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3 TEORIA SOCIAL, TRABALHO E REFLEXIVIDADE

3.2 Modernidade, reflexividade e autorreferência

É necessário que se aprofundem estudos que evidenciem, demonstrem e comprovem cientificamente, que a forma tradicional de fazer ou viver ciência já não responde plenamente à diversidade de relações existentes em sua multiplicidade de instâncias. Antes, suscitam mais questionamentos e incertezas, face às circunstâncias e à variedade de elementos subjetivos envolvidos entre angústias, apreensões, expectativas e ansiedades que são partícipes do cotidiano do sujeito.

As respostas obtidas por meio de conceitos e experimentos convencionais induzem a questionamentos e incertezas já que, as problemáticas são complexas e dinâmicas. Soluções generalizadas não encontram retorno diante da especificidade dos problemas. A modernidade em Giddens traz consigo um elemento dinâmico atrelado à condição existencial do concreto sentir/fazer/acontecer/realizar/executar, ao se configurar nas derivações de sua existência.

Em contrapartida, a modernidade caracteriza este momento no qual os ícones de sentido de si, ao se fragmentarem, estão produzindo uma sensação de desordem, insegurança, vazio, incerteza, falta de conceito ou denominação de si, angústia da busca da construção ou resgate e com esta, a necessidade de “solidez”. Os valores, tradições, grupos de origem, tudo o que se/me/lhe dava a sensação de pertença, ser, fazer parte, o identificava enquanto sujeito/ator está esfacelado, não mais existe ou tem sua existência questionada, logo: quem sou eu e se o que acredito e me confere a existência, está em bases questionáveis ou é considerado inexistente.

A ausência de referencial sólido quanto à identidade, pertencimento, classe, família, grupo social dentre outros; ícones de estabilidade do mundo social são, na modernidade, elementos de fragmentação do próprio indivíduo que percebe o surgimento de novas identidades, em todas as suas multiplicidades e pertencentes aos diversos extratos da sociedade, definidos por órgãos competentes.

A sociedade moderna define, separa, segrega, fragmenta e reparte esse mesmo indivíduo enquanto a raça, gênero, credo, orientação sexual, religião, partido político entre outros, em todas as instâncias pessoais, individuais, existenciais, profissionais, acadêmicas, vinculação familiar e remete a considerar/comprovar de forma empírica, com o devido rigor e

comprovação científica, que a modernidade, a reflexividade e autorreferência não são excludentes, mas complementares e não sequenciais dentre os processos que a humanidade está vivenciando.

O processo de desconstrução não se deu por acaso, a realidade evidencia o contraste entre o que nos é passado, ensinado, recomendado como verdade absoluta e às contradições da ciência, a ausência de resultantes de projetos, proposições e enunciados; a latente evidência empírica nos remete a questionar a autoridade da ciência, quando a realidade não mais se conforma aos seus pressupostos.

A multiplicidade de respostas, perguntas, a superespecialização, a superespacialização todas corroborando numa busca interminável ante o inesgotável, múltiplo, incessante, complexo, complementar “enigma da pirâmide” que pretende a resposta do mais enigmático desafio: em quem ou no quê acreditar e a possibilidade de reinventar o processo ou negar a bases sobre o qual foi construído. A modernidade, ao tempo que nega o constituído, estabelecido, acena com o inusitado, ilusório, peremptório, possível em bases discutíveis, afirma e confirma sua condição de itinerância, momentaneidade, circunstancialidade, volatilidade ligada às instâncias que lhes são confrontadas.

A ausência de conceitos que delimitem temporalmente e cientificamente o que seja modernidade, pós-modernidade ou contemporaneidade, abre pressupostos a inesgotáveis possibilidades quanto à definição temporal, conceitual, comportamental e de percepção dos sujeitos sobre si e sobre o mundo que os cerca. Como definir padrões de comportamento quando o sensor de aproximação entre os sujeitos é a total ausência de referências, ou seja, a falta de identidade aproxima os desprovidos de qualquer condição que os identifique. Está instaurada a condição para o medo, insegurança, necessidade de referência no outro que referencia e do outro a quem busca referência. Legitimidade do outro enquanto objeto de credibilidade e respaldo da confiança do indivíduo.

