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Resolução pelo senhorio Princípios gerais:

No documento Arrendamento: direito substantivo e processual (páginas 162-167)

Capítulo IV – EXTINÇÃO DA RELAÇÃO DE ARRENDAMENTO

69. Resolução pelo senhorio Princípios gerais:

P. LIMA - A. VARELA, anots. arts. 1047.º e 1093.º.

Como já tivemos oportunidade de referir310, o regime da resolução do contrato de arrendamento diverge do dos arts. 432.º e segs. em dois aspectos muito importantes.

a) Em primeiro lugar, existe aqui um numerus clausus de causas de resolução, só podendo o senhorio resolver o contrato nos casos previstos na lei (art. 1093.º)311. Um corolário deste princípio de tipicidade é que nem todas as obrigações do inquilino, enunciadas no art. 1038.º, estarão juridicamente sancionadas em termos de a respectiva violação facultar ao senhorio a resolução do contrato. A lei seleccionou, por assim dizer, as violações contratuais mais graves e reconheceu-as como fundamentos de despejo; outras violações menos graves não permitirão ao senhorio resolver o contrato, mas apenas exigir ao arrendatário responsabilidade contratual se os respectivos requisitos se verificarem. Outro corolário do princípio da tipicidade é o da nulidade das cláusulas em que as partes prevejam causas de resolução que não constem da lista do art. 1093.º.

b) Em segundo lugar, vimos já que a resolução do arrendamento pelo senhorio reveste carácter judicial, divergindo significativamente, tam- bém neste aspecto, dos princípios do direito comum, em que a resolução se efectiva mediante declaração à outra parte (art. 436.º, n.º 1). É o que se conclui do art. 1047.º, segundo o qual a resolução do contrato fundado na falta de cumprimento por parte do locatário “tem de ser decretada pelo tribunal”. O sentido deste preceito já foi esclarecido oportunamente.

310 Cfr. supra, pp. 45 e 46.

311 Note-se que o princípio não vale em relação aos arrendamento “por curtos pe-

ríodos ou para outros fins espaciais transitórios” previstos no art. 1083.º, n.º 2, al. b), aos quais não se aplica o art. 1093.º (art. 1083.º, n.º 3).

70. Análise sumária das causas de resolução.

P. LIMA - A. VARELA, anot. art. 1093.º; I. MATOS, pp. 226-235; P. SOUSA, pp. 161-197.

São as enumeradas nas várias alíneas do n.º 1 do art. 1093.º. a) Falta de pagamento da renda ou de depósito liberatório.

Já vimos quais são o tempo e o lugar próprios para o pagamento da renda (supra, n.ºs 41-42). O inquilino que não pague a renda no dia do vencimento incorre em mora, mas pode fazê-la cessar se pagar a renda no prazo de oito dias a contar do seu começo (art. 1041.º, n.º 2). Se o inquilino não fizer cessar a mora neste prazo, o senhorio tem o direito de

resolver o contrato. Nos termos do art. 1048.º, pode o inquilino, todavia,

fazer caducar o direito à resolução do arrendamento se pagar ou depo- sitar as rendas em dívida e a respectiva indemnização até à contestação da acção de despejo. Ao pagamento das rendas equipara-se o depósito

liberatório; o depósito não liberatório não evita pois o despejo. Estando o

inquilino em mora, só é liberatório o depósito que abranja as rendas em dívida e a indemnização prevista no art. 1041.º, n.º 1.

b) Uso do prédio para fim ou ramo de negócio diverso daquele a

que se destina.

O inquilino habitacional não pode pois usar o prédio para comércio, indústria, exercício de profissão liberal ou outro fim; o inquilino que arrendou o prédio para certo ramo de comércio não pode exercer nele ramo dife- rente. A jurisprudência é todavia muito liberal – porventura excessivamente – na aplicação do princípio, interpretando com largueza as expressões (p. ex., “taberna”, “café e snack-bar”) utilizadas nos contratos e entendendo que não há fundamento para despejo se o inquilino exerce no prédio actividade

acessória ou complementar da que corresponde ao fim do contrato. Sobre

a doutrina dos arts. 1108.º e 1109.º, que constituem importantes excepções ao princípio enunciado nesta alínea, cfr. supra, n.º 46.

c) Aplicação reiterada ou habitual do prédio a práticas ilícitas, imo-

rais ou desonestas.

