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3. Fundamentação teórica e principais conceitos

3.2. Formação dos Públicos

Como falado, para Dewey (1927), um público é formado pelas pessoas que direta ou indiretamente são afetadas por uma situação. Já Quéré (2003) afirma que o público é uma forma, pois podemos reconhecê-lo como uma articulação de elementos que compõem uma unidade (mesmo que formada por uma diversidade de tendências e interesses) ou ainda, o púbico tende a orientar e conformar atitudes e comportamentos em comum. Assim como Dewey (1980), Quéré acredita e, compartilhamos deste entendimento, de que o público é agente e paciente no sentido de que é afetado, mas também afeta, ele reage, se apropria, se constitui e é constituído na interação comunicativa e é capaz de configurar novos papéis.

Também partilhamos do entendimento de Henriques (2014) e Babo (2013) de que os públicos surgem de uma dupla via de formação, que tanto pode se originar de interesses comuns, sendo reconhecidos por seus pares, “quanto por interesses (das organizações ou dos seus públicos) que são projetados sobre pessoas e grupos, em relação reflexiva”. (HENRIQUES, 2014, p.3). Para eles, os públicos são constituídos na própria movimentação e interação entre as pessoas. Henriques (2014) também afirma que os públicos são formas de sociabilidade, organizadas em redes de relações sociais e

fluxos de informações. Ele ressalta que os públicos são múltiplos e móveis, pois podem mudar de posição ao longo do processo e formar novos públicos, inclusive.

Sobre isso, Esteves (2011) ressalta que qualquer pessoa pode participar e fazer parte de diferentes públicos, tanto simultaneamente, quanto em momentos distintos. Além disso, as pessoas que constituem os públicos também podem reconsiderar suas filiações a idéias e/ou interesses presentes nesses públicos e mudar de opinião e passarem a constituir outros tipos de públicos. “As relações de pertença são abertas e reversíveis em função de interesses, convicções e motivações permanentemente renováveis e revogáveis”. (ESTEVES, 2011, p.151). Portanto, os públicos estão em constante mutação. Esteves define os públicos como,

redes de comunicação e espaços sociais fortemente personalizados, abertos à (e dependentes da) afirmação das características individuais de seus membros que contribuem para a formação das identidades destes, na base da personalidade e da subjectividade próprias. O que os públicos possibilitam é, afinal, a concretização mais favorável da relação comunicação/individualidade, o estreitamento desta relação, cujo significado abarca um horizonte antropológico mais vasto e uma dimensão ontológica mais profunda. (ESTEVES, 2011, p. 158).

Herbert Blumer (1978) utiliza três critérios para definir públicos: primeiramente abrange um grupo de pessoas que estão envolvidas em alguma questão em comum; depois essas pessoas se encontrariam divididas em posições diferentes diante da questão e por fim discutem sobre o problema. “Neste sentido, deve ser distinguido de um público tomado enquanto povo. A presença de uma questão, de discussão e de uma opinião coletiva constitui a marca do público”. (BLUMER, 1978, p. 181). Para ele, o público constitui um agrupamento elementar e espontâneo. O fato de existir uma questão que motive a existência desse público implica que o problema não poderá ser enfrentado somente com base em uma regra cultural, mas sim a partir de uma decisão da coletividade, que só pode ser alcançada a partir de um processo de discussão. “Neste sentido, o público constitui um agrupamento natural e anticonvencional, espontâneo e que não é o preestabelecido”. (BLUMER, 1978, p.182). O autor diferencia a forma de agir de um público com a de uma multidão ou da massa.

A sociedade procura agir segundo um padrão definido ou por um consenso; uma multidão, pelo estabelecimento de uma relação e a massa, pela convergência de escolhas individuais. Em certo sentido, o público enfrenta o dilema de como se tornar uma unidade quando na

verdade se encontra dividido, de como agir em comum acordo quando há discordância quanto ao que deve ser a ação. O público adquire seu tipo particular de unidade e procura agir no intuito de alcançar uma decisão coletiva ou desenvolver uma opinião coletiva. (BLUMER, 1978, p. 183).

Esteves (2011) confere aos públicos um caráter simbólico que, por sua vez, é capaz de revestir a sociabilidade com um sentido comunicacional potente, pois os públicos compartilham conhecimentos. Ele afirma que a associação de ideias entre os públicos é essencial e que a construção dessa comunhão de sentidos é elaborada por meio da troca comunicacional que os públicos estabelecem entre si. “Esta dinâmica comunicacional serve como uma espécie de protótipo da comunicação pública das sociedades modernas”. (ESTEVES, 2011, p. 154). Ainda de acordo com ele, a comunicação dos públicos é a própria razão de ser deles, pois é capaz de traduzir o motivo da existência desses públicos e promover relações sociais, que são também relações de comunicação.

Tudo aquilo que envolve a visibilidade desse elemento simbólico agregador torna desde logo um caráter comunicacional, podendo, portanto, considerar-se que esse é o motivo primeiro que desencadeia a dinâmica comunicacional de um público. (ESTEVES, 2011, p. 154). Para Esteves, a comunicação se constrói no interior dos públicos quando eles buscam algum interesse comum, de modo a singularizar aquele público, o que também motiva a aproximação de um número de indivíduos. Já Henriques (2012) lembra que tanto a formação, quanto a movimentação de públicos acontece mediante intensas e múltiplas trocas comunicativas, uma vez que as pessoas sentem necessidade de expor suas opiniões, interesses, valores e crenças e também por meio da geração de vínculos entre os sujeitos. Para ele, essa dinâmica promove uma atualização ininterrupta do processo de formação daquilo que se entende ser o interesse público. “Isso chama a atenção para o processo de geração de uma causa social como um processo interativo aberto e complexo, que mantém com o processo mobilizador uma relação de

reflexividade”. (HENRIQUES, 2012, p. 10)

Essas visões de público apresentadas anteriormente estão de certa maneira interligadas e se complementam e definem nosso modo de entender a formação dos públicos. Por fim, podemos inferir, conforme Henriques (2014) nos indica, que quando uma situação ocorre, mesmo que dentro de uma dimensão privada, mas que tenha o potencial de afetar a vida das pessoas, ela ganha uma dimensão pública e pode gerar a formação de públicos, e que estes, por sua vez, posicionam e se movimentam diante

desta ação. De acordo com Henriques (2014), este deslocamento de uma questão que ultrapassa o interesse privado para atingir o âmbito público é um movimento múltiplo e controverso, considerando a linha tênue que muitas vezes delimita o que seria público de privado.