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3 TEORIA SOCIAL, TRABALHO E REFLEXIVIDADE

4.2 Formação, experiência de vida e narrativas

Cada pessoa à sua maneira, busca o seu “devido lugar”, definindo suas orientações para satisfazer seus sentimentos de unicidade na formação dos sentimentos que dão um colorido ao “conforto de viver”.

O processo formativo nas abordagens biográficas pressupõe a complexidade que envolve a constituição do humano em suas várias dimensões, a formação acadêmica, assim como a satisfação profissional ou afetiva, já não são suficientes para acalmar a incessante procura de plenitude que move o ser humano. A possibilidade de encontrar e definir satisfatoriamente conforme seus anseios, e assim possibilitar a manifestação dos sentimentos que “fazem valer à pena” viver em paz. As narrativas de vida facilitam a compreensão de que as buscas do saber-viver se constroem a partir das vivências. As revelações são progressivas, o saber-viver como pesquisa de uma sabedoria, aparece como “alicerce”, hipóstase subsistência, realidade, estrutura, que orienta a formação. Buscas que orientam caminhos e escolhas de vida acontecem inconscientemente e de acordo com a historicidade de cada indivíduo. Podem vir juntas ou separadas, as buscas são determinadas por circunstâncias ou da busca de si mesmo.

Na busca de si, o sujeito vai delineando a construção de sua existência. Essa busca não acontece de forma fragmentada, ao tempo em que busca sua formação profissional o sujeito não coloca sua vida pessoal ou afetiva em stand by, ela acontece de forma simultânea. Não há como separar um aspecto de outro. O ser humano é um conjunto de intermitências que se autorregulam, agem e reagem conforme suas circunstâncias. Nessa perspectiva, estão imbricadas todas as relações que são partes de sua existência.

As experiências vivenciadas funcionam/atuam como alicerce, cabedal, lastro adquirido que pesará sobremaneira às possibilidades de ação para atendimento a seus objetivos. Ainda que não as considere, lembre ou ressalte, elas estão lá, geneticamente constituintes de todas as células de sua existência fisiológica e cognoscitiva. É incontestável que as cotidianidades ainda que não tragam consigo o arcabouço epistemológico, encerram um saber empírico que certamente contribuirá na determinação das práticas ou decisões a serem tomadas.

Nesse contexto, pode-se afirmar que as experiências de vida são reflexivas posto que, realizam o movimento de viver, refletir mais cedo ou mais tarde sobre essa vivência e dela guardar o vivido, conhecido, experienciado. Esse processo é unilateral, a percepção do sujeito é o determinante para definição do que deve ou não ser absorvido, guardado, considerado ou

descartado. A relevância da experiência não é estática ou uniforme, pode variar de acordo com a temporalidade, diversidade ou recorrência. Pode o sujeito minimizá-la ou potencializá-la, a depender de suas circunstancialidades futuras. Possui ainda a característica de unicidade, a mesma experiência ainda que vivenciada por sujeitos diferentes, terão resultados singulares. A historicidade de cada sujeito assim como as relações que ele estabelece com os eventos de sua existência são particulares razão pela qual as experiências vivenciadas por um determinado sujeito dificilmente servirão de aporte para outro, pois além de subtrair-lhe a própria descoberta, negar-lhe-ão a possibilidade de construção de si e por-si.

Nessa perspectiva, diante das abordagens biográficas, se por um lado temos as experiências de vida como um processo unilateral, as narrativas de vida estão diretamente vinculadas à relação com o outro. O sentimento de pertença e aceitação diz respeito ao conhecimento de si por meio do olhar do outro. Atender as expectativas para obter reconhecimento e assim valorizar-se. A procura de si é inseparável de uma relação com outrem. Não saberíamos viver sem pertenças reais ou simbólicas. Na busca, procuramos nosso lugar nos diferentes grupamentos que fazemos parte. Esta relativa inconstância em nossos grupamentos caminha junto com errâncias inevitáveis na nossa busca de si.

Fundadas na razão, são referências para evolução objetiva, prática e eficaz ou comportamento adequado, ou seja, cofre das ideias, instruções de uso, receitas para trilhar o bom caminho e melhorar o bem viver. Os saberes servem para tudo: confirmar, legitimar, explicar, transformar, fundamentar ações sobre si e sobre os outros ou sobre os contextos e situações.

Considera-se pertinente também, as contribuições teórico-metodológicas das pesquisas com narrativas autobiográficas, conforme Abrahão (2006), ao entendê-las em seu tríplice aspecto: como fenômeno - o ato de narrar-se; como método de investigação – recolha e construção de fontes para pesquisa e, ainda, como processo de autoformação e de intervenção – reflexão sobre as dimensões da formação, no que concerne à construção identitária de professores e formadores.

