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Formação da agenda governamental do município de Caxias do Sul

CAPÍTULO 5 JUNTANTO AS COISAS: ANÁLISE DO ESTUDO DE CASO

5.1 Formação da agenda governamental do município de Caxias do Sul

O que fez com que o tema da leitura se tornasse alvo da atenção da prefeitura de Caxias do Sul, entrasse na agenda governamental e se concretizasse numa política pública? Quem foram os principais atores desse processo? Como foi a formulação das soluções e a seleção de alternativas? Em quais arenas políticas os problemas foram debatidos? Com base no modelo de múltiplos fluxos de John Kingdon (1995, 2006), a presente seção se dedica a analisar essas questões, discutindo como o tema da leitura se tornou uma questão a ser tratada

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pelo governo municipal de Caxias do Sul e destacando o contexto político, os principais atores e processos que levaram à criação de uma política municipal de incentivo à leitura. A definição do problema

Segundo Kingdon (2006), a definição de um problema depende dos meios pelos quais os atores tomam conhecimento das situações ou das formas pelas quais as situações foram definidas como problema. Os meios podem ser indicadores, eventos-foco ou feedback. Um evento-foco pode ser desde um desastre ou uma crise, uma experiência pessoal ou um poderoso símbolo, que atrai a atenção para uma determinada situação.

No caso de Caxias do Sul, o meio para a definição do problema foi um evento- foco baseado na experiência do novo Secretário Municipal de Cultura que assumiu a função em 2005 com a eleição de José Ivo Sartori do PMDB. O Secretário de Cultura, José Clemente Pozenato, era um escritor e professor universitário da área de literatura que participava de projetos de incentivo à leitura do governo estadual do Rio Grande do Sul. Antes um

participante invisível por integrar um grupo de especialistas no tema, na concepção de Kingdon, tornou-se um participante visível ao assumir uma função de chefia no primeiro escalão do governo municipal, liderando a formulação da política cultural do município. No entanto, Kingdon (2006, p. 227) afirma que o evento-foco “tem efeitos apenas passageiros se não forem acompanhados por uma indicação mais precisa de que há um problema, por uma percepção pré-existente ou por uma combinação desse evento com outros similares”. Essa “indicação mais precisa” veio com os documentos fornecidos pelo Ministério da Cultura obtidos pelo Secretário da Cultura em viagem a Brasília para se reunir com a coordenação do Plano Nacional do Livro e da Leitura. Os documentos apresentavam um diagnóstico da situação da leitura no país, com base em indicadores como o INAF e a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. Esses documentos, levados para Caxias do Sul, ajudaram a justificar a elaboração de uma política municipal de incentivo à leitura, situando o município no contexto nacional.

Houve também o feedback referente à Biblioteca Pública Municipal que contribuiu para a formulação do problema. A situação da Biblioteca, conforme depoimento dos entrevistados, era bastante precária, principalmente com relação à sua infraestrutura. José Clemente Pozenato, o Secretário Municipal da Cultura acreditava que precisava mudar essa situação e decidiu fazer algo: estabeleceu como prioridade de sua gestão a elaboração de uma política municipal de incentivo à leitura. A situação da leitura no município passou de uma

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condição objetiva a um problema social como concebido por Kingdon, quando a administração municipal decidiu que o tema deveria receber a atenção pública e governamental.

A dinâmica das políticas públicas

O processo de seleção de alternativas para a política pública de incentivo à leitura em Caxias do Sul se deu em duas fases. A primeira, quando a política foi formulada pelo Secretário da Cultura José Clemente Pozenato no início de 2005, e a segunda, quando Antonio Feldmann assumiu a Secretaria da Cultura em meados de 2006.

