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Para realização do show final da I Feira de Música do Nordeste foram cumpridas três audições, tendo sido classificadas ao término destas um total de 15 canções de “compositores nordestinos, defendendo os temas regionais, ao lado de jovens talentos que apresentaram, em sua maioria, músicas românticas ou os trepidantes ritmos modernos”104. Entre composições que variaram da bossa nova ao repente, do samba canção ao baião e até mesmo a embolada, alguns nomes já conhecidos do grande público pernambucano e outros então anônimos tiveram a oportunidade de mostrar seu talento. Diferentemente daqueles festivais musicais realizados no Rio de Janeiro e São Paulo, os compositores inscritos na I Feira de Música do Nordeste não subiam ao palco para interpretar suas canções, eram os artistas do Grupo Construção que executavam esse papel.105 Entre as composições finalistas dessa primeira edição estavam:

Infinito, de Paulo Guimarães; Canto da Terra, de Fernando Cascudo; Bom Tempo ao Mar, de Fernando Rocha; Solução, de Pádua Moreira; Rompe a Lida, de José Fernandes e Marcelo Melo; Benza Deus, de Alcântara e Lins;

e Bumba meu Boi, de Fernando Cascudo.106

Ainda no ano de 1966, cerca de dois meses depois da I Feira de Música do Nordeste, o Jornal do Commercio propagandeava a mais nova montagem do Grupo Construção: o show-pesquisa “Louvação”. De volta ao Teatro de Arena, o grupo retornava aos palcos dando continuidade ao trabalho cênico pelo qual havia se consagrado. Segundo nota publicada no JC, “Louvação” havia sido escrita “pelo jornalista e compositor Fernando Luís Câmara Cascudo, a partir de pesquisas feitas no folclore, através das obras do seu pai, Luís da Câmara Cascudo”107

. Dividindo a direção musical desse espetáculo com Paulo Guimarães, Fernando Luís Câmara Cascudo contava ainda com Leandro Filho para direção do espetáculo bem como a colaboração do seguinte elenco: Teca Calazans, Lizette, Zélia, José Fernandes, Paulo Guimarães, Ximenes, Marcelo Melo e Ubaldo108.

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“I Ferira de Música vai apresentar finalistas ao público no dia 15”. Jornal do Commercio (PE). 08/10/1966. p. 7.

105 O Grupo Construção era formado por um corpo de artistas que além de encenarem também cantavam e compunham.

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“I Ferira de Música vai apresentar finalistas ao público no dia 15”. Jornal do Commercio (PE). 08/10/1966. p. 7.

107 “Começa hoje no Arena ensaios de “Louvação””. Jornal do Commercio (PE). 17/11/1966. p. 7. 108

Imagem 5 – Cartaz do show-pesquisa “Louvação” (1966). FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE). 03/12/1966.

De forte conotação etnográfica, aproximando-se da linguagem cênica nacionalista que naquele momento estava sendo largamente explorada pelos grupos teatrais oriundos dos Círculos Populares de Cultura (CPC), tal qual o teatro realizado pelo dramaturgo Augusto Boal, o show-pesquisa de Fernando Luís Câmara Cascudo propunha em sua apresentação a representação dos lugares, dos costumes, das vestimentas e do próprio arquétipo do homem do Nordeste. Contada através do cancioneiro popular, a vida do sertanejo e do homem simples da cidade era representada de forma lírica a partir de três cenários/composições cênicas: “O Mar” (pescador), “O Sertão” (boiadeiro) e “O Cangaço” (cangaceiro). Baseada no livro, “Vaqueiros e Cantadores”, publicado em 1939 pelo próprio autor da peça, “Louvação” seguia nessa “mesma linha de louvor à música popular nordestina, suas origens e suas implicações sociais e etnográficas”109

.

Segundo artigo publicado no Jornal do Commercio, o lançamento da peça em questão ia de encontro ao momento experimentado dentro do campo musical brasileiro em que os tipos e as imagens do Nordeste estavam em alta entre a chamada “linha de frente” dos compositores nacionais:

A chamada “linha de frente” dos compositores nacionais, defende e prega uma posição nova e inteligente, na produção de suas músicas. A longa viagem às origens, as pesquisas folclóricas e de temas do povo, representam, no momento, grande preocupação dos que produzem hoje as músicas que o povo canta. “A Banda” de Chico Buarque que, lembra a retreta antiga, a bandinha do interior. “A Disparada” de Vandré é moda de viola, enaltecendo

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a gesta heroica dos vaqueiros. “Louvação” e “Procissão” de Gilberto Gil são expressões nítidas do Nordeste musical. Baden Powell e Vinícius de Moraes estrearam, esta semana, na Guanabara, um show com suas novas composições, algumas defendidas por Ellis Regina. Todas elas estão na linha afro-brasileira, na chamada escola baiana, hoje preferida pelo próprio Baden, Vinícius, Gilberto Gil, Caetano Veloso e outros.110

Além do Grupo Construção, outro grupo também vinha chamando a atenção das linhas intelectuais mais progressistas da cidade. Tal como aquele, o Grupo Raiz destacava-se por sua proposta de colocar em diálogo as mais diferentes expressões culturais brasileiras. Do popular ao erudito, a poesia, a literatura, o teatro, a música e o cinema eram postos em debate entre seus membros e o público, através de encontros culturais, inicialmente denominados de “Ensaios”, realizados no “Aroeira Artesanato”, uma espécie de cooperativa de artesãos (nela funcionavam uma loja, um bar e um salão de exposição), localizado na Avenida Conde da Boa Vista, anexo ao Teatro Popular do Nordeste (TPN).

O objetivo do Grupo Raiz era, através do reconhecimento e da discussão da representação cultural-folclórica que hegemonizava a identidade nordestina, abrir espaço para significação de outras representações então comprometidas com a modernidade. Para tal, seus integrantes programaram, entre outubro e dezembro de 1966, oito “Ensaios” cujos eixos temáticos variaram entre os seguintes gêneros musicais: “o baião, a ciranda, a roda de samba, Caymi, a banda de pífano ou zabumba de Caruaru, o Conjunto Nordeste do Seminário Regional de Camaragibe e música de violeiros”111

. Segundo relato cedido à época pelos próprios fundadores do Raiz, não havia maiores segredos para compreensão da escolha do nome do grupo assim como sua proposição, bastava-se apenas uma rápida visita ao dicionário para entender que: “A necessidade de pesquisar – ir às fontes populares – se coloca em primeiro plano. Partir do folclore para compreensão da realidade nordestina. Debater com o público a questão da verdadeira cultura do povo”112.

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Op. Cit.

111 “Grupo Raiz”. Jornal do Commercio (PE). 01/12/1966. p. 7. 112

Imagem 06 – Foto jornalística do Ensaio II realizado pelo Grupo Raiz no “Aroeira Artesanato” sobre Ciranda (1966).