Odontologia que compreende o diagnóstico, prevenção e tratamento das irregularidades dentárias e faciais. Para Köhler (1998), a Ortodontia, não deve ser apenas um campo das ciências da saúde, com conotações dogmáticas e estereotipadas; mas, sim, ser aberta às nossas tendências e conhecimentos - e por conseqüência - ser altamente dinâmica e evolutiva no transcorrer do tempo.

A Ortodontia e a Fonoaudiologia no Brasil estão caminhando paralelamente, há pelo menos 30 anos, existindo momentos de maior ou menor aproximação entre essas duas ciências (Marchesan e Mitri, s/d). Historicamente, sabe-se que, em um primeiro momento, os problemas de motricidade oral foram supervalorizados e, muitas vezes, vistos de forma fragmentada. Primeiramente, nenhuma recidiva no posicionamento dentário era relacionada a alterações funcionais; depois, todas as recidivas pareciam ocorrer por uma alteração de função, e o fonoaudiólogo, neste período, foi muito requisitado para solucionar o problema (Dragone; Coleta e Bianchini, 1998).

Hanson e Barret (1985) relatam que os ortodontistas faziam muitos encaminhamentos para facilitar seu próprio trabalho e, principalmente, para evitar a reincidência de problemas de oclusão após o tratamento ortodôntico.

Hoje, há uma reflexão maior sobre o que realmente é alteração de função e o que pode ser uma adaptação frente ao tipo facial ou funcional de cada indivíduo. Neste momento, tanto o fonoaudiólogo como o ortodontista têm a consciência de que supervalorizar ou fragmentar dados pode trazer uma visão distorcida de casos clínicos.

O sistema estomatognático é complexo e está interligado a muitas funções orgânicas vitais. Muitos fatores concorrem para a estabilidade das estruturas esqueléticas e dos padrões miofuncionais da face. Seu estudo abrange várias áreas de conhecimento, o que significa que é necessária a opinião de vários profissionais da saúde (Dragone; Coleta e Bianchini, 1998).

Quando os distúrbios miofuncionais já se instalaram e o paciente apresenta alterações respiratórias e, possivelmente, deformidades morfológicas da face, é urgente que o paciente seja encaminhado a um tratamento integral, feito por uma equipe profissional multidisciplinar, composta, pelo menos, por otorrinolaringologista, fonoaudiólogo e ortodontista/ortopedista dentofacial (Barroso, 1998; Bianchini, 1998). O tratamento multidisciplinar não deve significar vários tratamentos ao mesmo tempo, mas, sim, um tratamento único, realizado por vários profissionais, a fim de que se possa superar a formação compartimentalizada e se possa ver o ser humano em sua integridade (Felício, 1994).

Segovia (1992) ressalta a importância de uma análise anterior a qualquer encaminhamento para estabelecer corretamente as reais necessidades de um caso e, assim, tornar os encaminhamentos mais precisos, acertivos e eficientes (Vellini, 1996). Merleau – Ponty (1975), faz uma analogia da visão de equipe sobre um paciente, como uma casa : “A casa mesma não é a casa vista de nenhuma parte, mas, sim, a casa vista desde todas as partes” (p. 88).

O fonoaudiólogo que possui condições de atuar sobre o sistema sensório- motor oral se une ao ortodontista, com a finalidade de, juntos, obterem o equilíbrio do sistema estomatognático (Felício, 1994). Tabith (1988) relata que as relações entre a Fonoaudiologia e Ortodontia são fundamentais em dois aspectos básicos: 1- A correta articulação dos sons da fala solicita posicionamentos e movimentos

precisos dos articuladores, que só são viáveis na presença de uma adequada estrutura morfológica orofacial. A intervenção odontológica, muitas vezes, é essencial para a correção dos distúrbios articulatórios, em conjunto com o tratamento fonoaudiológico .

2- Em contrapartida, uma inadequação miofuncional dos articuladores é decisiva na determinação de alterações morfológicas orofaciais e requer uma intervenção conjunta dos dois campos profissionais.

