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1.6. O declínio do trabalho assalariado e o surgimento de novas relações de trabalho

1.6.2. Responsabilidade transposta para a força de trabalho?

1.6.2.1. Formação de um novo perfil de trabalhadores

É perceptível que as mudanças organizacionais e dos processos de produção contribuíram para florescer uma nova realidade. A reestruturação produtiva transformou a natureza do trabalho e definiu o novo perfil do trabalhador do século XXI. Os trabalhadores, a fim de se manterem empregáveis, precisam estar atentos para as seguintes competências: autogerencimento (capacidade do indivíduo de realizar coisas, projetos, tarefas, buscar soluções e identificar as formas de implementar essas soluções); comunicação múltipla (conhecimento atualizado de todas as formas de comunicação); negociação (capacidade de apresentar ideias, argumentar, ouvir e ponderar o que se ouve, amarrar conclusões e tomar decisões); adaptabilidade (capacidade de buscar as mudanças, antecipar-se e procurar melhorar); educação contínua (busca constante de novos conhecimentos); domínio da tecnologia; e foco nos resultados, observando-se os princípios éticos. Além disso: agilidade, flexibilidade, versatilidade, proatividade, resiliência26, capacidade de abstração, raciocínio crítico, presteza de intervenção27, capacidade empreendedora e qualidades sociomotivacionais, de personalidade e caráter, que garantam o bom relacionamento dentro das equipes de trabalho.

A regra para os trabalhadores é que eles não sejam nem generalistas nem especialistas, mas sim multiespecialistas. O momento é caracterizado por uma economia mais rápida e inovadora, em que os trabalhadores precisam de aperfeiçoamento contínuo dos processos (kaisen) e de combinar várias especialidades. É necessário um profissional de tipo transversal, aquele que cruza diversos campos do saber. Além da formação acadêmica tradicional é necessário um esforço para entender de outras áreas, o que é conseguido com a educação continuada. Há muito tempo, um profissional estudava durante quatro ou cinco anos e aquele conhecimento bastava-lhe pelos 35 anos seguintes. Esse tempo acabou, e a pressão pela atualização – ou revolução completa – dos conhecimentos só tende a aumentar, explica Cid (2009).

Todavia, para que a sociedade seja justa, é necessário que todos tenham o mesmo ponto de partida, ou seja, tenham as mesmas condições de concorrer por uma oportunidade. Este ponto de partida é dado por uma boa educação. O sistema educacional brasileiro, com

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É a capacidade de resistir às barreiras e dificuldades de forma bem-sucedida, além de saber enxergar muito além, prever problemas e preparar-se para eles.

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algumas exceções, não tem demonstrado preocupação com a nova realidade do mundo do trabalho. Muitas são as deficiências que precisam ser corrigidas para se alcançar uma educação de qualidade que, concomitante à melhoria da qualificação socioprofissional, permita um salto de qualidade na formação dos jovens. A qualificação dos profissionais é indispensável para ampliar a capacidade de produção de ciência e tecnologia, não se limitando à formação de operadores de tecnologia importada. No entanto, a educação não deve estar voltada apenas para interesses imediatos do mercado. Precisa, sobretudo, ter como referência o desenvolvimento humano e a qualificação da vida.

É imprescindível, dadas as visíveis transformações no mundo do trabalho, aprender a relacionar o aprendizado em sala de aula aos acontecimentos do dia a dia. Os professores de universidades e centros federais, independente de suas áreas de formação, precisam ser incentivados a trabalhar em conjunto com as incubadoras de empresas, seguindo esse conselho. Os alunos receberão uma formação mais próxima do que o momento exige, ao articularem os conhecimentos teóricos com a prática, transformando-os, talvez, em alternativa de obtenção de renda ou produtos e processos inovadores.

O diálogo entre a educação, trabalho, ciência, tecnologia e inovação é essencial e deve pautar-se em uma educação para o trabalho, comprometendo-se não somente com as questões de ordem técnica, mas também com a definição de novos marcos éticos, políticos e sociais. A educação precisa regular-se pela defesa da utilização eficiente dos recursos naturais, a partir de uma visão comprometida com a precedência do aprimoramento da qualidade social da formação dos trabalhadores, além de contribuir para a formação de um capital intelectual. E a valorização desse capital resulta da compreensão da necessidade de realizar o trabalho de transformação da estrutura social e de consolidação e efetivação dos ideais democráticos, abrindo-se para caminhos mais autônomos, pois dada a forma de organização do trabalho na Sociedade Pós-Industrial, não se pode mais esperar o emprego formal como a única forma de obtenção de trabalho e renda.

