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CAPÍTULO 2 – O ENSINO DE FILOSOFIA COMO EXPERIÊNCIA

2.4 FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE FILOSOFIA

A disciplina de Filosofia transitou por diversas vezes como um pêndulo, ora entrando, ora saindo do curso de formação básica das futuras gerações. Nas atuais circunstâncias, a Filosofia retornou ao Ensino Médio e, assim, somos motivados a pensar na formação de futuros professores de Filosofia. Por vezes, na academia filosófica, percebemos que se instala um desprezo pelo ensino de Filosofia, além disso, que o mais importante seria pesquisar Filosofia e não ensiná-la.

Perencini (2017) apresenta a sua própria trajetória como licenciando de Filosofia e como pesquisador sobre ensino de Filosofia. O autor anuncia o que percebeu durante sua formação: “[...] a formação do licenciado era uma espécie de apêndice da formação pretensamente rígida do bacharel” (PERENCINI, 2017, p. 30) e, assim: “A figura do professor parecia secundarizada, se comparada à do pesquisador” (PERENCINI, 2017, p. 30). O autor relata que, quando procurou um professor para ser seu orientador sobre ensino de Filosofia na iniciação científica, deparou-se com a resposta de que o ensino de Filosofia não seria um problema filosófico. Diante da sua vivência, Perencini (2017, p.30) destaca que “[...] a ausência da reflexão filosófica acerca das especificidades desse ensino reverbera, invariavelmente, na má formação do professor de Filosofia [...]”. O autor relata, ainda, algumas revisões bibliográficas que realizou sobre ensino de Filosofia no Brasil em que percebeu que, percentualmente, é tímido o número de publicações sobre ensino de Filosofia e sobre a formação do professor de Filosofia nos periódicos brasileiros. Nos dizeres do autor:

Verifiquei que o entendimento do ensino de filosofia esteve amplamente embasado em um modo de transmitir um conteúdo da tradição filosófica e no melhor método para fazê-lo, o que restringiu a possibilidade de pensar esse nível de aprendizado como uma experiência de pensamento. [...]. Constatei a escassa produção sobre o ensino de filosofia por parte dos pesquisadores brasileiros à medida que nem um por cento dos

artigos e/ou textos analisados nos 16 periódicos dedicou-se a discutir a temática em questão. (PERENCINI, 2017, p. 35).

Essa ausência de produção influencia a construção da produção acadêmica sobre formação de professores de Filosofia. Kalsing (2012) apresenta perspectivas de entendimento da própria Filosofia e que, dependendo do ponto de vista assumido, expõe um novo entendimento sobre a própria formação do professor. Embora o entendimento acerca do tema sobre o que seria a Filosofia varie, tem-se, em comum, segundo a autora, que a Filosofia seria algo relacionado à prática do cotidiano, que permite àqueles que têm contato com a Filosofia um viver melhor (KALSING, 2012).

Entretanto, faz-se necessário superar a visão bacharelesca da formação de professores de Filosofia e valorizar, com mais afinco, as disciplinas propriamente didáticas, conforme destacado por Tomazetti e Moraes (2016). As autoras apresentam ainda que não se trata de uma didática geral, mas de uma didática específica relacionada a um saber filosófico. “A didática é, pois, um saber importante na formação do professor de Filosofia, desde que seja uma didática filosófica, uma ‘filosofia do ensino de filosofia’” (TOMAZETTI; MORAES, 2016, p. 745). As pesquisadoras problematizam a questão da importância do futuro professor de Filosofia - este “[...] deve ser colocado em situações que lhe possibilitem o conhecimento da realidade escolar desde os semestres iniciais do curso, assim como lhe possibilite adentrar à aula de Filosofia no Ensino Médio” (TOMAZETTI; MORAES, 2016, p. 746).

Tomazetti e Benetti (2012) apresentam dois pontos pertinentes para a discussão acerca da formação do professor de Filosofia. Um primeiro ponto seria desenvolver no licenciando a capacidade subjetiva de relacionar-se com outros mundos para, assim, não querer impor sua maneira de compreender a própria Filosofia. Um segundo elemento seria possibilitar a percepção de que o aluno do Ensino Médio nem sempre estará disposto a aprender Filosofia por diversas razões; desse modo, o desafio é como pensar metodologias de ensino de Filosofia para quem não quer aprender.

Nessa perspectiva, Tomazetti e Moraes (2016) destacam elementos propositivos na formação de futuros professores de Filosofia, a saber: adquirir condições de inculturar-se nas realidades em que estão imersos seus alunos e desenvolver capacidade de olhar crítico para a história da escola e da educação. Essas autoras questionam se o retorno dos licenciandos à unidade escolar, como estagiários, possibilita um olhar problematizador sobre a escola e sobre o próprio ensino de Filosofia. As autoras em referência entendem que cabe ao futuro professor de Filosofia pensar em uma “pedagogia filosófica” (TOMAZETTI; MORAES, 2016, p. 748). Urge “[...] transformar o problema do ensino de filosofia em problema filosófico que significa

perguntar pelo que ensinar e, com isso, desnaturalizar o ensino – tanto entre os estudantes como entre os próprios professores de licenciatura” (TOMAZETTI; MORAES, 2016, p. 749, grifo das autoras). As pesquiadoras destacam que a formação do professor de Filosofia vem ocorrendo de maneira a valorizar os conteúdos filosóficos específicos:

Como temos destacado até aqui, a formação do professor de filosofia, na maioria dos casos, se dá com o foco nos conteúdos filosóficos específicos. Tais conteúdos, de um modo geral, são situados na história da filosofia de uma maneira linear, com o aprofundamento de alguns filósofos e suas questões características. Entretanto, as disciplinas que tratam especificamente sobre as questões didático-pedagógicas ficam num segundo plano. Esta prática causa uma grande defasagem entre o que se aprende na universidade e o que se vivencia no contexto da escola básica. Tal ênfase aos conteúdos específicos e às teorias filosóficas faz com que o desenvolvimento de algumas habilidades necessárias ao professor fiquem restritas ao âmbito da Filosofia e, como mencionado anteriormente, acabam dando um caráter de bacharelado à licenciatura em Filosofia. (TOMAZETTI; MORAES, 2016, p. 750).

