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FONTE: ARQUIVO PESSOAL DE ARISTIDES GUIMARÃES

O show apresentado por Ana Lúcia Leão em companhia da banda “The Silver Jets” foi um verdadeiro sucesso. Havia, inclusive, suscitado comentários elogiosos do crítico cultural do Diário de Pernambuco Jeová Franklin que foi pessoalmente conferir o show de estreia da cantora tropicalista. Assim, com essa pequena temporada de apresentações na FAFIRE, os tropicalistas pernambucanos terminavam o ano de 1968 consagrados pelo público jovem e universitário. No entanto, com a instituição do AI-5 um diapasão de silêncio e desconfiança voltava a tomar conta da cena artística local. No Rio de Janeiro, Caetano Veloso e Gilberto Gil eram presos. O Tropicalismo passava daquele momento em diante a não ser

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“Ana Lúcia mostra em “show” porque “É proibido proibir””. Jornal do Commercio (PE). 10/11/1968. II Caderno, p. 2.

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visto com bons olhos pelos militares. Se antes existia certa tolerância, a partir do AI-5 iniciavam-se o período de perseguições.

E a repressão não demoraria a cair sobre os tropicalistas pernambucanos, principalmente, sobre aquele personagem considerado pelos militares como o líder do movimento: Jomard Muniz de Britto. Em 1969, ao regressar de uma viagem de férias ao Rio de Janeiro, onde entusiasmadamente havia noticiado aos quatro ventos e aos amigos sulistas o que estava acontecendo em termos de “revolição” artística e intelectual no Recife495, Britto foi surpreendido por um documento assinado pela professora Vilma dos Santos Cardoso Monteiro, Coordenadora do Instituto Central de Filosofia e Ciências Humanas (ICFCH) da Universidade Federal da Paraíba, cuja mensagem dizia:

Senhor Professor:

Cumpre-me comunicar que, por ordem do comandante da Guarnição Federal, expedida à Reitoria da UFPB, V.S. está impedido de lecionar no ICFCH.

Cordialmente,

(VILMA DOS SANTOS CARDOSO MONTEIRO).496

Destaque-se que, de 1° de março de 1969 até 20 de fevereiro de 1973, JMB ficou “impedido” de lecionar na UFPB, desde então, mantendo seus horários diuturnos livres para qualquer chamamento daquela instituição bem como registrando o recebimento de seu salário, porém sem ao menos saber os motivos que justificaram a medida de força contra ele tomada. Quando eis que, em 14 de fevereiro de 1973, o intelectual pernambucano recebeu um ofício do Ministério de Educação e Cultura convidando-o “a comparecer ao 8° (oitavo) andar do Edifício da Reitoria da Universidade Federal da Paraíba [...] no próximo dia 20 – (vinte) [...]

495 Uma matéria chegou a ser publicada no Diário de Notícias por um dos seus interlocutores cariocas sobre o movimento Tropicalista engendrado pelos grupos de vanguarda de Pernambuco, da Paraíba e de Natal. Sob o título de “Tropicalismo ao Norte”, Vladimir Carvalho salientava (através das informações absorvidas das conversas com JMB) a diferenciação entre o que seria o Tropicalismo de Gilberto Freyre, única produção cultural conhecida pelos sulistas, e o Tropicalismo vanguardista. Então, dizia Carvalho: “Para o escritor recifense que também é professor universitário de larga influência, o tropicalismo pernambucano de agora nada tem que ver com o “Manifesto” citado [anteriormente, Carvalho havia feito uma referência ao Manifesto Regionalista], no fundo uma promoção ufanista do caráter retrógrado. A vanguarda nordestina presentemente baseia a sua afirmação em uma “oposição consciente e radical ao folclorismo, ao regionalismo tradicionalista, ao luso- tropicalismo, enfim, ao sociologismo”. Antes na maioria das vezes o “regionalismo” servia para esconder ou mascarar uma falta de atualização cultural, um baixo nível de informação”. Tropicalismo ao norte. In: COHN, Sérgio (Org.). Jomard Muniz de Britto. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2013. p. 39.

496 Documento I. 22 – ICFCH/185/69. Em 1° de março de 1969. In: O caso Jomard Muniz de Britto: um capítulo do livro negro da UFPB ou o surrealismo da repressão. João Pessoa: ADUFPB-JP, 1979. p. 12.

às 15:30 horas, para ser ouvido sobe as acusações constantes do processo causa”497. Percebamos que mesmo cinco anos depois de instaurado o “Inquérito Sumário” contra JMB, ele era convidado para “ser ouvido sobre as acusações” que sobre ele pesavam, sem nem sequer saber quais eram tais acusações, através de uma inquirição dirimida por um professor- investigante.

