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Formação do contrato de arrendamento Contrato-promessa

Secção I – PRELIMINARES

12. Formação do contrato de arrendamento Contrato-promessa

M. GOMES, 230/234; P. FURTADO, 172/182.

I. Quanto à formação do contrato, valem em princípio as regras ge- rais (arts. 224.º e segs.).

Há a registar, porém, o modo anómalo como pode formar-se o con- trato de arrendamento para habitação em face a nova legislação locativa.

Não importa agora tanto a doutrina do art. 5.º da Lei do Arrenda- mento de 1974, que deixou de vigorar no território do Continente por força do art. 16.º do Decreto-lei n.º 148/81, de 4 de Junho. Conforme vimos já, o Decreto-lei n.º 445/74 impunha a obrigação de dar de arrendamento os fogos referidos no n.º 1 do art. 5.º do diploma. Dentro do prazo aí fi- xado ou da sua prorrogação, o senhorio escolhia livremente84 a pessoa do arrendatário (art. 23.º, n.º 1); decorrido esse prazo, e tratando-se de fogos que já tivessem sido arrendados, o senhorio era obrigado, sob a cominação de sanções penais, a arrendar o fogo a pessoa que tivesse apresentado a sua pretensão à casa, nos termos do art. 23.º, n.º 2.

Mais que a solução referida, importa, porém, ter em conta o art. 28.º da Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro, o qual, no caso de caducidade do contrato de arrendamento para habitação por morte do arrendatário, confere a determinadas pessoas “direito a novo arrendamento”, podendo, assim, constituir-se a relação locativa mesmo sem o consentimento do senhorio, em termos que havemos de definir oportunamente85.

Por outro lado, já vimos também como o tribunal pode fixar o con- trato de arrendamento independentemente da vontade do senhorio nas hipóteses previstas nos arts. 1793.º CC e 7.º da “Lei das Ocupações”.

II. O contrato de arrendamento pode ser precedido do respectivo

contrato-promessa, a que se aplicam as regras gerais os arts. 410.º e

segs. Não se suscitarão aqui grandes dúvidas.

84 Parece, todavia, que o senhorio só podia arrendar para habitação os fogos men-

cionados no art. 5.º, devendo, pois, o art. 23.º, n.º 1 ser entendido nesses termos. O sen- tido do advérbio “livremente”, no art. 23.º, n.º 1, era apenas o de que o senhorio, dentro do prazo aí fixado, não tinha de escolher o arrendatário dentre os interessados que tivessem

apresentado na Câmara a sua pretensão à casa, nos termos do artigo anterior. Embora a

questão fosse duvidosa (em sentido contrário, A. NETO, pp. 22-23), cremos que era aquela mais leal interpretação da lei. Se esta obrigava o senhorio a arrendar os fogos do art. 5.º da Lei do Arrendamento para resolver, por essa forma, as carências habitacionais existen- tes, mal se estendia que o senhorio pudesse cumprir tal obrigação arrendando o fogo, p. ex., para escritório ou consultório. A obrigação não era, pois, só a de arrendar, mas, con- siderada a razão da lei, a de arrendar para habitação. De resto, só assim tinha sentido a

distinção, que o art. 5.º estabelecia nos n.ºs 1 e 4, entre os fogos referidos no preceito e os

demais. Os fogos destinados a habitação no último arrendamento ou que, não tendo sido

nunca arrendados, se destinassem a esse fim nos termos do respectivo projecto ou da licença camarária (n.º 1), constituíam, exceptuados os que o n.º 4 enumerava, a fracção

do parque imobiliário reservada a arrendamento para habitação, e não se entendia que a lei obrigasse a arrendar esses fogos, e apenas esses, se, afinal, o fim do arrendamento lhe fosse indiferente.

Assim, quanto à forma, parece que o contrato-promessa de arrenda- mento deve constar de documento assinado pelos promitentes, sob pena de nulidade; esta nulidade, porém, só poderá ser invocada pelo promiten- te-arrendatário, que, não querendo invocá-la, pode fazer valer o contrato e tem a possibilidade de o provar por qualquer meio. São as soluções que re- sultam, segundo cremos, da conjugação do art. 410.º com os arts. 1029.º, n.º 3 CC e 1.º, n.ºs 2 e 3 do Decreto-lei n.º 13/86, de 23 de Janeiro.

