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Fontes de informação em Educação – como a fala dos especialistas repercute na imprensa?

6 JEAN DE SOUZA DA FOLHA RIBEIRÃO

3.3. Fontes de informação em Educação – como a fala dos especialistas repercute na imprensa?

Para perseguir nossa hipótese de trabalho, precisávamos definir que discursos e de quais especialistas iríamos tomar como objeto de análise. Concluímos que o melhor seria seguir o caminho aberto pela própria imprensa, priorizando aqueles “especialistas” privilegiados no texto jornalístico. Assim, após a organização e sistematização do material informativo, pudemos chegar a algumas conclusões a respeito dos especialistas mais procurados pela imprensa.

Como sinalizamos no capítulo anterior, concluímos que os pesquisadores vinculados às universidades são os mais consultados pelos jornalistas na hora de produzir uma matéria sobre o professor, na sua maioria, mas não exclusivamente, são os professores ligados às Faculdades de Educação que opinam. Das universidades, as públicas paulistas são as mais consultadas e dessas, a Universidade de São Paulo e sua Faculdade de Educação tem significativo destaque41.

É importante frisar que tomamos como fontes “especialistas” apenas aqueles profissionais de instituições que foram consultados para opinar sobre os dados apresentados pelos jornais. Logo, descartamos nesta análise as fontes utilizadas para acrescentar dados às informações prestadas pelo texto jornalístico ou ainda as fontes que são usadas para expressar uma posição explicitamente contrária àquela que é posta no texto, o que no jornalismo costuma-se chamar de “o outro lado da notícia”. Mais uma vez, reforçamos que o nosso objetivo com a reflexão acerca da presença dos especialistas no jornalismo é identificar os mecanismos de colaboração de sentidos, de modo que

41 Mesmo a Folha de S. Paulo sendo um jornal de circulação nacional, é visível a prioridade dada aos

pesquisadores situados nas Universidades Paulistas, dos 41 especialistas de universidades consultados nas matérias pesquisadas apenas 2 são de universidades de outros estados: a Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) e a Universidade Federal do Paraná (UFPR).

possamos perceber como o especialista corrobora a tese do jornal e lhe acrescenta valor de verdade.

Dentro das 14 matérias que compõem nosso corpus principal, particularmente duas nos chamaram atenção pelo modo como elas constroem o argumento sobre a educação e os professores. Elas são matérias complementares, ou seja, publicadas no mesmo dia e compostas numa mesma página, por isso, optamos por, além da numeração padrão, tratá-las como A e B. Os sentidos dessas matérias parecem inaugurar no jornal, e entre os jornalistas, um novo modo de ver o tema, sob a perspectiva de convocar os melhores professores. Até então, esse era um argumento pouco usado pela Folha de São Paulo e que passa a ser recorrente nas páginas do jornal. Traremos alguns trechos das matérias a que nos referimos para materializar nossa argumentação:

Quadro 19 – Principais trechos das matérias selecionadas como geradoras de sentidos para o corpus principal.

TEXTO T1 TEXTO T2

Trechos

País forma cada vez menos professores.

Para pedagogos, baixo salário e desprestígio explicam fenômeno.

A

Apesar da carência por professores de 5ª a 8ª série e ensino médio, o país sofreu pelo segundo ano consecutivo uma queda no número de universitários formados em cursos voltados a disciplinas específicas do magistério.

Coordenadora da Faculdade de Educação da Y e especialista em condições de trabalho e formação de professores, Z diz que uma conjunção de fatores como "desprestígio", "falta de respeito social" e "baixos salários" contribui para o declínio da carreira e a baixa procura pelos cursos de magistério. (grifos nossos) B Pesquisadores da área de educação

afirmam que a falta de interesse em ser professor ocorre principalmente em razão dos baixos salários pagos no magistério e à pouca valorização

social da carreira.

Até mesmo escolas tradicionais reclamam das dificuldades para contratar professor. O colégio X, de São Paulo, por exemplo, afirma que precisou criar um programa para formar seus próprios ex-estudantes para as disciplinas mais críticas (grifos nossos)

Segundo diz, "isso se reflete da pior maneira possível" nos alunos. "Um professor que não acredita na sua profissão passa ao aluno esse descrédito. E como um aluno vai respeitar um professor que não tem respeito pela própria profissão? Como um aluno vai desejar uma carreira igual?", questiona.

Observamos, em primeiro lugar, que ambas as matérias foram publicadas no mesmo dia na Folha de São Paulo, na mesma página, o que indica que são matérias complementares. A primeira se pauta na divulgação dos dados do Censo do Ensino Superior, divulgado pelo MEC, e a segunda convoca uma série de especialistas para comentar o “fato” de a carreira docente estar menos atrativa, segundo o Censo. Assim, as matérias dialogam entre si e de algum modo tentam explicar o motivo de cada vez menos pessoas buscarem a carreira de professor.

A primeira argumentação é que a carreira não tem atratividade em função dos baixos salários; a segunda é atribuída à valorização social da profissão. Porém, em nenhuma das matérias se problematiza o que está sendo chamado de “valorização social”. Ao compararmos as duas matérias, podemos depreender que a valorização social passa por uma valorização econômica.

No Trecho B da matéria T1, o repórter menciona “pesquisadores” sem especificar a quem ele se refere, mas o leitor da Folha já se remete à outra matéria: “Pesquisadores da área de educação afirmam que a falta de interesse em ser professor ocorre

principalmente em razão dos baixos salários pagos no magistério e à pouca valorização social [...]”. Observamos que o texto se esforça em reduzir as interpretações pelo uso de denominações positivas, como “pesquisadores”, pelo uso de verbos como “afirmam”, que dá pouca margem para duvidar da informação, e pelo uso do advérbio “principalmente”, que conota o sentido de importância das razões apontadas.

