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1.1 Argumentação e formação de professores: uma revisão

1.1.2 Formação continuada de professores

A partir da leitura dos trabalhos localizados voltados à formação continuada de professores verificamos categorias semelhantes àquelas identificadas nos trabalhos realizados na formação inicial, as quais destacamos a seguir:

a. Análise de argumentos de professores (REZENDE; CASTELLS, 2010; SAMPSON; BLANCHARD, 2012);

b. Análise da prática resultante da formação em argumentação (OSBORNE; ERDURAN; SIMON, 2004; SIMON; ERDURAN; OSBORNE, 2006; OGUNNIYI, 2007a; OGUNNIYI, 2007b; SIMON; JOHNSON, 2008; MARTIN; HAND, 2009; DAWSON; VENVILLE, 2010; OSBORNE et al., 2013; MCNEILL; KNIGHT, 2013);

c. Análise das percepções dos professores sobre argumentação (HEWSON; OGUNNIYI, 2011; SAMPSON; BLANCHARD, 2012);

d. Revisão bibliográfica sobre argumentação (ISLAS; SGRO; PESA, 2009).

É possível perceber, portanto, que enquanto nas pesquisas voltadas à formação inicial um dos aspectos pesquisados foram os procedimentos e práticas do formador em argumentação, na formação continuada tiveram lugar a análise da

prática resultante da formação em argumentação e as percepções dos professores sobre essa prática.

a. Análise de argumentos de professores

Nos dois trabalhos relacionados a esta categoria, embora realizados com o intuito de verificar os argumentos produzidos pelos professores, distintas foram as estratégias para a produção e coleta desses argumentos, bem como os objetivos pretendidos (REZENDE; CASTELLS, 2010; SAMPSON; BLANCHARD, 2012).

Rezende e Castells (2010) fizeram uso de um Ambiente Virtual denominado

InterAge® para investigar, a partir de um fórum de discussão, a construção social do conhecimento profissional entre professores de física. Os professores participantes foram convidados a propor uma solução para um problema em que um professor de física, em uma aula tradicional, não teve sucesso em ajudar seus alunos a construir conceitos sobre calor e temperatura. Assim, com o intuito de investigar como estratégias argumentativas contribuem para o processo de construção social de significados e tendo como referencial de análise uma combinação da perspectiva Bakhtiniana e a teoria de Perelman e Olbrechts-Tyteca, foram analisadas 35 mensagens enviadas pelos professores.

Os autores constataram que a argumentação tem papel relevante na construção colaborativa do conhecimento, logo, o destaque nas estratégias argumentativas dos participantes contribuiu para compreender esse processo de colaboração. A análise do discurso permitiu uma ideia mais precisa da construção compartilhada de significados. Foi também observado que a concepção dos professores evoluiu como uma consequência da apropriação de ideias discutidas na solução do problema, expressas por meio de enunciados considerados híbridos, ou seja, comentários teóricos mediados pela prática dos professores.

Sampson e Blanchard (2012) desenvolveram um estudo que tinha como objetivos identificar as estratégias adotadas, as características dos argumentos produzidos pelos licenciandos para respaldar uma explicação escolhida para a ocorrência de um fenômeno natural e investigar quais eram as visões dos professores sobre a integração da argumentação científica para o ensino- aprendizagem da ciência. Dessa forma, este trabalho foi enquadrado tanto nesta categoria, como na categoria c, que discute a análise das percepções de professores sobre argumentação.

Com relação aos objetivos pertinentes a esta categoria, para analisar os dados os autores fizeram uso de um modelo de argumento proposto por Sampson et al. (2011), que apresenta os componentes necessários para um argumento científico. Os resultados da pesquisa demonstraram que os professores frequentemente fizeram uso de conhecimentos prévios para avaliar a validade ou aceitação de uma explicação para um fenômeno natural. Apontaram também que muitos professores utilizaram apenas os dados disponíveis para fazer diferenciações entre as alternativas disponibilizadas, especialmente quando não tinham certeza da validade de seus conhecimentos prévios. Alguns professores também não conseguiram criar argumentos sólidos, uma vez que não encontraram fundamentações adequadas para justificar a explicação alternativa selecionada.