Na primeira fase de seleção de alternativas, quando o PPEL estava sendo formulado em 2005, a Secretaria da Cultura começou trabalhando uma solução pronta – o projeto Passaporte da Leitura, inspirado em iniciativas como o Programa Autor Presente do IEL e a Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo – e o incrementou com novas ideias. Duas ideias, no entanto, não foram implementadas naquele momento. Uma das alternativas formuladas era a criação de uma nova biblioteca pública. Essa alternativa não conseguiu se concretizar por falta de viabilidade técnica e disponibilidade de recursos, que são alguns dos critérios mencionados por Kingdon (2006) para seleção de alternativas de políticas pelos quais algumas ideias são selecionadas e outras descartadas.

Outra proposta que não foi viabilizada em Caxias do Sul foi o consórcio de municípios para edição de livros. No governo federal, a primeira alternativa viabilizada no início do governo Lula em 2003 foi a desoneração fiscal do livro. Apesar de serem um pouco distintas, ambas as alternativas tinham o mesmo objetivo de baratear o custo do livro e ampliar seu acesso à população. Isso ilustra como as alternativas de políticas têm dinâmicas próprias dependendo do nível de governo em que são consideradas. O consórcio para edição de livros dependia de apoio político de diversos outros municípios e principalmente de uma estreita articulação com o governo estadual.

A segunda fase de seleção de alternativas se deu com a troca de Secretário da Cultura ainda durante o início da implementação da política municipal de leitura durante o ano de 2006. A equipe do PPEL, composta por funcionários de carreira da Secretaria da Cultura, precisou promover suas ideias para convencer o novo Secretário de que aquele programa deveria ser mantido e ainda ampliado. Após conquistar o apoio do novo Secretário da Cultura, o PPEL foi crescendo e angariando maior apoio da sociedade e de outras secretarias da administração municipal, que passaram a fazer parte da implementação do

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programa. Com a chegada desse novo Secretário da Cultura e com a reeleição do prefeito, uma pequena janela de oportunidade se abriu. Somando-se o feedback da política pública com o apoio político do Legislativo, foi possível colocar no plano de governo a construção de uma nova biblioteca municipal.

A dinâmica da política

As eleições de 2005 trouxeram nova configuração partidária, colocando no poder um partido de oposição ao que esteve no governo nos oito anos anteriores. Uma nova administração gerou a possibilidade da entrada de novos temas na agenda de todos os setores do governo municipal.

Kingdon afirma que “o consenso é formado na dinâmica da política por meio da negociação, mais do que da persuasão” (2006, p. 229). No caso de Caxias do Sul, o Secretário Municipal da Cultura, José Clemente Pozenato, não precisou fazer muitas negociações para introduzir a política de incentivo à leitura, pois tinha “carta branca” do prefeito para implementar seus projetos dentro do orçamento disponível. As negociações foram acontecer mais na segunda fase do programa com o novo Secretário da Cultura. Primeiro, no sentido da manutenção do programa, depois para ampliação dos recursos disponíveis para os projetos de leitura. A negociação também foi um fator importante para a articulação de parcerias com a sociedade civil e com outras secretarias da administração municipal (Saúde, Educação e Assistência Social).

A janela de oportunidade e manutenção do tema na agenda

Segundo Kingdon, “a completa junção das três dinâmicas (problemas, política pública e política) aumenta significativamente as chances de um tema se tornar parte de uma agenda de decisão”, quando os fluxos se conectam e abre-se uma janela de oportunidade (KINGDON, 2006, p. 234). É o empreendedor de políticas que exerce o papel de conectar esses fluxos, “associando pacotes de problemas e soluções a forças políticas” (KINGDON, p. 238).

Certamente as eleições de 2005 configuraram-se como uma janela de oportunidade, colocando no poder um novo prefeito (PMDB) de um partido de oposição ao da gestão anterior (do PT), portanto, um momento propício a mudanças. O principal ator desse processo foi a Secretaria Municipal da Cultura, por meio de José Clemente Pozenato, escritor e acadêmico que ocupou o cargo de Secretário de 2005 a meados de 2006.