No “Termo de Inquirição” de Jomard Muniz de Britto emitido pela Comissão de Investigação Sumária do Ministério da Educação e Cultura (CISMEC), datado de 1° de dezembro de 1973, registravam-se cerca de oito acusações referentes a ‘supostos atos de subversão’ praticados por Britto, especificamente, nos anos de 1965 (duas) e 1968 (seis). Acusações, diga-se de passagem, desprovidas de quaisquer substâncias dignas que justificassem a violentação sofrida pelo professor da UFPB. Algumas delas destacamos a seguir:

[...] O prof-Investigante [Odísio Borba Duarte] indagou se o Declarante havia escrito algum livro e se o mesmo teve divulgação? Disse ser autor de dois Ensaios editados no Sul do País – um intitulado: “Contradições do Homem Brasileiro” pela Editora TB, e o outro, “Do Modernismo a Bossa Nova” através dos quais revela uma interpretação estética da cultura brasileira. Perguntado se o depoente desenvolvia alguma atividade artística? Disse que a sua principal arte sempre foi mesmo a de ensinar, afora isso sempre cultivou o cinema, o teatro, a música e a poesia. Com profundo diletantismo. O Prof-Investigante perguntou se o inquirido integrou o chamado “Movimento Tropicalista” nas suas atividades artísticas. Respondeu que sim. Indagado como o depoente conceituava este movimento? Como a necessidade de fazer com que a cultura brasileira reconheça as suas raízes e ao mesmo tempo se projete universalmente [...].498

Depois desse fatídico episódio sofrido por JMB, temendo a perseguição policial, a prisão e a tortura boa parte dos intelectuais e artistas representantes do Tropicalismo no Nordeste migrou para o Rio de Janeiro e para São Paulo. Casos de Aristides Guimarães, Raul Córdula, Marcus Vinícius de Andrade, Ana Lúcia Leão e Marcos Silva. Já para os que aqui optaram em permanecer, como Jomard Muniz de Britto e Celso Marconi, não houve perdão. Enquanto o primeiro era impedido de exercer a docência na Universidade Federal da Paraíba, o segundo perdia a editoração do caderno cultural do Jornal do Commercio para um interposto do poeta Audálio Alves. Contudo, alguns suspiros tropicalistas ainda aconteceriam, em 1969, em torno do Laboratório de Sons Estranhos (LSE), grupo musical formado por

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Documento III – OF. N° OD – 11/73. 14/fevereiro/73. In: O caso Jomard Muniz de Britto: um capítulo do livro negro da UFPB ou o surrealismo da repressão. João Pessoa: ADUFPB-JP, 1979. p. 17.

498 Documento IV – Termo de Inquirição do Ind. Jomard José Muniz de Britto. 1° de Dezembro de 1973. In: Op. Cit., p. 20-21.

Aristides Guimarães, Robertinho do Recife, Maristone, Eduardo Maia, Jomard Muniz de Britto e outros integrantes dos grupos “Os Bambinos” e “Os Moderatos”, como os shows realizados no Festival da Manchete e no Teatro de Santa Isabel, este último muito bem produzido e divulgado levando o nome de “2001: o Tempo e o Som”.499

O período pós-tropicalista, especificamente, a primeira metade da década de 1970 no Recife, seria marcado no campo musical pela ascensão de um novo registro simbólico- comportamental classificado como Psicodelia Nordestina. Momento no qual alguns jovens cantores e compositores de destaque na cidade, inclusive, alguns daqueles inicialmente ligados ao Tropicalismo, como os integrantes dos grupos “Os Moderatos”, “The Silver Jets” e “Os Bambinos”, fundaram novas bandas em que o experimentalismo musical seria levado ao extremo de sua produção na formação de uma verdadeira vanguarda marginal nordestina. Bandas tais como Tamarineira Village/Ave Sangria, Marconi Norato, Lula Côrtes e Lailson, Flaviola e a Banda do Sol entre outros grupos embarcaram na trilha sonora do desbunde. No campo do teatro, a partir de 1972, a abertura Tropicalista havia proporcionado uma das mais instigantes experiências da história cultural contemporânea de Pernambuco: o Vivencial Diversiones. Já no campo das artes plásticas, o Poema Processo havia influenciado a construção de uma intricada rede de artistas e intelectuais por quase todo o Nordeste incentivando aquilo que ficaria conhecido como a produção de Arte-Postal ou Arte-Correio.

499 Aristides Guimarães. Recife, 22 de janeiro de 2015. Ver também: Tropicalismo. In: TELES, José. Do frevo ao manguebeat. São Paulo: Editora 34, 2000. p. 119.