Não basta pois um ou outro acto isolado, tornando-se necessário que se trate de uma prática reiterada ou habitual. Note-se, por outro lado, que a lei não visa apenas as práticas ilícitas, mas também as que, embora lícitas, forem imorais ou desonestas segundo os padrões da moral pública vigente. A observação reveste-se de largo interesse numa sociedade per- missiva, como a nossa, em que a área do ilícito se restringe cada vez mais.

d) Obras que alterem substancialmente a estrutura externa do pré-

dio ou da disposição interna das suas divisões, ou quaisquer actos que nele causem deteriorações consideráveis.

Visam-se aqui duas causas de resolução distintas.

Na 1ª parte, a al. d) permite ao senhorio resolver o contrato se o arrendatário, sem o seu consentimento escrito, fizer obras que alterem a estrutura externa do prédio ou a disposição interna das divisões do mesmo, desde que se trate, num caso e noutro, de alterações substan-

ciais. Caso frequentemente tratado na jurisprudência é o da construção

de marquises nas varandas; os tribunais entendem que não há aí altera- ção substancial da estrutura externa do prédio desde que as obras não se integrem nele com carácter definitivo.

A 2ª parte compreende quaisquer actos do arrendatário que causem no prédio deteriorações consideráveis. Não há-de tratar-se, portanto, de de- teriorações inerentes à prudente utilização do prédio (art. 1043.º) nem da- quelas pequenas deteriorações que a lei permite ao inquilino quando se tor- nem necessárias para assegurar o seu conforto ou comodidade (art. 1092.º).

e) Hospedagem a mais de três pessoas.

Como vimos atras (n.º 46), o art. 1109.º, n.º 1, al. b) permite ao arrendatário para habitação, excepcionalmente, receber um máximo de

três hóspedes, considerando-se hóspedes os indivíduos a quem o arren-

datário proporcione habitação e preste habitualmente serviços relacio- nados com esta, ou forneça alimentos, mediante retribuição, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo. Cremos que este regime valerá mesmo que se trate de “indústria doméstica”, pois o art. 1109.º, n.º 1 al. b) deve prevale- cer sobre o art. 1108.º, n.º 2, como norma especial que é. O arrendatário

só poderá receber maior número de hóspedes se tiver arrendado a casa para esse fim.

f) Subarrendamentos, comodato ou cessão da posição contratual,

quando estes actos sejam ilícitos, inválidos por falta de forma ou inefica- zes em, relação ao senhorio.

É ilícito o subarrendamento, comodato ou cessão da posição con- tratual que não tenha sido autorizado pelo senhorio (art. 1038.º, al. f))312; o trespasse que não for celebrado por escritura pública é inválido por

falta de forma (art. 1118.º, n.º 3) e é ineficaz se não for comunicado ao

senhorio nos 15 dias seguintes (arts. 1038.º, al. g) e 1061.º). Note-se, po- rém, que o senhorio não tem direito à resolução do contrato se, embora o trespasse não lhe tenha sido comunicado pelo inquilino, reconheceu o trespassário como tal ou a comunicação lhe foi feita por este (art. 1049.º).

g) Cobrança do sublocatário de renda superior à permitida no art.

1062.º.

Segundo parece, é a cobrança de renda superior à permitida no art. 1062.º, e não a simples estipulação dela, que dá ao senhorio direito à resolução do contrato. Trata-se de fundamento poucas vezes invocado na prática, dado que a maior renda cobrada pelo arrendatário-sublocador fica normalmente escondida, sendo os recibos passados por importân- cia não excedente à permitida no art. 1062.º.

h) Encerramento por mais de um ano consecutivo do prédio arre-

dando para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal.

Protege-se assim o interesse do senhorio, pois a casa estraga-se se a loja, a fábrica ou o escritório estão encerrados por muito tempo, e, reflexamente, o interesse geral de fomentar o aproveitamento de todos os locais disponíveis. A lei acautela, porém, os casos em que o arrenda- tário se vê impedido de exercer a respectiva profissão ou actividade em consequência de força maior (p. ex., doença) ou ausência forçada (p. ex., serviço militar), contanto que a situação não se prolongue por mais de dois anos.

