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PERSPECTIVA TEÓRICA

4.7 Fonologia de Laboratório

Fonologia de Laboratório é a denominação de um campo multidisciplinar que busca compreender a relação entre a teoria fonológica e os dados empíricos. Uma das premissas desse campo de pesquisa é de que fonologia pertence às ciências naturais, no sentido em que as línguas são parte integrante do mundo natural, incluindo as características específicas de cada língua e a variação sociolinguística (PIERREHUMBERT, BECKMANN & LADD, 2000). Em vez de rechaçar os dados sociais, os fonólogos de laboratório almejam construir uma teoria capaz de compreender a comunição humana como sistema complexo que interage intimamente com a organização cognitiva e social dos falantes. Cristófaro-Silva (2006, p.30) salienta a importância do ângulo conexionista dessa linha de trabalho que integra pressupostos fonéticos e fonológicos:

Ao se distanciar de uma visão modularista do componente lingüístico, as perspectivas que integram a Fonética e a Fonologia em domínios análogos sugerem que a linguagem reflita, em

algum nível, a organização de conhecimento que é característica da espécie humana. A variabilidade nas representações indica que ao invés de termos níveis diferenciados de representação entre a fonética e a fonologia podemos buscar evidências complementares ao integrarmos métodos e teorias das duas disciplinas.

A Fonologia de Laboratório é antes a reunião de um grupo de pesquisadores, surgida a partir de uma série de conferências nos anos 90, do que uma escola teórica propriamente dita. O objetivo comum da pesquisa na área é fortalecer as bases empíricas e científicas da teoria fonológica através da melhora da metodologia, do acúmulo de resultados e do modelamento explícito (idem). As metas pragmáticas, mais do que a escolha teórica, são o que une os praticantes dessa corrente metodológica. Dentre as metas comuns mais proeminentes da pesquisa em Fonologia de Laboratório está a experimentação acerca dos correlatos acústicos da representação mental da estrutura sonora.

O emprego de instrumentos da matemática é também crucial no formalismo empregado nas pesquisas do campo. A matemática tanto discreta como contínua são usadas pela Fonologia de Laboratório objetivando consolidar os métodos e análises que expliquem mais acuradamente os fenômenos linguísticos observados. A matemática discreta oferece ferramentas para a investigação de fenômenos de ocorrência abrupta, ao passo que a matemática contínua presta-se ao estudo de fenômenos gradientes. A postulação de segmentos discretos ou de unidades categóricas de organização, tal qual o fonema, está relacionada à abordagem discreta da matemática. Contudo, a proposta da Fonologia de Laboratório é de avaliar a gradiência na construção dos sistemas sonoros. Sob essa visão, há um caráter gradiente que caracteriza as representações, sendo que as categorias discretas podem ainda ser observadas nos extremos do contínuo. O exemplo abaixo ilustra a gradualidade do fenômeno de redução vocálica em uma sílaba como ‘bis’:

Figura 18 - Exemplo de consolidação de tipos silábicos

Em um contexto sincrônico, é possível que se encontrem todas as variantes expostas no contínuo ilustrado na FIGURA 18. Contudo, uma análise linguística diacrônica posterior poderia registrar apenas os dois pontos extremos do contínuo, representando a mudança de maneira categórica, com a notação [] > []. Apesar de ser possível propor tal análise, ela não explica o contexto de variação ou o percurso em que a mudança se deu. Os limites dos

fenômenos observados apresentam propriedades categóricas, mas, no momento em que a variação ocorre, há uma multiplicidade de ocorrências e representações. A essa ideia remetem o contínuo de vozeamento exposto na seção 3.4 acima e a representação mental em exemplares.