Como apontado pelas autoras, não é diferente na Filosofia o que ocorre em outras licenciaturas. Por vezes, os professores das disciplinas específicas nunca tiveram um contato com o ensino de Filosofia no Ensino Médio e veem com menosprezo aqueles que se dedicarão ao ensino de Filosofia nessa etapa de escolaridade. Alguns desses professores encaminharam sua vida acadêmica para o Mestrado e Doutorado em Filosofia e pouco se importam com a forma de se ensinar Filosofia pelos licenciandos no Ensino Médio. Para alguns deles, mestres e doutores em Filosofia, as disciplinas pedagógicas e o próprio Estágio Supervisionado impõem-se como uma exigência legal a ser cumprida com o objetivo de formalizar a finalização do curso de licenciatura. Importa saber, no entanto, que muitos dos licenciandos têm como seu futuro lecionar no Ensino Médio, mesmo que seja por um período da vida e, quando se encontram com a realidade, percebem os desafios que se descortina. Por vezes, a própria direção e a equipe pedagógica veem com desprezo a Filosofia, e os professores iniciantes percebem o descaso com a disciplina que abraçaram.

A formação do professor de Filosofia relaciona-se como uma mediação praxiológica de seu ensino que configura a maneira como os conteúdos são selecionados, além das estratégias de ensino, bem como os métodos de avaliação. A leitura de textos filosóficos na aula de Filosofia constitui-se um elemento muito importante na efetivação da mediação praxiológica, por possibilitar ao aluno sair da passividade de acolher o que foi dito pelo manual de Filosofia e ter um contato direto com o saber filosófico.

Enfim, são diversos os desafios diante da formação de professores de Filosofia, principalmente levando-se em conta o contexto político atual que assola a sociedade contemporânea brasileira. Talvez o desafio maior seja cumprir o proposto pela Diretriz

Curricular Nacional de Filosofia, que consiste em capacitar os futuros professores de Filosofia para proporem problemas e soluções de forma filosófica.

O acúmulo de informações sobre Filosofia não garante que se desperte o licenciando para uma reflexão filosófica. Matos (2013, p. 147), sobre um distanciamento evidenciado entre teoria e prática nos cursos de Filosofia, apresenta que:

A conclusão que se impõe mais claramente desde nossa óptica é: os cursos de filosofia investigados estão marcados por uma tremenda fragmentação entre teoria e prática, característica inerente à sua própria estrutura organizacional. Tal fragmentação aparece amplamente defendida com a alegação de ser este um curso fundamentalmente teórico. Embora quase sempre tenham os depoentes demonstrado dificuldade e/ou confusão para explicitar um conceito adequado de teoria e prática e algumas vezes os tomem como polos antagônicos e cristalizados. (MATOS, 2013, p. 147).

Para que se efetive essa reflexão filosófica na Licenciatura em Filosofia (que chamamos de experiência filosófica), Matos (2013) considera importante percorrer a história do pensamento filosófico, confrontada com a realidade dos licenciandos com base nos direcionamentos dos conteúdos curriculares. Para o autor, esse processo, muitas vezes, não ocorre porque os professores de disciplinas específicas consideram a licenciatura como bacharelado e não se preocupam com o filosofar, mas, sim, com a transmissão de conteúdos. É o que chamamos, em nossa investigação, de “ensino enciclopédico de Filosofia”. Ao contrário, para que se vivencie uma experiência filosófica, seria de grande importância, segundo Matos (2013), que os cursos de Filosofia mantivessem laboratórios de ensino vinculados a colégios. Nesse contexto de uma parceria entre Universidade e Educação Básica, o professor que acolhe licenciandos deveria ser considerado co-formador.

Gontijo (2015) ressalta que, na sua investigação sobre a formação do professor de Filosofia, muitas vezes as disciplinas didático-pedagógicas são lecionadas por professores de cursos de departamento de educação, sem vínculo com a Filosofia. Para o autor:

Parece-nos uma questão carente de maior investigação as possíveis vantagens de um ou de outro modelo, pois pensar a formação de professor de filosofia de forma integrada pode implicar numa forma mais adequada de estruturar o grupo de professores na licenciatura, em que estar ou não lotados no mesmo departamento pensando coletivamente o todo da formação docente talvez fortaleça mais uma sinergia no grupo de professores das licenciaturas em filosofia. (GONTIJO, 2015, p. 131).

Assim, muitas vezes, na formação, vive-se essa situação de professores do departamento de educação os quais lecionam as disciplinas pedagógicas, razão pela qual não assumem as questões didáticas da Filosofia de maneira filosófica, mas, sim, em âmbito de didática geral. O ideal, pelo que entendemos do que Gontijo (2015) defende, é que o professor que leciona as

disciplinas pedagógicas também tivesse uma formação filosófica e um entendimento específico do ensino de Filosofia.

Na próximo capítulo, apresentaremos a metodologia utilizada na pesquisa, bem como os resultados gerados a partir da Análise dos Grafos e da Análise de Clusters.