312 Note-se que a sanção da ilicitude não é aqui a nulidade ou anulabilidade do

acto, mas a possibilidade de o senhorio resolver o contrato de arredamento, nos termos da presente disposição.

i) Não habitação do prédio por mais de um ano consecutivo, e falta

de residência permanente no prédio arrendado para habitação.

Também aqui se compreendem duas causas de resolução distintas. Como o arrendamento para comércio, indústria ou exercício de pro- fissão liberal está previsto na al. h) e o arrendamento para habitação na al. i), 2ª parte, a causa de resolução prevista na al. i), 1ª parte visará fundamentalmente o arrendamento celebrado para outros fins, devendo o termo “desabitado” ser entendido em conformidade.

A falta de residência permanente do arrendatário no prédio arren- dado para habitação, nos termos da 2ª parte desta alínea, é uma das causas de resolução invocadas com mais frequência na prática. Com- preende-se que a lei permita o despejo, pois não seria justo (sobretudo nas actuais condições do país, em que a carência de habitações reveste aspectos dramáticos) que o inquilino beneficiasse do especial regime de protecção do arrendamento para habitação relativamente à casa em que não tem residência permanente e só utiliza, porventura, como residência secundária. Aquele especial regime de protecção não foi feito, de toda a evidência, para esses casos. Conforme a jurisprudência tem entendido, residência permanente é a residência habitual da pessoa, a sede da sua vida familiar e social313. Uma casa de férias não constituirá pois residên- cia permanente; não se exclui, todavia, a possibilidade do arrendatário ter duas residências “permanentes” em diferentes localidades. Parece não ser aqui exigível o decurso do prazo de um ano, que só se refere à causa de resolução prevista na 1ª parte da alínea.

Não poderá o senhorio, porém, resolver o contrato com os funda- mentos referidos na al. i) do n.º 1 do art. 1093.º se se verificar alguma das circunstâncias previstas nas als. a), b) e c) do n.º 2 do mesmo artigo. A al. a) refere-se a caso de força maior ou doença que impeça o arren- datário de habitar o prédio ou ter aí residência permanente; parece que a doença tanto pode ser do próprio arrendatário como de algum dos seus familiares que residam com ele nos termos do art. 1109.º. Quanto à al. b), é de notar que o arrendatário que se ausenta em cumprimento de deveres militares ou no exercício de outras funções públicas ou de 313 Trata-se assim, manifestamente, de questão-de-direito que como tal não deve

ser quesitada; saber se o arrendatário tem “residência permanente” no prédio é conclusão a extrair do conjunto dos factos provados. Idêntica observação se poderia fazer relativa- mente a outros conceitos expressos no art. 1093.º (p. ex., “alteração substancial da estru- tura externa do prédio”).

serviço particular por conta de outrem só tem a protecção da lei durante

dois anos, salvo se a ausência resultar de comissão de serviço público

por tempo determinado. O caso previsto na al. c) é o de permanecerem no prédio “os familiares” do arrendatário, ou seja, o seu agregado familiar, no sentido do art. 1040.º, n.º 3; embora o arrendatário, ele próprio, não tenha residência permanente no prédio arrendado, este continua a ser a sede do seu agregado familiar.

j) Cessação dos serviços pessoais do arrendatário que determi-

nam a ocupação do prédio.

A delimitação dos casos em que o preceito tem aplicação suscita graves dificuldades314. Parece que a al. j) se aplica aos contratos mistos de arrendamento e contrato de trabalho315, que a lei sujeita neste aspecto ao regime do arrendamento, impondo ao senhorio o recurso a acção de despejo316. Tendo a ocupação do prédio sido determinada, porém, pelos serviços pessoais que o arrendatário se obrigou a prestar ao senhorio, a cessação dos serviços dá ao senhorio direito à resolução do contrato, não gozando o arrendatário do benefício da renovação obrigatória ao fim do prazo. Cremos que estes princípios são aplicáveis ao contrato, já referido, entre o dono do prédio ou a administração do condomínio e o porteiro (supra, nota (31)).

No documento Arrendamento: direito substantivo e processual (páginas 162-167)