• Nenhum resultado encontrado

Formação docente em tecnologias frente às determinações do capital

A partir do discutido, percebe-se que aos professores estão sendo demandadas novas competências para o trabalho, sendo fundamental analisar que as modificações nele inseridas – nas quais as TIC têm papel central – revelam a seguinte condição do trabalho docente universitário, analisada por Mancebo, Dias e Goulart (2010):

[...] De modo geral, ocorreu uma mudança qualitativa do trabalho do professor da UERJ, no período em estudo (1995-2008). Tal mudança teve curso em duas direções. Assistiu-se a uma intensificação do trabalho docente, processo particularmente incrementado, nos últimos anos, com a expansão acima assinalada e com a possibilidade de agilização dos produtos, mediante a utilização das novas tecnologias. Aos aspectos mais gerais e visíveis (ensino, pesquisa, extensão e administração), cabe adicionar um conjunto de outras atividades, nem sempre computadas na carga horária docente (trabalho invisível), compreendendo, dentre outros, o incremento da participação docente em órgãos colegiados, conselhos e comissões; o tempo dispendido para as atividades envolvidas na captação de recursos, na emissão de pareceres feitos diretamente, via eletrônica, com agências de fomento ou com revistas, bem como o empenho exigido para a alimentação de inúmeros sistemas de avaliação, muitos dos quais on

line, incluindo planilhas de notas de avaliação de alunos. (MANCEBO; DIAS; GOULART, 2010, p.9).

A intensificação do trabalho assim incrementada instaura-se sob os paradigmas do sistema Toyota que, além de garantir uma maior exploração do trabalho com essas formas renovadas de extração de mais-valia relativa, propugna falso pretexto de uma democracia, que, num ambiente social totalitário, se naturaliza com uma aparência de igualdade, quando, na verdade, mais se torna desigual e que tem, como objetivo último, segundo as autoras, o de “garantir a progressiva acumulação de capital”.

No que tange o papel do professor na sociedade atual, em que prevalecem os sistemas flexíveis de produção, como ocorre em todo o sistema Toyota, em que há muitas mudanças nas formas de organização do processo de trabalho, a palavra de ordem é a inovação. De forma que, para diminuir o acirramento da concorrência, novas formas de organização do trabalho são exigidas, principalmente aquelas relacionadas à velocidade e ao tempo (incremento de produtividade), com isso, alteram-se as formas de uso e de controle da força de trabalho. Compreendidos também aí os professores universitários, como analisado no capítulo II.

Na sociedade capitalista atual, para Tavares e Oliveira C. (2014)

Estamos diante de um novo quadro em que se exige um novo trabalhador: que suporte os aumentos da intensidade do trabalho e apresente maior qualificação, quer dizer, que seja capaz de realizar operações de novo tipo, que exigem maior destreza ou mais raciocínio, uma vez que a produtividade repousa, cada vez mais, na utilização do componente intelectual para realizar trabalhos mais complexos. (TAVARES; OLIVEIRA C., 2014, p.247). Certamente, as TIC cumprem papel importante. Havendo, então, de se encontrar uma equação teórica e prática que dê conta de, na realidade educacional, “atuar, digamos, por contradição”: ao mesmo tempo criticando a tecnologia capitalista e atuando para produzir, a partir delas, relações sociais de novo tipo, socializantes, como argumentaremos mais adiante. (TAVARES, 2004).

Em outro estudo, a autora aponta como algumas outras questões que se colocam com certo pragmatismo devem ser analisadas criticamente, tanto no campo da Educação e das TIC quanto como elementos atuais na formação de professores: a) se o uso de computadores, internet, lousas digitais e softwares educativos, como meios de comunicação e novas linguagens, melhoraria a qualidade do ensino; b)

como a tecnologia ajudaria na hora de ensinar; c) se as novidades digitais seriam eficazes para transmitir e/ou produzir conhecimento; e, d) até que ponto a ausência de recursos tecnológicos poderia afetar o aprendizado e o desenvolvimento educacional de crianças, jovens e adultos. (TAVARES, 2014, p.401-402).

