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CAPÍTULO V – ANÁLISE DOS DADOS

5.3. Construção das categorias de análise a partir da análise documental e da revisão

5.3.6. Formação em saúde mental na atenção primária

5.3.6. Formação em saúde mental na atenção primária

O Ministério da Saúde, em 2002, ao propor um Programa de Formação

Permanente de Recursos Humanos para a Reforma Psiquiátrica reconhece alguns dos principais problemas na área: concentração de profissionais nos grandes centros urbanos, programas ainda pouco instituídos e também concentrados geograficamente e dificuldades na fixação dos profissionais médicos, sobretudo de psiquiatras (161).

No campo da atenção primária, o tema da falta de capacitação em saúde mental é bastante recorrente e aparece em quase todas as pesquisas analisadas. São identificados problemas com relação à falta de capacitação em saúde mental das equipes de atenção primária, à falta de formação dos psicólogos e psiquiatras para atuarem na atenção primária; a constatação de que a formação acadêmica de muitos profissionais não incorpora os princípios da saúde coletiva, do trabalho no SUS e muito menos do trabalho na atenção primária; problemas relacionados à qualidade das capacitações, muitas vezes ineficazes quando pontuais (8, 136, 150, 152, 158).

O Ministério da Saúde define que o principal arranjo para a interação e formação das equipes de atenção primária e saúde mental é o apoio matricial. Entretanto, Pereira (162) constata que apesar desta diretriz ser clara, não foram elaboradas diretrizes mais específicas para a organização dos processos de formação em saúde mental dos médicos e enfermeiros do PSF.

Há inúmeros processos de formação em curso mas não há uma avaliação destas práticas, de forma mais sistemática. O Ministério da Saúde criou uma secretaria específica para o tema da Formação (Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde) mas ainda se observa muita fragmentação e falta de integração entre os programas e áreas temáticas.

O Reino Unido tem tradição nos estudos sistemáticos nesta área, em função de terem consolidado seu sistema como base na atenção primária desde os anos 60, além de

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terem construído estratégias educacionais em saúde mental dirigidas especificamente para a atenção primária.

Gask et al. (163) realizaram importantes estudos de avaliação das intervenções educacionais na atenção primária e mostram que muitos treinamentos não são efetivos no impacto junto aos pacientes.

As três maiores barreiras para a efetividade destas intervenções são: a) os generalistas não acreditam que sua prática pode ter efeito; b) a inadequação dos treinamentos e c) os contextos organizacionais em que se encontram para implementar o que aprenderam, mesmo quando os treinamentos são acompanhados por outras intervenções profissionais, não parece ter impacto na qualidade de vida ou na aderência à medicação.

Já os encontros científicos e educacionais, que são os mais ofertados aos médicos, têm efeito sobre o conhecimento e as atitudes em relação à doença mental mas não na prática e nos resultados. A conclusão é de que estes treinamentos parecem ter efeito somente quando as intervenções educacionais são acompanhadas por intervenções organizacionais.

Como pode ser visto na revisão bibliográfica realizada nesta pesquisa, é possível identificar, em linhas gerais, forte convergência com os estudos ingleses no que se refere às principais questões levantadas sobre as dificuldades para qualificar as equipes da atenção primária.

Gask et al., (163) propõem alguns modelos para aperfeiçoar a qualidade da SM na APS que envolvem o treinamento das equipes de AB e dos médicos de família, com identificação dos casos e manejo farmacológico e psicológico. Há também a proposta de interconsulta (consultation-liaison), com os seguintes objetivos: a) foco em aperfeiçoar as habilidades dos generalistas; b) contato com especialistas regularmente para suporte e

feedback, c) referenciamento somente após discussão, d) manejo pela equipe da AB.

Segundo Pereira (162) estes autores desenvolveram múltiplas técnicas de aprendizagem como conferências breves sobre modelos de consulta médica, discussão de casos reais, desenvolvimento de certas habilidades a partir de vídeos e exercícios de role-

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play pelos alunos. O principal objetivo é o desenvolvimento de habilidades para atuação na atenção primária, com demonstrações em vídeos e o exercício dos alunos. É interessante a ênfase no desenvolvimento de abordagens aos pacientes mais do que na discussão clínica.

Estas experiências mais consolidadas podem nos apontar estratégias já estudadas e avaliadas com relação à sua efetividade, sobretudo por sua longa tradição. Mas é preciso também revisar as experiências brasileiras (e são inúmeras) de cursos de formação para a atenção primária, que tem se mostrado efetivas.

Pereira (162) desenvolveu uma revisão das habilidades específicas de médicos e enfermeiros na atenção primária. Há evidências que apontam a necessidade de se realizar formações conjuntas mas também distintas para médicos e enfermeiros.

Campos et al. (3) organizaram Manual voltado aos profissionais de saúde, mais especificamente da atenção básica, que traz textos e reflexões de uma consolidada experiência de Cursos de Especialização em diversos municípios do país. O Manual trabalha o apoio matricial e também traz discussões mais voltadas para a saúde mental, em alguns de seus capítulos. Campinas tem sido um importante pólo formador nesta área.