Uma conduta básica é que a avaliação funcional, prognóstico e tratamento sejam resolvidos pelos dois profissionais. Nem sempre tem-se ortodontista e fonoaudiólogo no mesmo local, mesmo assim , é necessário criar estratégias para que se realize um diagnóstico em conjunto (Periotto e Camargo, 1998). Desta forma, a terapia será mais adequada, já que as áreas integradas contribuirão com suas experiências e conhecimentos tanto nas modificações estruturais como nas

funcionais (Marchesan e Mitri, s/d). Sabe-se que o sistema estomatognático é um complexo de estruturas que exercem funções vitais para o organismo, tais como: respiração, mastigação e deglutição. Tais estruturas são também utilizadas para outras funções igualmente importantes, como a voz, a articulação das palavras e como válvula auxiliar em esquemas de força (Dragone, Coleta e Bianchini, 1998).

As partes deste sistema não são especializadas em uma só função; assim, alterações em quaisquer componentes do sistema estomatognático provocam desequilíbrios que se manifestam na conformação e estrutura dos órgãos interrelacionados. Adaptações funcionais são desencadeadas por este sistema e organismo em geral, e, poderão ou não ser compensadas. A reação muito dependerá da genética, das condições orgânicas momentâneas, das influências do meio ambiente e dos hábitos de vida do indivíduo (Torres, 1973).

Jabur (1994) sugere que as avaliações devem ser realizadas no sentido de tratar o problema de forma global, analisando todas as possibilidades, pois forma e função estão intimamente ligadas. Köhler (1998), vai mais longe, e até idealiza um profissional completo para uma terapêutica morfofuncional global da face. Este profissional deveria ser no mínimo e ao mesmo tempo um otorrinolaringologista, ortopedista funcional, ortodontista e mioterapeuta facial.

Como isto seria praticamente impossível; Marchesan e Mitri (s/d) sugerem que a Fonoaudiologia precisa alguns dados da Ortodontia e vice-versa.

O que o ortodontista precisa saber sobre a Fonoaudiologia:

• Como as estruturas moles estão em termos de forma, mobilidade isolada e tonicidade.

• Como essas estruturas atuam em conjunto nas funções de respiração, mastigação e deglutição.

• O quanto a função está impedida de ocorrer de maneira correta por causa da forma.

• O quanto o fonoaudiólogo pode controlar a nível de musculatura as recidivas de mordidas abertas pós-tratamento.

• Até onde um escape lateral de fala pode ou não interferir na mordida aberta lateral.

• O quanto o fonoaudiólogo pode interferir com uma terapia de respiração nasal para maior estabilização do trabalho ortodôntico.

• O quanto os hábitos de sucção ou posturais podem estar intervindo no trabalho da Ortodontia.

O que o fonoaudiólogo precisa saber sobre Ortodontia:

• Dados sobre crescimento e desenvolvimento craniofacial contidos na análise cefalométrica.

• Se as alterações são esqueletais ou só deformidades dentárias devido a hábitos viciosos.

• Se as bases ósseas estão harmônicas ou o paciente não tem condição de estabilizar a parte funcional por falta de condições anatômicas.

• Se os dentes têm condição ou não de se acomodarem no arco para uma melhor adequação da mastigação.

• Se uma mordida aberta é esqueletal ou apenas conseqüência de hábitos viciosos.

• Se o palato é estreitado e pode sofrer uma expansão para uma melhora do acoplamento lingual.

• Se o tratamento ortodôntico sendo precedente pode fornecer melhores condições de trabalho à Fonoaudiologia.

A avaliação da postura do tecido mole e sua relação com a posição dos incisivos deve ser sempre relevada em diagnóstico conjunto, já que extrações dentárias podem trazer achatamento do perfil, assim como a projeção dos incisivos protrui o mesmo. Os parâmetros de normalidade deveriam ser revistos, já que indivíduos diferentes, com faces distintas possuem características peculiares que não deveriam ser confundidas com distúrbio ou atipia (Bianchini, 1998).

O profissional deve ser flexível o suficiente para encarar cada caso como único. Deve evitar fazer padronização, pois a capacidade adaptativa de cada indivíduo é muito variável. Para alguns, as alterações de oclusão, mesmo pequenas, podem agir como fator desencadeante de uma alteração da função, enquanto que, para outros, isto poderá não ocorrer (Vellini, 1996).

O sistema estomatognático possui grande plasticidade e capacidade de desenvolver padrões adaptativos (Bianchini, 1998). Assim, ao avaliar a face - e suas múltiplas funções - deve-se lembrar que ela é componente de um sistema maior (Köhler, 1998). Qualquer terapêutica que visa corrigir os distúrbios morfofuncionais desse aparelho orgânico, necessita ser conduzida segundo os fundamentos anatomo-fisiológicos de todas as partes isoladas, mas que funcionam coletivamente como uma unidade biológica (Vellini, 1996).