Está configurada a natureza dos sistemas peritos, ou seja, sistemas de excelência técnica ou competência profissional que organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje (FREIDSON, 1986, apud GIDDENS, 1991, p. 35). A incapacidade de comprovação sobre a competência dos profissionais de vários segmentos ou áreas que fazem parte do cotidiano moderno situa o indivíduo em uma condição de “fé” na prática do perito, por absoluta ausência de informação plena. A confiança pressupõe a consciência do risco, deriva da fé e esta, da crença. Tanto esta como aquela, admitem a possibilidade de frustração de expectativas, porém a crença “tende” à permanente estabilidade

do que é familiar; você está crente que suas expectativas não serão desapontadas: que os políticos tentarão evitar a guerra, que os carros não quebrarão ou o deixarão subitamente o meio da rua para atingi-lo em seu passeio de domingo à tarde. Você não pode viver sem deixar de formar expectativas e tem que negligenciar a possibilidade de desapontamento, porque se trata de uma possibilidade muito rara, mas também porque não sabe mais o que fazer. Para Luhmann (1988, apud GIDDENS, 1991) [...] a alternativa é viver num estado de incerteza permanente e privar-se das expectativas sem ter nada com o que substituí-las.

Schön (2000) chama atenção para a necessidade de uma epistemologia da prática, tomando como ponto de partida o conhecimento profissional, a competência, a habilidade especialmente, a reflexão-na-ação, pensar o que faz enquanto faz, prática desenvolvida em situações de incerteza, singularidade e conflito. A separação entre a pesquisa e a prática impede a “reflexão-na-ação”, criando a polêmica entre o rigor e a relevância. Propõe ainda, uma instrução e aprendizagem através do fazer. Considera que o aprendizado tradicional prepara o profissional para atuar sobre o problema, deixando de lado as considerações sobre a problemática e a complexidade peculiar, a singularidade, incerteza e conflito pertinente a cada problemática.

A meu ver, o autor propõe uma definição adequada do problema considerando as especificidades e complexidades inerentes que viabilizam a aplicabilidade da solução técnica adequada. Cada caso é único e transcende as categorias da teoria e da técnica existentes, o profissional não pode tratar o conhecimento de que dispõe como instrumental disponível em seu estoque de regras do conhecimento profissional. Nem sempre os problemas estão no manual, para tratar-se de forma competente deve se lançar mão de estratégias situacionais produzidas para este fim. O profissional competente considera os reflexos de suas proposições nos diversos campos e instâncias, não apenas a clientela a qual serve, mas considera os aspectos conciliatórios, conflitantes e integrados da situação, de modo a construir um problema coerente, que valha a pena resolver.

A definição de problema é um processo ontológico, ou seja, uma forma de demonstrar, comunicar, mostrar uma visão de mundo ou uma percepção da realidade a partir das próprias convicções. Shön (2000) afirma, não é através de soluções técnicas para os problemas, que convertemos situações problemáticas em problemas bem definidos, ao contrário, é através da designação e da concepção de problemáticas que a solução técnica de problemas torna-se possível.

A racionalidade técnica não considera a indeterminação prática de certas zonas. A incerteza é um aspecto relevante na construção das hipóteses bem como, o conflito de interesses e as singularidades, fazem parte do tripé na construção da problemática para definição da técnica a ser utilizada. O reconhecimento da singularidade de uma situação por parte do profissional reflexivo requer mais que a aplicação do conhecimento profissional e definições quanto aos resultados logo, a solução técnica requer maior atenção quanto às possibilidades diante das percepções de outros campos do saber.