As narrativas de vida evidenciam o impacto quando são consideradas as diversidades culturais. As certezas são relativizadas e o conforto de uma única verdade (sentido) é questionado. Isso gera ansiedade pela indeterminação. A desordem dá a busca de sentido, uma dimensão de sobrevivência e dignidade. Além disso, a questão de uma ética social mobiliza os narradores para a procura de um referencial que os ajude a se posicionar face aos espinhosos problemas que os atingem e que são exacerbados graças a constatação dos vazios. A busca de

sentido torna-se o núcleo central numa arte de viver. Formar-se implica compromisso nas nossas ideias e em nossas ações quer individual ou coletivamente, fundadas nos valores orientarão nossas ações e os sentimentos.

Essa técnica ou método abre a possibilidade de um reconstruir sua existência, um reconceituar-se, ressignificar-se a partir da narrativa de sua história na qual o sujeito é dono e senhor da realidade, podendo reconfigurá-la de acordo com a relevância dos elementos constitutivos de sua historicidade. Não que deliberadamente, o sujeito omita ou se furte à verdade, mas ao visitar o passado com os olhos do presente, a própria resiliência permitirá a esse sujeito privilegiar o que houve de significativo em sua trajetória, descartando, até mesmo de forma heurística, o que lhe causou sofrimento.

As narrativas de vida constituem-se ainda um instrumento metodológico sobremaneira eficaz. As práticas de ateliês biográficos, em que o sujeito, ao recontar a sua história, resgata os elementos considerados importantes, podendo reconfigurar-lhe a ordem, a forma, o tempo de acordo com suas pertenças e dessa forma, possibilitar um novo começo ou continuidade em bases de sua escolha. Ademais, no processo de narrativas o sujeito é ator e produtor de sua história, pode refazê-la e assim refazer-se, voltar ao passado e partir em direção a um futuro com oportunidades de escolha.

Delory-Momberger (2006) explicita que o ateliê biográfico utiliza a história de vida em uma dinâmica relação entre presente, passado e futuro, visando a emergir o seu projeto pessoal. Considera a dimensão do relato como construção da experiência do sujeito e a dimensão da história de vida como espaço de mudança. As histórias de vida passam por um processo de exploração e socialização, passando pela escritura de si e pela compreensão do outro. Objetiva proporcionar condições para extração de um projeto de si profissional. A prática das histórias de vida em formação fundamenta-se na ideia da apropriação que o indivíduo faz da sua própria história ao realizar a narrativa de sua vida. No caso, exploram possibilidades e experiências como alternativas de intervenção e concebem uma denominação abrangente de formação. Essa linha de pensamento reconhece os saberes não formais, internos, oriundos das práticas nas relações sociais e de trabalho nas suas vidas. É um novo aprendizado que permite definir novas relações com o saber e com a formação. Há a associação dos formandos aos processos formativos e estes, atores responsáveis por sua própria formação. O poder-saber é aquele que - ao refazer a sua história, se forma – lhe é permitido agir sobre si mesmo e sobre seu meio. Possui mecanismos para reescrever sua história de acordo com o sentido e a finalidade de um projeto.

A narrativa é o momento em que o narrador se torna sujeito, enunciando a história que tem por verdadeira no momento; é a sua ficção verdadeira enquanto história de vida. Ao tempo que fala o sujeito efetua a ação ao dar-lha significado. É dado compreender-se como autor de sua história e de si próprio. Pois, durante a narrativa o sujeito se configura como hipótese aceitável – suficiente boa – dentro da possibilidade provisória em seu horizonte. A vivência será validada a partir da diversidade de experiências testadas para construção da identidade e a reconfiguração se dará sob medida.

A justificativa e finalidade da existência humana está na realização de todas as atividades dentro do horizonte de suas possibilidades. Não somos a não ser que estejamos propensos a vir a ser e, ainda assim, quando o formos, estaremos buscando a possibilidade de sê-lo. Faz parte do ser.

O projeto de si não é finito, suas realizações concretas são estados transitórios. É necessário conferir tempo e espaço para o desenvolvimento e realização do projeto de si. Envolvem bastante tempo – formação profissional, acadêmica, familiar, afetiva - e atualizáveis como atitudes que mudam a forma física e mental que o sujeito tem de si e alteram a relação ao sentimento que tem em relação a si mesmo.

A narração do eu e o retrospecto levam ao desenvolvimento do que impulsiona a história para a diante que é a visão prospectiva. Quando visualiza um ser-a-vir, ser-para é que o eu se constrói como tendo-sido. É diante da possibilidade que se constrói. A construção prospectiva do passado consiste na projeção da perspectiva possível de uma história realizável e se torna concreta com realizações singulares. Possibilidades se abrem, pois a dinâmica não encerrou a construção da história de si, permite potencialidades projetivas.

A história de vida é a projeção em que o sujeito se produz a si mesmo. O sujeito só existe na história por fazer e é sua emergência que intenciona sua história, que conta sua história de vida.