Para Bianchini (1998), as correções são interdependentes, porém cada uma no seu momento, para assim contribuir com a reorganização do sistema estomatognático (Torres, 1973). As arcadas devem ser observadas antes de se propor um trabalho miofuncional: se há mordida cruzada, palato muito estreito; qual a condição respiratória, presença de hábitos nocivos e a tipologia facial, uma vez que esta última está diretamente relacionada ao padrão muscular do paciente (Bianchini, 1998).

Às vezes, o tratamento fonoaudiológico pode ocorrer em concomitância com o tratamento da maloclusão, mas, em alguns casos, os problemas oclusais não favorecem a realização dos exercícios. Quando o ortodontista encaminha o paciente ao fonoaudiólogo, deve dar condições para o trabalho deste especialista. Estas condições seriam normalizações morfológicas básicas (Lino, 1994).

Encontra-se, às vezes, dificuldade em estabelecer um vedamento labial satisfatório em função da posição inadequada dos dentes incisivos ou devido a uma alteração esquelética, como altura facial inferior aumentada. Nestas circunstâncias, o trabalho fonoaudiológico torna-se inviável sem a correção da forma pelo ortodontista, pois as funções estomatognáticas encontram-se adaptadas às estruturas de tecido duro.

Nos casos onde a inclinação dos dentes incisivos impede a posição ideal dos lábios, é melhor que a correção ortodôntica se faça antes do trabalho fonoaudiológico, porque, geralmente, após a correção dentária, os lábios retornam à sua postura e função normais, sem necessidade de reeducação (Bianchini, 1998).

Ao final do tratamento ortodôntico, a grande preocupação de muitos profissionais é a estabilização dos casos. Lino (1994) afirma com segurança que a estabilidade dos bons resultados obtidos ortodonticamente depende muito da normalização funcional .

Tabith (1988) considera que o tratamento de padrões alterados de atividade muscular é fundamental para a correção das maloclusões e manutenção da oclusão normal obtida pelo tratamento ortodôntico. Bianchini (1998) e Vellini (1996) salientam que, para a estabilidade postural tanto de língua quanto de lábios, forma e função devem ser corrigidos.

Moyers e Carlson (1993), questionando sobre a modificação pós- tratamento, relatam que muitas maloclusões podem ter suas origens num comportamento neuromuscular anormal, e muitas maloclusões tratadas ortodonticamente não são estáveis porque a estabilidade oclusal, em última análise, não pode ser mantida pelos músculos. Segundo Enlow (1993), o problema clínico das recidivas é uma expressão do normal das mesmas funções de remodelamento, como uma maneira biológica de restaurar um estado preexistente de equilíbrio morfológico complexo, que foi alterado por intervenção clínica.

Os questionamentos, conceitos, e dúvidas são variados de autor para autor. O que cabe a cada profissional é buscar o outro e, assim, trocar e unir conhecimentos. Como afirma Marchesan e Mitri (s/d), o tipo de conduta de um profissional deve ser compreendido pelo outro para que o caso seja melhor resolvido. Fala sobre um diálogo franco, sem pontos obscuros para o auxílio no diagnóstico e prognóstico de cada caso.

Conclui-se que a funcionalidade individual e a intervenção conjunta são a tônica deste trabalho, que tenta diminuir os insucessos (Marchesan e Mitri, s/d). Atipias, adaptações e compensações devem ser compreendidas e analisadas num raciocínio dinâmico e longitudinal, sempre calcados numa postura ética e de humildade (Periotto e Camargo, 1998).

Para Segovia (1992), cada especialista deve conhecer as possibilidades e limitações dos outros especialistas e trabalhar com espírito de equipe, baseado nos quatro C : coerência – comunicação – compreensão – coordenação. A forma de trabalho deve ser aberta e de estilo profissional. A interrelação entre os profissionais deve ser clara, precisa e ampla, para evitar equívocos, erros ou retrocessos. Trabalhar em equipe é enfrentar um problema comum a várias especialidades, o qual é enfocado de diferentes ângulos e com uma só perspectiva, para um único beneficiado: o paciente.

Documentos relacionados