Outro importante pólo formador em saúde mental e atenção primária é o município de Sobral e a Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia, no Ceará. Este estado foi precursor do trabalho com os ACS ainda na década de 80 e segue com experiências bastante relevantes no campo da saúde mental na atenção primária. Barros et al. (153) destacam a estratégia de incluir práticas interdisciplinares na atenção primária que ajudam a incluir ações de saúde mental na residência multiprofissional em saúde da família, organizada pela Escola. Esta experiência tem permitido muitos avanços no município, no que se refere à atenção em saúde mental e têm influenciado outros municípios brasileiros.

Há também um conjunto de cursos apoiados pelo Ministério da Saúde nas modalidades de atualização, especializações presenciais e à distância, com a inclusão do tema da atenção primária. O tema também tem sido incluído nas Residências Multiprofissionais (41).

Há uma série de programas, criados pelo MS nos últimos anos, que ainda precisam ser mais bem explorados e articulados para ampliar a formação em saúde mental na atenção

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primária. Para citar os principais: Profaps (Programa de Formação de Profissionais de Nível Médio para a Saúde), Pró-Saúde, o PET-Saúde (Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde), o Telessaúde (que permite uma segunda opinião médica à distância), o Pró- Residências (Médicas), UNA-SUS (Universidade Aberta do SUS) e o Progesus (Programa de qualificação e estruturação da gestão do trabalho e da educação no SUS). Este é um campo enorme de amplificação da qualificação em saúde mental.

Nesta breve revisão, fica evidente que é preciso um esforço maior de sistematização destas experiências, com vistas à criação de uma rede potente de profissionais e serviços com interesses voltados para saúde mental e atenção primária.

Por fim, vemos que é preciso um esforço conjunto entre profissionais e equipes de saúde mental e da atenção primária, como aponta Pereira (162)

a incorporação concreta e sistematizada de ações de saúde mental na atenção primária tem exigido uma mudança de postura dos profissionais da saúde mental. Antes isolados em seu mundo “psi” engrandecidos pela missão de guardiões da subjetividade e da Reforma Psiquiátrica, agora se vêem ante o perigo de perder o trono, já que por necessidade (organização da demanda sempre crescente) ou por demanda do outro (PSF) começam a sair do conforto de seus consultórios. O PSF propõe algo radical na operação da chamada Clínica no Território... exigindo (dos profissionais de saúde mental) um reposicionamento menos narcísico e mais generoso, especialmente no que diz respeito à transmissão do conhecimento.

Como afirmamos anteriormente, entendemos que este esforço de aproximação e de compartilhamento de conhecimento deve ser recíproco, e sempre em defesa da ampliação do acesso aos cuidados em saúde mental de qualidade no SUS.

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CAPÍTULO VI - SUBSÍDIOS PARA UMA PROPOSTA DE AVALIAÇÃO DAS AÇÕES DE SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO PRIMÁRIA

Se avaliar é refletir, planejar e estabelecer objetivos (64) ou uma forma de disparar diálogos, estamos a trilhar um bom caminho ao propor uma estratégia avaliativa das ações de saúde mental na atenção básica.

Conforme já demonstrado, o objetivo desta pesquisa foi identificar os princípios e diretrizes estruturantes da Política Nacional de Saúde Mental para a Atenção Primária e analisá-los à luz das experiências relatadas na revisão da literatura realizada (2001-2011). A partir disto foram criadas as 6 categorias de análise apresentadas no tópico anterior, para que então seja possível apresentar subsídios para uma proposta avaliativa das ações de saúde mental na atenção primária.

Concordamos com a concepção de que a avaliação deve envolver diversas ordens de problemas e isto implica superar avaliações instrumentais baseadas em normas fixas da clínica e da epidemiologia (70). Felisberto (82) sugere a necessidade de que a avaliação seja cada vez mais institucionalizada para se promover processos estruturados e sistemáticos, que possam abranger várias dimensões da gestão, do cuidado e do impacto sobre o perfil epidemiológico.

É importante, segundo Furtado (70) aumentar o grau de compreensão dos processos avaliativos e considerar os sentidos atribuídos aos dados e aos fatos, pelos grupos envolvidos no processo.

Além disto, é importante que os sujeitos introjetem “um olhar avaliador” para que a avaliação seja orgânica os processos de trabalho, desde o profissional da unidade local de saúde até a esfera federal, no Ministério da Saúde (73).

A partir desta concepção ampliada de avaliação (mais detalhadamente abordada nos capítulos II e III) apresentaremos subsídios para uma proposta de avaliação para ações de saúde mental na atenção primária, a partir das evidências das experiências e de questões éticas abordadas no conjunto das leituras realizadas na presente pesquisa.

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Segundo Saraceno et al. (81) há algumas etapas da avaliação que são fundamentais: a) identificação do problema; b) definição de critérios e padrões de qualidade, c) construção de indicadores a partir das informações coletadas, d) confronto entre dados obtidos e critérios previamente definidos e e) discussão de resultados.

Seguindo estes passos, temos identificados os principais problemas na articulação saúde mental-atenção primária, na conjugação das diretrizes do MS com a revisão narrativa realizada, permitindo a construção de categorias de análise, já abordadas no capítulo V.

A partir disto, foram listados e construídos indicadores qualitativos e quantitativos, de forma abrangente, com base também nas experiências internacionais.