É digno de nota a pequena quantidade de trabalhos que buscam compreender o processo de construção de argumentos pelos professores, especialmente em formação continuada. Vale salientar que a estratégia utilizada pelos autores para investigar os caminhos percorridos pelos participantes na construção dos argumentos foi uma daquelas utilizadas na presente tese, na qual procuramos identificar os critérios utilizados por licenciandos em química na construção de explicações para um fenômeno natural.

b. Análise da prática resultante da formação em argumentação

Os trabalhos alocados nesta categoria dizem respeito a investigações resultantes de intervenções realizadas com a finalidade de instruir professores sobre argumentação e as consequências de tais ações em sua prática docente (OSBORNE; ERDURAN; SIMON, 2004; SIMON; ERDURAN; OSBORNE, 2006; OGUNNIYI, 2007a; OGUNNIYI, 2007b; SIMON; JOHNSON, 2008; MARTIN; HAND, 2009; DAWSON; VENVILLE, 2010; OSBORNE et al., 2013; MCNEILL; KNIGHT, 2013).

Nesse sentido, na maioria dos trabalhos listados o objetivo primordial foi analisar as estratégias de ensino postas em prática pelos professores após o processo de formação, de modo a identificar ações favorecedoras da argumentação, ou seja, como contribuíram para a prática dos professores e para melhorar a qualidade dos argumentos dos alunos (OSBORNE; ERDURAN; SIMON, 2004; SIMON; ERDURAN; OSBORNE, 2006; OGUNNIYI, 2007a; OGUNNIYI, 2007b; MARTIN; HAND, 2009; DAWSON; VENVILLE, 2010; OSBORNE et al., 2013).

Osborne et al. (2013) identificaram que uma abordagem baseada na argumentação para apoiar o desenvolvimento profissional de professores de ciências pode apresentar diferenças significativas no desenvolvimento dos argumentos dos estudantes por meio das mudanças de suas práticas.

Nos trabalhos de Osborne, Erduran e Simon (2004) e Simon, Erduran e Osborne (2006) a análise das contribuições orais dos professores para facilitar a argumentação mostrou práticas adequadas de argumentação em sala de aula. Foi relatado que alguns professores demonstraram interesse em promover discussão entre os estudantes, dedicando, portanto, tempo de aula a atividades voltadas à argumentação e ao processo de justificação.

No entanto, várias ressalvas foram também apresentadas nesses trabalhos. De acordo com os mesmos autores, embora tenham demonstrado consciência dos objetivos epistêmicos da argumentação, ficou também evidenciado que os professores parecem não ter uma apreciação plena sobre o potencial do discurso de oposição, ou seja, a contra-argumentação. Dessa forma, concluíram que para desenvolver a capacidade de compreender e aplicar a argumentação é necessário o processo de reflexão sobre a experiência anterior, de maneira que se possa dar início a um processo de reflexão-na-ação, o qual poderia auxiliar os professores a construir um novo entendimento sobre argumentação e seu valor para a aprendizagem da ciência.

Ogunniyi (OGUNNIYI, 2007a; OGUNNIYI, 2007b) apontou ser realmente possível e útil introduzir nos ambientes investigados estratégias de argumentação, entretanto, observou que os participantes experimentaram desafios, como a necessidade de os alunos disporem de competências linguísticas adequadas, bem como conhecimentos prévios; a necessidade de tempo adicional para o ensino; a necessidade de desenvolvimento profissional referente a estratégias de ensino e de desenvolvimento curricular adequado.

Nos trabalhos de Martin e Hand (2009) e Dawson e Venville (2010) houve o acompanhamento da trajetória de um único professor (um para cada trabalho) após serem submetidos a aulas sobre argumentação. Martin e Hand (2009) descreveram os fatores que afetam um professor de ciências com 16 anos de experiência na tentativa de mudar suas práticas pedagógicas, introduzindo elementos do argumento em suas aulas, especialmente as dificuldades em tornar sua abordagem mais centrada no aluno. Dawson e Venville (2010) buscaram identificar os tipos de

estratégias utilizadas por um professor de ciências, com a finalidade de introduzir no contexto de suas aulas de genética ações que favorecessem o desenvolvimento de habilidades argumentativas em seus alunos. Assim como Dawson e Venville (2010), na presente tese procuramos identificar nas estratégias de ensino propostas por licenciandos em química ações que favorecessem a argumentação. Acreditamos na relevância de pesquisas que possam descrever aspectos da prática do professor que contribuam para processos argumentativos em salas de aula de ciências.

No trabalho de Simon e Johnson (2008) a ênfase esteve no método utilizado no processo de formação em argumentação. Os autores utilizaram portifólios em um programa de formação continuada no auxílio ao ensino da argumentação científica. Cabe mencionar que portifólio é uma coleção das produções do aluno, as quais apresentam as evidências de sua aprendizagem. Portanto, é um trabalho organizado pelo próprio educando, tendo o professor ao seu lado como propositor e mediador das atividades, assinalando caminhos (SCHEIBEL et al., 2009).