A variabilidade atestada nas línguas possibilita aos falantes construírem generalizações em relação a novos casos, transferindo assim seu aprendizado em nível perceptual à produção. Ainda segundo Cristófaro-Silva (2006):

De fato, podemos argumentar que a variabilidade propicia a necessidade de abstração. Obviamente, construir abstrações impõe grande demanda cognitiva, mas padrões abstratos são aprendidos porque se faz necessário gerenciar a variabilidade observável (no mundo). A categorização de unidades experenciadas é possivelmente o mecanismo mais eficaz para gerenciarmos nossas experiências. (p. 32-33)

Em suma, há indícios importantes reunidos pela pesquisa em Fonologia de Laboratório de que as representações múltiplas são parte integrante dos processos cognitivos ligados à linguagem e à cognição em geral. As investigações no campo, bem como as evidências apresentadas pelos modelos multirrepresentacionais, motivam a inclusão do detalhe fonético nas representações sonoras. Ademais, as possibilidades oferecidas pelas análises através da matemática contínua justificam o estudo de variação do ponto de vista da Fonologia. Deste modo, a integração dos estudos fonéticos e fonológicos torna-se possível pautando-se em critérios objetivos e modeláveis empiricamente.

4.8 Resumo

Neste capítulo foram expostos os princípios teóricos que regem a execução deste trabalho. Discutiram-se as macrocorrentes linguísticas do Estruturalismo, Gerativismo e Funcionalismo (sendo esta última que embasa esta dissertação). Os modelos multirrepresentacionais da Fonologia de Uso, os Modelos de Exemplares e a Fonologia Articulatória foram detalhados de acordo com a sua contribuição para a execução desta pesquisa. Uma breve exposição da questão da Difusão Lexical seguiu-se à pormenorização das contribuições teóricas oferecidas pelos modelos multirrepresentacionais. Por fim, contextualizou-se a abordagem empírica utilizada nesta dissertação aos trabalhos realizados dentro do campo multidisciplinar da Fonologia de Laboratório.

As propostas multirrepresentacionais têm em comum contemplar a gradiência como parte integrante das representações mentais. Ademais, os modelos multirrepresentacionais fornecem ferramentas para avaliar efeitos de frequência e indicar tendências dinâmicas de evolução de fenômenos fonológicos. A frequência de uso também é importante para esses modelos, pois atua reforçando as representações na Fonologia de Uso e nos Modelos de Exemplares; e na Fonologia Articulatória, a consolidação das rotinas motoras decorrente do uso frequente dos itens é responsável pelo aumento da sobreposição dos gestos articulatórios.

Havendo exposto as perspectivas teóricas que guiaram a execução deste trabalho, passa-se ao capítulo no qual é descrita e detalhada a metodologia empregada na pesquisa proposta.

CAPÍTULO 5

METODOLOGIA

5.1 Introdução

Este capítulo explicita os procedimentos utilizados no planejamento, organização e execução do experimento que forneceu os dados desta pesquisa. Indica-se como foi feita a seleção das palavras e dos informantes gravados, além de serem expostos os princípios metodológicos que basearam a forma como o experimento foi concebido e os dados analisados.

É relevante ressaltar que a análise dos dados se deu de duas maneiras. A primeira, de caráter binário, visou investigar como a redução das vogais altas pretônicas se relaciona com a frequência de uso dos itens investigados, tanto quanto com a difusão da mudança pelo léxico. A segunda análise teve cunho gradiente e focou-se no estudo das reduções por meio das taxas de duração dos segmentos envolvidos na mudança. O intuito da análise gradiente foi relacionar a ocorrência das reduções às premissas da Fonologia de Uso, dos Modelos de Exemplares e da Fonologia Articulatória acerca da não-categorialidade da mudança fonética.

A organização do capítulo é a seguinte: primeiramente são explicitadas as variáveis dependentes e independentes estruturais e não estruturais testadas nesta pesquisa. Em seguida, descrevem-se o corpus do qual foram tiradas as palavras-teste e o critério de seleção desses itens, seguidos dos parâmetros de seleção dos informantes. Por fim, expõem-se a organização do experimento e da coleta dos dados em si.