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Naquele momento, Pozenato, que era um participante invisível como acadêmico, tornou-se um participante visível do primeiro escalão do governo municipal, exercendo um dos mais influentes papéis na definição de políticas para o setor cultural. Pozenato foi o empreendedor de políticas que associou sua proposta de um programa permanente de leitura ao problema do analfabetismo funcional e obteve o apoio político necessário para implementação de suas ideias.

Apesar de a importância da leitura não se resumir à questão do alfabetismo funcional, esta maneira de formular o problema associa a leitura a um fator importante para o desenvolvimento econômico e social e mobiliza atores que talvez não priorizassem os aspectos culturais e sociais da leitura.

Quando assumiu a Secretaria Municipal da Cultura, Pozenato tinha uma prioridade muito clara: desenvolver um programa permanente de incentivo à leitura. Sua experiência como escritor e a participação no Programa Autor Presente do Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul em escolas lhe diziam que era necessário promover o incentivo à leitura de forma continuada e nos mais diversos espaços. Pozenato não conhecia outras experiências de políticas públicas de fomento à leitura em nível municipal em que pudesse se inspirar e o Plano Nacional do Livro e da Leitura estava apenas iniciando. Mesmo assim, uma visita a Galeno Amorim em Brasília, que era o então Coordenador do Vivaleitura, foi bastante útil para que Pozenato tivesse acesso a dados, indicadores e análises sobre o diagnóstico da leitura no Brasil.As informações coletadas serviram de base para a formulação do problema para o qual Pozenato já tinha a solução e também para posicionar o município de Caxias do Sul no contexto nacional e internacional.

Sobre as arenas políticas de que trata Fuks (2000), a política municipal de leitura de Caxias do Sul foi discutida inicialmente em apenas uma arena, o Executivo municipal. Na medida em que foi sendo implementada, passou a ser debatida também com a sociedade, pela mídia e com o Legislativo. Com a sociedade, o debate aconteceu no âmbito da Comissão de Avaliação e Seleção da Lei de Incentivo à Cultura por onde passam os projetos que pleiteiam recursos de incentivo fiscal, inclusive muitos projetos do PPEL. Já a Conferência Municipal de Cultura que deveria servir como uma arena para discutir as questões da leitura no município até o momento não teve um papel relevante, por ser dominada por outros setores culturais. O debate passou para a arena do Poder Legislativo apenas quando houve a necessidade de aprovação de recursos financeiros para os programas de leitura e por ocasião da aprovação do plano plurianual para 2010-2013, que incluiu uma série de metas para a

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política municipal de leitura. A ampliação do debate sobre o tema da leitura para outras arenas contribui para sua sustentação na agenda governamental, pois, os assuntos públicos “com maior êxito circulam em vários canais institucionais” (FUKS, 2000, p. 82). A interação com outras arenas aconteceu em todos esses casos por iniciativa do Poder Executivo.

Fuks (2000) lembra que é preciso que o problema seja continuamente dramatizado com a “criação de notícias” para garantir sua manutenção na agenda governamental. A equipe do PPEL e, posteriormente, da Biblioteca Pública, da divulgação espontânea de seus projetos na mídia e de eventos de lançamento e entrega de certificados onde convidavam o Prefeito e o Secretário da Cultura como forma de manter a questão da leitura na agenda, angariar maior apoio político e, consequentemente, mais recursos financeiros. Quando os projetos passaram a ser debatidos pela sociedade civil, algumas organizações, privadas e públicas, foram se apropriando do discurso do projeto e reivindicaram sua participação.

Mesmo que os recursos investidos na política municipal de leitura não tenham sido muito altos, o fato de ela ter sido implantada num município que vive um momento de prosperidade com abundantes recursos para a área da cultura deve ser considerado. Talvez num outro município em que a dinâmica das políticas públicas se encontre com a dinâmica dos problemas, mas que não tenha recursos suficientes, as alternativas consideradas fossem mais modestas.