O objetivo da pesquisa de Simon e Johnson (2008) foi verificar se os professores iriam desenvolver portifólios adequadamente e verificar a análise reflexiva de sua prática por meio da utilização da estratégia. Os professores foram incentivados a desenvolver critérios para a avaliação da qualidade dos argumentos dos alunos, especialmente como evidências foram utilizadas para justificar conclusões e como refutações foram incorporadas aos argumentos. Para incentivar a contra-argumentação, os professores foram instruídos a fazer uso de estratégias que pudessem envolver seus alunos em uma situação de conflito, estimulando refutações. As análises dos portifólios dos professores mostraram evidências de reflexão dialógica e todos eles apresentaram opiniões positivas relacionadas à utilização dos portifólios.

Mcneill e Knight (2013) investigaram o Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (PCK, da sigla em inglês Pedagogical Content Knowledge) que os professores têm sobre argumentação científica e as mudanças decorrentes de um curso de aperfeiçoamento profissional voltado ao desenvolvimento de habilidades argumentativas. O estudo consistiu na realização de oficinas voltadas para o desenvolvimento da argumentação científica com a finalidade de analisar registros pré-existentes dos professores sobre suas práticas de sala de aula; apoiar os professores na elaboração de aulas com base na argumentação; verificar as práticas dos professores e promover discussões para que pudessem refletir sobre suas

ações futuras. Os autores perceberam que, assim como os alunos, os professores podem ter diferentes concepções sobre argumentação. Ademais, os professores apresentaram dificuldades em usar estratégias de ensino para apoiar os alunos nessa prática.

c. Análise das percepções dos professores sobre argumentação

Hewson e Ogunniyi (2011) e Sampson e Blanchard (2012) também investigaram as percepções de professores a respeito da argumentação científica e de como percebem sua inserção em sala de aula. Hewson e Ogunniyi (2011) investigaram questões levantadas por professores no que se refere a esforços para introduzir argumentação em suas salas de aula usando a argumentação. Após cumprirem etapas de preparação nessa prática, os autores também buscaram verificar se os professores adquiriram uma compreensão adequada sobre estratégias de argumentação e se conseguiram implementá-las, especialmente se tiveram oportunidade para tal e suas percepções sobre os desafios dessa abordagem.

Os autores observaram que os professores percebem necessidade em diferenciar suas abordagens para que possam atingir um ensino voltado à argumentação, assim como listaram as principais necessidades e obstáculos encontrados, como adequação do tempo, conhecimento sobre estratégias de ensino, apoio dos envolvidos e currículo adequado.

Conforme descrito anteriormente, Sampson e Blanchard (2012) desenvolveram um estudo que tinha como objetivos investigar os caminhos percorridos por professores na construção de argumentos para explicar determinados fenômenos naturais e investigar suas impressões sobre a inserção da argumentação científica no ensino de ciências. Os resultados referentes ao segundo objetivo apontaram que, na percepção dos professores entrevistados, é muito difícil fazer com que os alunos participem em atividades que desenvolvam argumentação e que o tempo necessário para implementar a argumentação em sala de aula não é suficiente para a realização de tais ações.

A partir das constatações apresentadas nesses trabalhos é possível perceber resistências e dificuldades por parte dos professores em promover intervenções em sala de aula que possam instaurar um discurso argumentativo. Tais dificuldades são de diferentes ordens e envolvem, desde a preparação do professor para promover

essa prática, até as características de seus alunos. Por esse motivo, tornam-se relevantes as iniciativas em formar os professores em argumentação, para que possam tomar conhecimento dos aspectos que envolvem a promoção dessa prática. Igualmente importante é conhecer as percepções dos professores sobre a argumentação, desde as prévias, até as adquiridas após a tentativa de realizar ações que busquem a construção de argumentos.

Assim, vale salientar que na presente tese também procuramos nos apoiar nas percepções dos licenciandos sobre a implementação de ações favorecedoras da argumentação, por ocasião da aplicação de projetos didáticos, para tomarmos conhecimento a respeito do conhecimento adquirido em argumentação e de como fizeram uso desse conhecimento.

d. Revisão bibliográfica sobre argumentação

Nesta categoria enquadra-se o trabalho de Islas, Sgro e Pesa (2009), que se destina tanto à formação inicial de professores de ciências, como continuada. Dessa forma, o presente trabalho já foi discutido no tópico anterior, voltado à formação inicial de professores, cujas considerações também atendem às finalidades deste tópico.

1.1.3 Ponderações sobre argumentação e suas implicações na formação de