Também não levanta dificuldades a possibilidade de execução es-

pecífica, nos termos gerais, das obrigações decorrentes do contrato-pro-

messa de arrendamento. A circunstância de o direito ao arrendamento ser constituído, por vezes, intuitu personae não bastará para excluir aquela possibilidade, a que não parece opor-se “a natureza da obrigação assu- mida” (art. 830.º, n.º 1, in fine). Se algum dos contraentes não cumprir a promessa, pode pois o outro, na falta de convenção em contrário, obter

sentença – a sentença proferida na acção destinada a obter o seu cum-

primento - que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso. E se o prominente-senhorio não cumpre a promessa e arrenda o prédio a outra pessoa? Não tendo a promessa eficácia real nem podendo ser-lhe atribuída essa eficácia86, o prominente-arrendatário só poderá pedir uma indemnização dos danos causados, segundo as regras gerais87.

A questão da hereditabilidade dos direitos e obrigações resultantes do contrato-promessa já se afigura mais duvidosa. Esses direitos e obri- gações transmitir-se-ão à sua morte, por serem havidos como “exclusiva- mente pessoais” nos termos do art. 412.º, n.º 1? Convém distinguir as duas situações possíveis, considerando que, se a pessoa do locatário interessa ao locador, já a pessoa deste é fundamentalmente indiferente àquele.

Suponhamos, em primeiro lugar, que morre o promitente-senhorio. Cremos que a obrigação de dar de arrendamento ao promitente-arren- datário se transmite aos herdeiros do prominente falecido. Assim o exige

86 A solução não era muito líquida em face da redacção do art. 413.º CC anterior

ao Decreto-lei n.º 379/86, de 11 de Novembro (na falta de um conceito legal de “oneração”, poderia sustentar-se que o arrendamento fosse um acto de “oneração” para este efeito); mas não parece oferecer dúvidas em face da nova redacção do preceito, que só permite às partes atribuir eficácia real “à promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo”.

87 Se os contraentes pudessem dar à promessa eficácia real o prominente-arrenda-

tário poderia opor o seu direito ao segundo arrendatário cujo direito se não achasse regis- tado anteriormente, pedindo, ao mesmo tempo, a declaração de nulidade do segundo ar- rendamento por o senhorio carecer de legitimidade para o realizar (cfr. arts. 892.º e 939.º).

a proteção do interesse do promitente-arrendatário, que celebrou o con- trato-promessa. Nem parece atendível o eventual interesse contrário dos herdeiros do prominente-senhorio, que, aliás, se tiverem necessidade da casa para sua habitação, poderão exercer a faculdade do art. 1096.º, n.º 1, al. a), verificado o condicionalismo aí previsto. Por outro lado, é claro que o prominente-arrendatário continua obrigado a tomar de arrenda- mento aos herdeiros do prominente-senhorio.

E se morre o prominente-arrendatário? O prominente-senhorio es- tará obrigado a dar de arrendamento aos herdeiros do prominente fale- cido? Tratando-se de arrendamento para habitação, a solução negativa parece a mais razoável. Nem pode pensar-se em que o senhorio fique obrigado a dar de arrendamento aos familiares referidos no art. 1111.º, se os houver, por analogia com o estatuído neste preceito. A analogia não seria rigorosa, pois visa-se aí proteger a estabilidade de uma ha-

bitação familiar que neste caso não se constituiu. Pelo contrário, se o

arrendamento for para comércio, indústria ou exercício de profissão li- beral cremos que o herdeiro do prominente-arrendatário poderá exigir ao prominente-senhorio a outorga do contrato de arrendamento. É o que parece concluir-se da doutrina do art. 1113.º, o qual, tratando-se de ar- rendamento comercial ou equiparado, consagra um princípio amplo de transmissão mortis causa do direito ao arrendamento aos “sucessores” do arrendatário, conferindo assim a esse direito, neste aspecto, carácter fundamentalmente “patrimonial”. Quanto à questão de saber se a obriga- ção de tomar de arrendamento ao prominente-senhorio se transmite aos herdeiros do prominente-arrendatário, inclinamo-nos hoje para a solução negativa, trate-se de arrendamento para habitação ou de arrendamento comercial ou equiparado. Note-se que, neste último caso, a solução pode ainda fundar-se no art. 1113.º que, tratando-se de arrendamento “defini- tivo”, permite aos sucessores do arrendatário “renunciar à transmissão” nos termos aí previstos.