Ao trazer a fala do especialista na outra matéria (T2), contudo, o salário cai em prioridade sendo apresentado como o último fator do desprestígio: “[...] diz que uma conjunção de fatores como ‘desprestígio’, ‘falta de respeito social’ e ‘baixos salários’" contribuem para o declínio da carreira e a baixa procura pelos cursos de magistério. Como se trata de um discurso relatado, não podemos afirmar que o jornalista é o responsável pela escolha da ordem dos argumentos, mas também não podemos nos esquecer de que a fala da especialista em questão foi tratada no interior da instância midiática, como aponta Charaudeau (2006).

Esse fato abre o precedente para perguntarmo-nos por que essa frase foi escolhida e não outra para compor o texto jornalístico? Consideramos que a resposta para tal pergunta pode vir do próprio modo como o restante da matéria se desenvolve, indo, aos

poucos, afastando-se da ideia do “salário” como o principal motivo do desinteresse para a carreira e se aproximando e valorizando cada vez mais “o prestígio” e a “valorização social”. Tal ideia se confirma na escolha de outras falas do texto T2, destacadas nos trechos C e D, como mostraremos a seguir:

Quadro 20 - Destaque dos excertos do texto T2 Matéria T2

C Para H, professor titular de política educacional da W e vice-presidente do J, não só o salário contribui para a baixa procura, "embora seja uma coisa determinante", mas "a falta de estímulos para a profissão".

D "Professor não tem mais o status que tinha. E é um ciclo vicioso. Recrutam-se professores no ensino médio que tiverem má-formação. Nas escolas de ponta, só 2% ou 3% declaram que vão prestar vestibular para ser professor. Os que vão para cursos como física ou química querem ser pesquisadores", diz H.

Observamos que há certa insistência em marcar no texto, a partir da recuperação das falas dos especialistas, que o salário não é o único fator desmotivador da carreira. Ainda que o salário seja apresentado como “uma coisa determinante”, o jornalista não tira muitas consequências de tal afirmação. A única menção a dados mais objetivos a respeito do salário do professor irá aparecer na última linha da matéria de forma bem solta. Nossa percepção é que essa última linha poderia, inclusive, ser cortada do conjunto do texto: “A média salarial de um professor da rede particular que trabalhe em período integral (40 horas por semana) é de R$ 3.780, segundo o Sinpro-SP (sindicato da rede particular).”

Outro elemento que nos chamou bastante atenção é a coincidência da fala desse último especialista, que estamos denominando como “H”, grifado no trecho D, com uma matéria que analisamos no capítulo 2 desta tese que não foi publicada na Folha de São Paulo e compõe nosso levantamento nos outros veículos de comunicação. Para auxiliar na retomada do argumento do texto, vamos recuperar o trecho de L1, que analisamos como fragmento B, e colocar ao lado do fragmento D de T2. Importante observar que L1 foi publicado em um veículo completamente diferente, oito meses depois da matéria publicada na Folha:

Quadro 21 – Destaque dos excertos para comparação entre os textos L1 e T2

Texto L1 (B) Texto T2(D)

Outro dado emblemático é que cerca de 48% das famílias dos professores têm renda mensal de no máximo três salários mínimos. Configura-se, assim, um círculo vicioso: jovens mal formados ingressam numa carreira desprestigiada - apesar de estratégica - e vão lecionar para crianças e adolescentes que sairão da Educação Básica igualmente mal formados.

"Professor não tem mais o status que tinha. E é um ciclo vicioso. Recrutam-se professores no ensino médio que tiverem má-formação. Nas escolas de ponta, só 2% ou 3% declaram que vão prestar vestibular para ser professor. Os que vão para cursos como física ou química querem ser pesquisadores", diz H.

Não queremos argumentar aqui que há cópia ou reprodução da fala da fonte, mas apenas observar que há uma coincidência na argumentação e que tal efeito não nos parece aleatório, mas, sim, resultado de uma identificação dos jornalistas com as falas dos especialistas escolhidos pela Folha que, a partir da matéria na Folha de São Paulo, passou a predominar em outras matérias e também nos editoriais deste veículo.

O argumento que passamos a observar em matérias que tratavam acerca do professor, a partir da referida matéria, é que a carreira não é “atrativa” aos melhores e que uma das estratégias para melhorar a educação passa pela “atração” dos melhores profissionais. Observamos que, pelos efeitos de circularidade da pauta e do agendamento no jornalismo42, esse argumento passou a repercutir também em outros veículos.

O que nos parece contraditório é que não há nas matérias analisadas uma investigação mais consequente acerca das reais condições de trabalho e de salário dos atuais docentes. Outros argumentos, contudo, aparecem um pouco mais detalhados, como é o caso da formação, que também aparece no texto T2, com a contribuição de outro especialista:

Texto T2

E

"Está difícil mesmo e não é de agora. Houve uma desmotivação como um todo. Um dos motivos principais é a desvalorização da carreira do magistério", diz P, diretor do Colégio.

Lá, a alternativa foi contratar ex-alunos como monitores e formá-los para um futuro magistério. "Eles assistem às aulas com os principais professores e vão sendo treinados e preparados", completa P.

N, coordenadora-geral do projeto da J para a formação de professores da educação