Para Libâneo (2002), o cerne da questão que envolve as TIC e a formação de professores é “as relações entre virtualidade e a educação” sob o ponto de vista da pedagogia. Segundo o autor,

[...] Numa sociedade repleta das novas tecnologias da comunicação e da informação, nenhum educador hoje pode ignorar a presença das mídias, seu papel, sua utilização em sala de aula. Em função disso, os professores precisam preparar-se para serem consumidores críticos das mídias, e para ajudar os seus alunos a se relacionarem criticamente com elas. (LIBÂNEO, 2002, p.110).

Para tanto, se faz necessário, para Tavares (2014), uma abordagem dialética da realidade atual, o que é premissa da teoria crítica e que necessita ser discutida ante os condicionantes políticos e econômicos atuais. Para Tavares (2014), “A teoria crítica da sociedade, ou um marxismo aberto, crítico ou heterodoxo, [...] trouxe a ampliação e o desenvolvimento da noção de crítica, tão densamente elaborada por Karl Marx no século XIX”. (TAVARES, 2014, p.402). Considerando que quem dita as novas ideologias e as teorias pedagógicas atuais, segundo a autora, é o sistema capitalista, em que, apesar de considerar o aluno como um sujeito ativo, “ator reflexivo”, não pode ultrapassar e/ou questionar as bases lógicas do capitalismo, ser crítico, obviamente. Caso contrário, não seria possível cobrar do sujeito, trabalhador docente, assim como de outros trabalhadores dos demais setores produtivos, as prerrogativas de qualificação do sistema Toyota, como capacidade de se expressar, trabalhar em grupo, enfrentar problemas, ser flexível, ter força psíquica, fazer mais em menos tempo, ou seja, fatores de intensificação dos processos de trabalho, ou de aumento da produtividade.

Enfim, para atender a esse processo, o sistema capitalista é quem define por meio de políticas governamentais as formas como o professor irá se qualificar ou requalificar, desenvolvendo novas competências e atualizando seus conhecimentos. De qualquer maneira, essas formas ainda não têm sido muito evidenciadas, segundo Tavares e Oliveira C. (2014), uma vez que

[...] até mesmo para instrumentalizar o corpo docente, de forma muito elementar, é preciso ir além de simplesmente entregar-lhe maquinarias, necessitando, ao mesmo tempo, torná-lo mais “crítico” e reflexivo, para que se torne, de fato, competente intelectualmente para o domínio das novas tecnologias digitais. (TAVARES; OLIVEIRA C., 2014, p. 250).

Mesmo porque, no capitalismo, as tecnologias, segundo os estudos de Marx, devem sempre ser entendidas como mercadorias, pois elas têm o poder de produzir mais valor e desempenham um papel estratégico na acumulação de capital, onde a Educação cumpre função importante nesse processo.

Para Hirt (2001), as TIC incorporam-se na Educação com finalidade última de promover a competitividade profissional entre os futuros trabalhadores, e que

A evolução atual dos sistemas de ensino se realizam em detrimento do acesso aos saberes e ao saber-fazer que nos permitem compreender o mundo, que nos permitem, portanto, intervir nele. Precisamente, são os mais explorados que são privados de armas intelectuais necessárias para lutar pela sua emancipação coletiva. (HIRT, 2001, p.21) (Tradução nossa). Nessa relação capital-tecnologia-educação, Tavares e Oliveira C. (2014) acreditam que há implicações no campo escolar que alteram o processo de formação de professores,

[...] de modo que as tecnologias, como recursos e meios de produção, expressam a relação social capitalista e, no caso das TIC, destacam-se no sentido de favorecer uma educação social que, mais que qualificar para o trabalho, gere no sujeito uma demanda pelo consumo, que alimente a si e ao sistema capitalista. (TAVARES; OLIVEIRA C., 2014, p. 245).