Quando se vê pessoas com muitos anos de formação escolar, sujeitando-se a empregos que exigem escolaridade baixa, percebe-se que está, realmente, ocorrendo uma grande transformação. A questão maior está na velocidade das transformações, dado que as instituições de formação profissional, por vezes, não conseguem acompanhar de maneira dinâmica todas as mudanças, existindo uma grande dissociação entre as exigências do mercado e o que as escolas estão oferecendo. Outro aspecto a ser ressaltado é que a formação

é voltada para o emprego e não para o trabalho, ou seja, para uma formação com capacidade empreendedora.

A empregabilidade – compreendida como as ações empreendidas pelos trabalhadores para desenvolver habilidades e buscar conhecimentos favoráveis, com o objetivo de conseguir uma colocação no mercado de trabalho formal ou informal e se manter nele – exige que o trabalhador mova-se desprendidamente, pois não é mais possível prender-se a coisas vistas como atraentes por sua confiabilidade e solidez.

No entanto, a empregabilidade não depende apenas do indivíduo, mas também de fatores de ordem macroeconômica, resultantes da adoção de políticas econômicas e sociais específicas e das conjunturas econômicas nacionais e internacionais que favoreçam a geração de empregos e que, portanto, ultrapassam a vontade e o âmbito individuais. É imprescindível a existência de políticas públicas que, de fato, fomentem a geração de emprego e renda, tais como as políticas econômicas, industriais, agrícolas, financeiras, de desenvolvimento educacional, científico e tecnológico, além de parcerias internacionais importantes, provedoras de investimentos produtivos para absorver a força de trabalho excedente.

Em virtude do que se tem desenhado, é que se torna importante criar condições necessárias para garantir oportunidades profissionais em outros formatos de trabalho diferentes da figura da carteira assinada. O indivíduo deve combinar sua empregabilidade com a capacidade de garantir a própria sobrevivência e de sua família como trabalhador autônomo, explica Lazzareschi (2008). As incubadoras de empresas contribuem com os trabalhadores autônomos na medida em que incentivam a disseminação de inovações tecnológicas e desenvolvem o espírito empreendedor dos mesmos. Elas disponibilizam, além da estrutura física, assessoramento gerencial, jurídico, comunicacional, administrativo e tecnológico para apoiar os empreendedores no processo de amadurecimento de seus negócios nascentes.

Para se trabalhar no novo capitalismo não adianta apenas ser qualificado, ou seja, ter posse de diplomas e certificações. É preciso saber fazer e bem, ter a capacidade de demonstrar desempenho na situação de trabalho. Tanto o trabalhador intelectual quanto o técnico devem estar cientes de que o mercado de trabalho prioriza a atitude (saber ser) e a capacidade (saber fazer) de agir em situações específicas e imprevisíveis, que derivam da inteligência e prática apoiadas em conhecimentos. A qualificação somente tem sentido se estiver conectada ao fator competência. O próprio conceito de qualificação profissional foi substituído pelo de competência, conforme expõe Lazzareschi (2008).

Entretanto, Zarifian (2001) defende ser a competência não uma negação da qualificação. Ao contrário, nas condições de uma produção moderna, representa o pleno reconhecimento do valor da qualificação. Para o autor, o industrialismo inventou o trabalho executado pelo trabalhador, entende-se, pelo indivíduo dotado de capacidades funcionais necessárias para a realização da função. O desafio que o modelo da competência propõe-se a enfrentar é o da volta do trabalho ao trabalhador, na medida em que ele passa a reabsorver o trabalho, assume responsabilidades, toma iniciativas e compartilha informações. Ao mesmo tempo em que mobiliza os recursos da organização, ele mobiliza seus próprios recursos de sujeito que age.

Zarifian traça três propostas de definição para competência, que devem ser combinadas de forma complementar, a fim de apreendê-las e mobilizá-las conscientemente.

Como primeira proposta tem-se: “A competência é o tomar iniciativa e o assumir responsabilidade do indivíduo diante de situações profissionais com as quais se depara” (p. 68). “Assumir” resulta de um procedimento pessoal do indivíduo, que aceita assumir uma situação de trabalho e ser responsável por ela. É indiscutível que a exigência de competência significa passar a um novo patamar em matéria de envolvimento do indivíduo em seu trabalho. É a possibilidade de o indivíduo reencontrar plenamente o interesse pelo trabalho no qual está envolvido. Outra característica essencial é o “tomar iniciativa”. É uma ação modificadora de algo existente, introdutora de algo novo, que começa alguma coisa e que cria. É a invenção de uma resposta adequada para enfrentar, com êxito, um determinado acontecimento. Significa também não serem os seres humanos robôs aplicativos, pois possuem capacidades de imaginação e de invenção que lhes permitem abordar o singular e o imprevisto, que os dotam da liberdade de iniciar alguma coisa nova, mesmo sendo de forma modesta. “Assumir responsabilidade” significa que o assalariado responde por suas iniciativas e pelos efeitos delas, não apenas em razão das avaliações sociais de que será objeto, mas também em virtude de sua disposição para assumir responsabilidades pela situação. O comportamento do indivíduo varia conforme a situação vivida, claro, tendo por base categorias de situações já experenciadas.

Como segunda proposta Zarifian diz: “A competência é um entendimento prático de situações que se apoia em conhecimentos adquiridos e os transforma medida em que aumenta a diversidade das situações” (p. 72). Enfatiza-se a dinâmica de aprendizagem, que é essencial no procedimento competência. Por “entendimento prático”, entende-se não se tratar de empregar um conhecimento prévio, mas, saber mobilizá-lo sensatamente em função da

situação, associando conhecimento e compreensão. “Que se apoia em conhecimentos adquiridos”, ou seja, o exercício da competência deve partir de uma base de conhecimentos que poderão ser mobilizados em situação de trabalho. Os conhecimentos não são coisas aplicáveis, são mobilizados, utilizados, questionados em função do entendimento que o assalariado tiver da situação. Os conhecimentos possuídos têm um caráter incerto, o que exige uma constante abertura a contestações e a novas aprendizagens. Essa postura é essencial para a manutenção da competência, a fim de não ser transformada em pura rotina, por isso, a competência deve ser testada e melhorada diariamente. “E os transforma”, ou seja, a bagagem de conhecimentos do indivíduo tem que o transformar e, para isso, é necessário que a situação defrontada por ele tenha sido plenamente explorada do ponto de vista do que há a aprender com ela. “Quanto maior for a diversidade das situações, mais intensamente serão modificados os conhecimentos”, então, quanto mais o indivíduo coloca-se perante situações variadas, melhor e mais rápido ele aprenderá. Entretanto, é preciso se manter um equilíbrio entre o tempo e o aprofundamento indispensáveis ao alcance pleno do entendimento de uma situação, para que se organizem os novos conhecimentos e o confronto com situações novas possa evitar os efeitos do embrutecimento e exercer suas faculdades de aprendizagem do novo.

Por fim, Zarifian propõe: “A competência é a faculdade de mobilizar redes de atores em torno das mesmas situações, é a faculdade de fazer com que esses atores compartilhem as implicações de suas ações, é fazê-los assumir áreas de corresponsabilidade” (p. 74). “Mobilizar redes de atores” porque qualquer situação um pouco mais complexa excede as competências de um único indivíduo e o leva a precisar de competências que não possui e de auxílios baseados na solidariedade da ação. “Compartilhar as implicações de uma situação” porque os assalariados somente se comunicarão entre si e somente disponibilizarão suas competências se experimentarem o sentimento de participar das mesmas implicações de uma situação e se forem avaliados pela chefia à base dessas implicações. “Assumir campos de corresponsabilidade” significa associar responsabilidade pessoal e corresponsabilidade. Uma equipe de trabalho semiautônoma funcionará melhor à medida que souber definir os objetivos que deve, coletivamente, alcançar e, ao mesmo tempo, souber personalizar explícita ou implicitamente os compromissos de cada integrante da equipe em relação a esses objetivos.

Pela interpretação que Zarifian faz da nova realidade das organizações na Sociedade Pós-Industrial, percebe-se que este é o momento em que, se bem percebido pelos envolvidos (capitalistas e trabalhadores), será possível um maior enriquecimento da atividade do trabalho, independente do nível de ocupação do trabalhador. Talvez não se possa, ainda, falar em um

retorno do trabalhador profissional, mas se possa afirmar que tem havido um reconhecimento do valor da qualificação.

A competência pressupõe ainda outra exigência. Drucker (1993) afirma que a nova sociedade tem como principal recurso o conhecimento, e que, por isso, as pessoas precisam aprender como aprender. Então, a Sociedade Pós-Industrial exige aprendizado vitalício.

Pelas características necessárias ao novo perfil dos trabalhadores do século XXI, apresentadas nesta seção, percebe-se que as profundas mudanças ocorridas no mundo do trabalho exigem estar o trabalhador em constante preparação. Mais que se preparar para as oportunidades, o profissional necessita saber identificar as oportunidades e aceitar seus desafios inerentes. Focar no que é importante, definir um plano de ação e colocá-lo em prática.