3.2.1 Atuar por contradição

Em outra concepção, para além da formação técnica para o trabalho, as TIC se aliadas a uma didática crítica docente, poderiam contribuir para uma lógica de formação humana diversa daquela que é preconizada pelo capitalismo atual, em que

Uma formação de sujeitos ativos, criativos e politicamente críticos em relação a tal doutrina [do capital], possibilitando um múltiplo desenvolvimento das competências humanas, como sugerido no artigo Desafios a uma pedagogia social da tecnologia33. A utilização de diferentes

recursos tecnológicos servindo, então, para uma consciência crítica da realidade em que se vive. (TAVARES; OLIVEIRA C., 2014, p.245-246). (Grifo nosso).

Por isso, para as autoras, questões como: a importância da Didática na formação do professor, quais saberes são necessários para a prática docente, como preparar esses profissionais iniciantes para o ingresso no Ensino Superior e saber como as TIC estão sendo exploradas na prática docente, são questões que devem estar constantemente integradas nas pesquisas sobre formação inicial e continuada de professores em quaisquer níveis.

Isso porque, salienta-se uma vez mais, que existe uma ambiguidade das funções das tecnologias. Por um lado, sob a perspectiva da racionalidade instrumental ou abordagem tecnicista da técnica (Escola de Frankfurt), a mesma é limitada à eleição dos meios adequados para alcançar os fins pretendidos. No campo educacional, o tecnicismo pedagógico tem sido marcado pela presença das inovações das TIC proporcionado pelos rápidos e constantes avanços e junção das telecomunicações e da informática – a telemática. Assim sendo, a máquina aqui não é só um instrumento, mas a tecnologia concebida no processo produtivo capitalista, que se expressa como “a soma de instrumento e ideologia”, como Marcuse (1972) já analisara. Em termos hegemônicos, também as TIC cumprem a função de acumulação de capital. Por outro lado, em uma perspectiva de resistência, há sempre que se considerar outra função social para as TIC, a de sua produção social, visando possibilidades e usos emancipatórios. Então, percebe-se que novas exigências são requeridas dos docentes para atuar no mercado de trabalho no campo da Educação, estas que são imposições do capitalismo da qual o sistema educacional é fundamental para sua constante expansão.

Chamam ainda a atenção para a questão, Nishida et al (2007b), citando Chauí (2001) sobre a relação entre o capital, a formação docente, tecnologia e a Universidade, afirmando que, inseridos no contexto hegemônico, passam a ter caráter econômico:

[...] a ciência e a tecnologia tornaram-se forças produtivas, deixando de ser mero suporte do capital para se converter em agente de sua acumulação (CHAUÍ, 2001). [...] Ao produzir conhecimento necessário ao desenvolvimento tecnológico, a universidade pública também sofre pressão. (NISHIDA et al, 2007b, p.27).

Manzini-Covre (1986) já analisara, aqui, o surgimento, já em finais do século XIX, da transfiguração do conhecimento em técnica e da transformação das ciências sociais em técnicas sociais, como operações do capitalismo à época. Portanto, ao atender às demandas exigidas nessa questão sem que haja uma análise, a universidade acaba por fortificar a concentração de bens, tanto materiais quanto culturais, e de poder, analisam Nishida et al (2007b, p.27).

Outrossim, Pensin (2014, p.3) afirma que, nesse contexto e diante dessa pressão confirmada por Nishida et al (2007b), se por um lado cresce o número de ações políticas regulatórias sobre as universidades, exigindo a eficiência, eficácia, excelência por meio de uma formação docente em nível de Pós-Graduação, por outro lado, vê-se a necessidade da “intensificação nos investimentos em formação continuada nas IES, para a qual a dimensão pedagógica é imprescindível”. Mas, nesta dimensão localizam-se problemas importantes.

3.3 Deficiência nas políticas institucionais de formação docente para o ensino